Falando de Mercado: Negociação de contratos de biodiesel

Os diferenciais logísticos das usinas de biodiesel caíram consideravelmente, influenciados pelo atraso na coleta do produto pelas distribuidoras em meio ao cenário de sobreoferta de diesel e atraso na comercialização da soja.

Nesta edição do ‘Falando de Mercado’, o chefe adjunto de redação da Argus Brasil, Conrado Mazzoni, e o repórter sênior Alexandre Melo conversam a respeito das negociações para a contratação do biodiesel que abastecerá o mercado brasileiro em maio e junho.

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Transcript

Conrado Mazzoni: Olá e bem-vindos ao ‘Falando de Mercado’ – uma série de podcasts trazidos semanalmente pela Argus sobre os principais acontecimentos com impacto para os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo. Meu nome é Conrado Mazzoni, eu sou chefe adjunto de redação da Argus no Brasil. E no episódio de hoje eu converso com Alexandre Melo, repórter sênior da publicação Argus Brasil Combustíveis. Vamos falar sobre o período de contratação de biodiesel envolvendo as usinas e as distribuidoras que abastecerá o mercado nos meses de maio e junho de 2024. Bem-vindo, Alexandre.

Alexandre Melo: Obrigado, Conrado. Muito bom estar aqui novamente e atualizar quem nos escuta sobre o mercado de biodiesel.

CM: As negociações dos contratos de biodiesel encerraram há alguns dias. Conta sobre qual foi o pano de fundo desta nova rodada, que acontece a cada dois meses, certo?

AM: Isso mesmo, Conrado. Antes de falar sobre a contratação, vou apenas relembrar como funciona este período para aqueles que estão nos escutando e não são tão familiarizados com o mercado de biodiesel. Como você mesmo mencionou as negociações entre os produtores e as varejistas acontecem a cada dois meses. Isso é uma herança do período em que a contratação ocorria por meio de leilões públicos intermediados por uma empresa do sistema Petrobras. Mas o mercado abriu em janeiro de 2022 e os participantes têm a obrigação de negociarem ao menos 80pc do volume do mesmo período do ano anterior e os 20pc restantes podem ser comprados ou vendidos no mercado à vista. Este é um [levantamento]( https://www.argusmedia.com/en/news-and-insights/latest-market-news/2561839-b100-estoques-altos-nas-usinas-fazem-precos-cairem) que eu faço desde maio de 2022, mas que em outubro de 2023, a Argus começou a publicar em formato de tabela para dar mais visibilidade aos números, pois diversos participantes de mercado estão começando a usar esses dados como referência para precificar uma parcela dos contratos. A pesquisa abrange as sete principais regiões produtoras de biodiesel: Mato Grosso, dividida em Sorriso-Nova Mutum ao norte do estado e Cuiabá-Rondonópolis ao sul; Goiás, também separada pela microrregião norte mais Tocantins e o sul do estado. Abrange também o Rio Grande do Sul, a Bahia e Paraná-Santa Catarina, aglutinados em uma região devido ao pequeno número de usinas nestes dois estados. Essas sete regiões também são cobertas pelos nossos indicadores semanais de biodiesel. Dito isso para ficarmos todos na mesma página, eu te digo que a contratação de biodiesel para o terceiro bimestre de 2024 foi um pouco turbulenta. E por quê? Uma conjuntura de fatores fez como estoques elevados de biodiesel nas usinas para serem retirados pelas distribuidoras, vendas abaixo do esperado de diesel B e uma enxurrada de diesel importado nos portos fizeram com que os preços do biocombustível caíssem consideravelmente em relação ao segundo bimestre.

CM: Então o argumento das distribuidoras na contratação para maio e junho é que houve um excesso de oferta de produto nos tanques das usinas e isso coincide com o avanço da colheita de soja no Brasil, cuja safra 2023-24 atingiu 90,5pc da área plantada, segundo dado da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) divulgado em 30 de abril. Alexandre, como a precificação do biodiesel é feita? Existe uma fórmula de preço?

AM: Conrado, você foi muito preciso em sua colocação. O preço de qualquer commodity é definido pelo conceito básico de mercado de oferta versus demanda. As negociações começaram com as usinas pedindo valores maiores para recuperarem parcialmente as perdas com paradas não programadas, decorrentes dos atrasos nas retiradas de biodiesel pelas distribuidoras. Porém, o argumento não se sustentou. Sobre a precificação, eu diria que cerca de 90pc do biodiesel negociado no país é abrangido por uma fórmula que considera o diferencial logístico das usinas ou “fee” como o mercado costuma chamar, a variação do dólar, a oscilação do óleo de soja na Bolsa de Chicago (CBOT) e o diferencial do contrato futuro desta commodity no porto de Paranaguá. Então o diferencial logístico é a parcela na precificação de contratos ligada à margem dos produtores. A lógica é a seguinte: quanto mais próxima a usina é dos centros de distribuição de combustíveis, mais caro será o biodiesel produzido pela empresa, pois o custo logístico do comprador será menor. Isso também leva em consideração a oferta de soja e de óleo de soja no estado. A Bahia, por exemplo, tem o fee mais alto do Brasil porque o custo de produção de biodiesel lá é mais alto. Enquanto o mais barato é o produzido no eixo mato-grossense de Sorisso-Nova Mutum. Os demais componentes da fórmula de precificação têm peso diferentes conforme a usina, para uma parte delas a oscilação do óleo de soja em Chicago tem maior peso, depois entram na composição o diferencial do óleo vegetal no porto de Paranaguá e o câmbio. As negociações acontecem a cada dois meses, certo? Então, as tratativas para o produto que abastecerá o mercado em maio e junho de 2024, por exemplo, iniciaram no começo de abril e o prazo final dado pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil) era 25 de abril. Nesta data, os participantes precisam submeter os contratos fechados do período à autarquia para que sejam analisados.

CM: Alexandre, você disse que o diferencial logístico na Bahia é mais alto e em Mato Grosso é mais baixo. Comenta um pouco sobre como ficaram os fees para o terceiro bimestre.

AM: Sim. O maior recuo nos diferenciais foi observado na Bahia, onde os prêmios encerraram o período de contratação entre R$600-830/m³ ante intervalo de R$730-1.020/m³ no período entre março-abril, conforme levantamento feito pela Argus. O preço médio caiu R$210/m³. Na região Paraná-Santa Catarina, a queda foi de R$140/m³, com os fees oscilando entre a mínima de R$150/m³ e a máxima de R$450/m³. No estado que mais produz biodiesel no país, o Rio Grande do Sul, o diferencial logístico ficou entre R$110-380/m³, caindo na média R$120/m³ em relação ao preço para março e abril. Subindo para o Centro-Oeste, Conrado, a região de Sorriso-Nova Mutum, em Mato Grosso, teve fees cerca de R$90/m³ mais baixos, entre R$50-340/m³, enquanto o eixo Cuiabá-Rondonópolis oscilou de R$80-405/m³, um recuo de R$123/m³ em relação ao segundo bimestre. Por fim, a região norte de Goiás-Tocantins ficou com valores entre R$300-535/m³ e o sul do estado em R$350-500/m³. Ambos também com quedas. São muitos números, então quem estiver interessado pode acessar [este levantamento no site da Argus]( https://www.argusmedia.com/en/news-and-insights/latest-market-news/2561839-b100-estoques-altos-nas-usinas-fazem-precos-cairem).

CM: Como está o cenário para demanda por biodiesel em maio e junho?

AM: Na teoria, o mercado espera um aumento da demanda porque a soja colhida precisará ser escoada para os portos. A comercialização está atrasada no Centro-Oeste, especialmente em Mato Grosso, porque os contratos futuros da soja em Chicago estão em forte queda e o produtor, obviamente, vai aguardar para vender o grão em um momento de repique da cotação. Mas é importante lembrar que a safrinha de inverno de milho começará a ser colhida em meados de junho, logo, os produtores não terão mais espaço para continuar armazenando a soja e precisará vender a grão e haverá demanda do frete para escoar as cargas para os portos. Outro importante impulsionador será a colheita da cana-de-açúcar na região Centro-Sul do país, que já vem ajudando discretamente na demanda nos estados de São Paulo, Paraná e Goiás, com alguns produtores recorrendo ao mercado à vista para fazer a mistura com o diesel.

CM: Realmente, Alexandre, é um levantamento bem amplo. Minha última pergunta é sobre como essa grande oferta de diesel importada está impactando o setor de biodiesel.

AM: Conrado, o setor de distribuição considera que essa situação de desequilíbrio com uma oferta ampla de diesel importado nos portos persistirá por mais algum tempo. Ainda tem muitos navios boiando próximo aos portos com diesel para ser descarregado. Além disso, muitos participantes de mercado acreditam que o percentual de mistura obrigatória de biodiesel no diesel, atualmente de 14pc, não está sendo cumprida por todo o mercado. De acordo com dados da ANP, a taxa de conformidade do diesel B foi caiu de 95,2pc para 83,4pc entre março-abril, menor nível registrado desde o começo do monitoramento, em 2016. O descumprimento do teor mínimo de biodiesel foi contabilizado em 67pc das infrações registradas durante o período, contra uma taxa média histórica de 47pc. O cancelamento do regime especial de tributação de empresas importadoras de combustíveis pela Secretária da Fazenda do Amapá deve acabar com as distorções de preços no mercado de diesel e colaborar para o reequilíbrio da oferta do produto no país. O Amance Boutin, editor da publicação Argus Brasil Combustíveis, questionou a ANP sobre o cumprimento da mescla em abril e o órgão regulador respondeu que o levantamento ainda será concluído e estarão disponíveis para consulta no painel dinâmico a partir de 7 de maio. Segundo a ANP, nos períodos de transição de percentuais sempre são identificadas mais divergências em relação ao teor de biodiesel, muitas vezes pela dificuldade de escoamento do produto especificado no teor vigente antes da nova meta de mistura começar a valer, como foi o caso do aumento de 12pc em janeiro e fevereiro para 14pc em março e abril.

CM: Alexandre, obrigado pela sua participação e por nos atualizar sobre como foi o período de contratação de biodiesel para o terceiro bimestre de 2024. Vamos conversar novamente em meados de julho sobre a rodada para o quarto bimestre. Esse e os demais episódios do nosso podcast em português estão disponíveis no site da Argus em www.argusmedia.com/falando-de-mercado. Visite a página para seguir acompanhando os acontecimentos que pautam os mercados globais de commodities e entender seus desdobramentos no Brasil e na América Latina. Voltaremos em breve com mais uma edição do “Falando de Mercado”. Até logo!

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