Author Argus

As companhias locais de etanol estão se movimentando para surfar a onda da descarbonização do setor aéreo no contexto internacional. No Brasil, no entanto, isso ainda caminha a passos lentos.

Junte-se a Camila Dias, diretora da Argus no Brasil, e Vinícius Damazio, repórter da publicação Argus Brasil Combustíveis. Eles falam sobre quais passos são necessários para que o país alavanque a indústria do SAF e as opções na mesa dos usineiros brasileiros.

Transcript:

[Camila] Olá, e bem-vindos ao Falando de Mercado, uma série de podcasts trazidos semanalmente pela Argus sobre os principais acontecimentos com impacto para os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo. Meu nome é Camila Dias, eu sou diretora da Argus no Brasil, e no episódio de hoje eu converso com Vinícius Damazio, repórter da publicação Argus Brasil Combustíveis, sobre as expectativas da indústria do etanol para a produção do combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês) no Brasil. Bem-vindo, Vinícius.

[Vinícius] Obrigado, Camila. Fico feliz em estar aqui novamente.

[Camila] Vinícius, vamos primeiro contextualizar. O que temos de anúncios concretos sobre o SAF por parte da indústria de etanol brasileira e o que podemos esperar no futuro próximo?

[Vinícius] A empresa brasileira de biocombustíveis avançados GranBio anunciou, em outubro, a produção do combustível sustentável de aviação (o SAF) a partir de etanol nos Estados Unidos, com a tecnologia alcohol-to-jet da companhia de engenharia norte-americana Honeywell. A Avapco, subsidiária da GranBio nos EUA, recebeu uma doação de US$80 milhões do programa SAF Grand Challenge Roadmap, do Departamento de Energia dos EUA, para acelerar o desenvolvimento de tecnologia para produção no país. Este apoio financeiro ajudará a construir uma planta em escala semicomercial capaz de produzir 10.000 m³/ano de SAF, usando etanol de segunda geração, feito a partir de lascas de madeira e bagaço de cana-de-açúcar. O objetivo, segundo o que ouvi do Bernardo Grandin, presidente da GranBio, em um evento do setor sucroalcooleiro em setembro, é produzir SAF com uma pegada neutra em carbono. Os investimentos no projeto, que deve entrar em operação em 2027, chegam a US$220 milhões. A parceria com a Honeywell ocorre em meio ao avanço da empresa norte-americana na indústria de SAF, com sua tecnologia de processamento para converter etanol à base de milho, celulósico ou à base de cana-de-açúcar em querosene de aviação renovável. No Brasil, como os leitores do relatório Argus Brasil Combustíveis devem lembrar, a história da GranBio está entrelaçada com o desenvolvimento difícil e promissor do etanol de segunda geração como um biocombustível avançado comercialmente viável. A empresa iniciou a produção da primeira planta de etanol celulósico em escala comercial no hemisfério Sul em 2014, após um curto período de construção, de 20 meses. A planta foi construída em Alagoas, com capacidade de produção de 30.000 m³/ano. Mas, desde então, as operações na fábrica de Alagoas têm sofrido com paralisações regulares e a empresa tem lutado para ser lucrativa. Mas, voltando ao SAF, também em outubro, a BP Bunge Bioenergia, joint venture entre a empresa de energia BP e a trading de alimentos Bunge, recebeu a certificação ISCC Corsia, que comprova que seu etanol à base de cana-de-açúcar está de acordo com exigências internacionais para produção de SAF. Com essa conquista, a BP Bunge agora é parte da cadeia de fornecimento de etanol para SAF a todos os países membros da Organização da Aviação Civil Internacional (a Icao, na sigla em inglês). Assim, a BP Bunge se juntou a outras empresas como a Raízen, São Martinho e Zilor, que também já receberam a certificação ISCC Corsia para produzir etanol como matéria-prima para o SAF. Isso permite a rastreabilidade do combustível renovável, ponto fundamental da corrida do setor aéreo para neutralizar emissões de gases de efeito estufa até 2050.

[Camila] Vinícius, essas iniciativas parecem ter um ponto em comum: todas são voltadas para o mercado internacional.

[Vinícius] Exatamente, Camila. Esses anúncios mostram que, no contexto internacional, as companhias brasileiras de etanol estão se movimentando para surfar a onda da descarbonização do setor aéreo. Mas, dentro do país, isso ainda caminha a passos lentos. Estamos vendo essa movimentação, esse burburinho, mas não ainda um avanço efetivo.

[Camila] O que falta para uma empresa de etanol brasileira ingressar na produção de SAF?

[Vinícius] Nos últimos três meses, estive presente em diferentes conferências e eventos da indústria, tanto do etanol de cana-de-açúcar quanto do de milho, e é notável a curiosidade que esse tema desperta. Eu acredito que existe um interesse genuíno de muitas usinas, porque, de fato, esse é um setor que pode realmente alavancar a produção de SAF, dada a disponibilidade de matéria-prima, de terras, a posição geográfica do país e toda a tecnologia que já é presente na indústria de etanol do Brasil. No entanto, o que ouço no mercado é que o grande entrave hoje é a questão da desoneração para que o país consiga ser competitivo na produção de SAF, converter isso de uma commodity para um produto de valor agregado e atender os mercados globais, que são os grandes demandantes – EUA e Europa. A reclamação é que não há competitividade para que essas empresas iniciem projetos que fiquem em pé. Mas já existem conversas entre o setor público e o privado para decidir o que precisa ser feito, ou seja, quais são desonerações do sistema tributário que serão necessárias para que esses investimentos consigam avançar no país.

[Camila] Então, essas desonerações não estão a princípio no lastro do projeto Combustível do Futuro? São necessárias mais conversas para o programa abarcar isso?

[Vinícius] O governo federal sabe da importância e da oportunidade. Parafraseando uma entrevista com o presidente da Honeywell PMT para a América Latina, José Fernandes, que publicamos no nosso relatório: “a necessidade do ‘combustível do futuro', que é o SAF, é clara”. Eles sabem da importância e sabem da oportunidade. Mas, no programa em si, isso não está margeado. Cabe agora ser feita a análise, e essas discussões existem em várias esferas no governo federal, de como implementar algo que seja robusto no longo prazo. Isso porque, justamente, são investimentos de longo prazo. Para se ter uma ideia, do momento conceitual de uma fábrica até a saída da primeira gota de SAF, pode se levar de três até cinco anos. Qualquer projeto que tivermos hoje de alcohol-to-jet verá produção somente a partir de 2027, 2028 ou 2029. É lá que o usineiro começará a ver o resultado dos investimentos dele. Isso se começar agora. Mas, para começar, esses possíveis investidores estão pedindo por mais claridade quanto às condições tributárias para o futuro da indústria do SAF no Brasil.

[Camila] Criadas essas condições, do ponto de vista logístico e de infraestrutura, quais regiões do país são mais promissoras para esses investimentos?

[Vinícius] Não existe nenhum ponto específico, mas é importante que essas fábricas estejam próximas das usinas de etanol e com boa acessibilidade para os portos, facilitando o escoamento do produto para a exportação. Isso porque, mesmo com a criação de mandatos brasileiros, os maiores demandantes serão, de início, a Europa e os EUA. Temos duas regiões com uma presença muito forte de usinas, que são o interior paulista e o Nordeste, ambas com facilidade de acesso aos portos. O mais provável é que sejam essas as mais interessadas em construírem fábricas para converterem o etanol em SAF onde já estão instaladas. Mas já ouvimos algumas sinalizações que o grupo Atvos, que conta com unidades no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, além de São Paulo, demonstra interesse em avançar em um projeto de SAF. Obviamente que, existindo uma demanda maior e um fluxo de transporte mais intenso, podem surgir também iniciativas do setor logístico, parcerias entre entes públicos e privados, para melhorar as condições de transferência e competitividade desse material.

[Camila] O que uma usina deve considerar ao decidir se quer produzir SAF ou exportar etanol para que o combustível final seja fabricado em outros países?

[Vinícius] São muitas as perguntas que aparecem na cabeça dos grandes produtores e das autoridades do governo olhando para essa indústria. Basicamente, vai caber aos participantes do setor tomarem a decisão entre vender commodity ou um produto de valor agregado, ou seja, entre ser coadjuvante nesse jogo ou um ator principal. A percepção entre as empresas de tecnologia é que, claro, faz muito sentido instalar as fábricas de conversão para SAF aqui, porque traz uma relevância muito importante para o país em um nível global. Mais uma vez, voltando na entrevista que publicamos com a Honeywell, o José Fernandes fala que o Brasil pode, no longo prazo, se tornar liderança em uma espécie de Opep dos combustíveis renováveis, algo como os países árabes estão para a produção de petróleo. Essa fala ecoa entre outros participantes da indústria do etanol, especialmente do setor sucroalcooleiro. Mas, escolhendo o caminho da exportação, o Brasil precisa construir uma agenda diplomática para se tornar um dos protagonistas na indústria do combustível de aviação sustentável. O SAF é considerado vital para a descarbonização da indústria aérea, que é de difícil eletrificação. Isso oferece uma oportunidade estratégica para o setor brasileiro de etanol se posicionar como um fornecedor importante nesta cadeia produtiva, especialmente nos EUA. Incentivos governamentais para substituir o combustível fóssil de aviação – especialmente a Lei de Redução da Inflação dos EUA (IRA, na sigla em inglês) – promoveram uma demanda superlativa pelo biocombustível de aviação no país. O programa federal norte-americano Padrão de Combustíveis Renováveis (RFS, na sigla em inglês) exigirá que o SAF alcance uma redução de ao menos 50pc nos gases de efeito estufa em relação ao petróleo, e o Departamento de Energia dos EUA sente que, possivelmente, precisará importar etanol de cana-de-açúcar brasileiro, pois o etanol de milho deles convertido diretamente em SAF não proporciona essa redução de 50pc. O desafio é fazer com que a indústria dos EUA perceba que o biocombustível brasileiro – especialmente aquele produzido com uma pegada neutra em carbono – poderia descarbonizar o etanol de milho deles através da mistura. Dada a ameaça representada pela expansão da eletrificação dos veículos, a agenda global do SAF poderia fazer parte de uma estratégia de diversificação muito necessária para os produtores brasileiros de biocombustíveis direcionarem sua oferta excedente. É uma oportunidade comercial única e o Brasil precisa se posicionar rapidamente nesse trabalho a quatro mãos, que precisa ser feito pelas associações do setor sucroalcooleiro junto ao Ministério de Relações Exteriores do governo federal.

[Camila] Excelente, Vinícius. Vamos acompanhar os próximos passos dos produtores de etanol brasileiro nesse desbravamento da indústria do SAF. Muito obrigada pela sua participação no Falando de Mercado. Esse e os demais episódios do nosso podcast em português estão disponíveis no site da Argus em www.argusmedia.com/falando-de-mercado. Visite a página para seguir acompanhando os acontecimentos que pautam os mercados globais de commodities e entender seus desdobramentos no Brasil e na América Latina. Voltaremos em breve com mais uma edição do “Falando de Mercado”. Até logo!