• 28 de abril de 2025
  • : Gas & Power, Natural Gas

O Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten) foi aprovado em janeiro e deve representar uma oportunidade de avanços dos investimentos em áreas de sustentabilidade no país. Junte-se a  Rebecca Gompertz,  especialista de biometano da publicação Argus Brazil Gas Markets e Maria Fernanda Soares, sócia na Machado Meyer e líder da prática de gás natural e gases renováveis, para saber mais sobre o Programa e suas principais consequências para os mercados de gás e biometano.

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Transcript

Rebecca Gompertz: Olá e bem-vindos ao Falando de Mercado, uma série de podcasts trazidos semanalmente pela Argus sobre os principais acontecimentos com impactos para o setor de commodities e energia no Brasil e no mundo. Meu nome é Rebecca Gompertz, eu sou especialista em gás natural e biometano da publicação Argus Brazil Gas Markets.

No episódio de hoje, eu converso com a Maria Fernanda Soares, que é sócia da Machado Meyer e líder da prática de gás natural e gases renováveis no escritório.

Hoje o nosso assunto é o Programa de Aceleração da Transição Energética, o PATEN, e seus possíveis impactos para o setor de biometano. Bem-vinda, Maria Fernanda.

Maria Fernanda Soares: Olá, obrigada. Prazer estar aqui com você.

RG: Maria Fernanda, eu queria começar te perguntando sobre o que foi definido na aprovação da lei do PATEN em janeiro e o que que ainda é passível de regulação?

MS: O PATEN ele é, como você pontuou agora no início, o Programa de Aceleração da Transição Energética. Então, ele tem alguns pilares para promover e incentivar projetos que estejam relacionados com transição energética.

O principal pilar dele é baratear o custo de financiamento para esses projetos, que sejam projetos enquadrados nesses objetivos macro do PATEN.

Entre esses projetos, os setores que são focados, principalmente, por essa lei que institui o PATEN são os setores de energia, de produção de energia, combustíveis para descarbonizar cadeias de combustíveis também, e produção tecnológica para incentivar os estudos e o desenvolvimento tecnológico em relação a essas soluções de projetos que tenham como viés a descarbonização e o desenvolvimento sustentável.

Então, a lei institui esse programa. Ela determina quais são os pilares que vão ser perseguidos através desse programa e determina que os projetos que sejam revestidos desses objetivos do programa precisam ser qualificados, para que eles gozem de alguns benefícios.

Esses benefícios seriam mais atrativos para baratear juros, através de um mecanismo que foi criado, como a criação de um fundo, e transação tributária, também como incentivo, como forma de ter benefícios econômicos para o incentivo e para a aceleração do desenvolvimento desses projetos no país.

RG: Me parece bem amplo. O que você enxerga que pode ser um entrave? O que ainda está mal resolvido por enquanto?

MS: Eu acho que talvez, ao invés de falar em entrave, seja melhor falar em desafio. Porque de fato a lei criou um programa que ainda está completamente pendente de regulamentação.

Então, por exemplo, no primeiro artigo de abertura, que fala dessa criação desse programa, já existe uma determinação de que os órgãos e entidades que vão ser responsáveis pela regulamentação ainda precisam ser definidos.

Então, como você tem matérias ao longo do PATEN que envolvem temas de energia... aí você tem tanto a geração de energia quanto a produção de combustíveis que, em determinadas medidas, envolvem agências reguladoras diferentes. Você tem ali temas que envolvem transporte, que tem a questão da descarbonização do setor de transporte. Então, é difícil e tem muita interdisciplinaridade a ser regulada.

Quando você fala de transação tributária, de fundo verde, você tem ali, possivelmente, o Ministério da Fazenda. Então, tecnologia, talvez também envolvimento de autoridades que sejam relacionadas a essa área de tecnologia. Então, ainda se precisa definir quem vão ser as autoridades que vão cuidar dessa regulação para depois efetivamente pensar em como esse programa vai ser regulamentado.

Então, acho que ainda tem um caminho a ser perseguido para começar a tirar do papel efetivamente os benefícios desse programa e ele ser materializado mesmo na prática.

E daí eu acho que vem o maior desafio. A gente tem uma agenda de transição energética que foi muito movimentada nos últimos meses, no último ano. A gente teve a aprovação de marco regulatório do hidrogênio de baixa emissão de carbono, a gente teve a aprovação do PATEN e a gente teve a aprovação da Lei do Combustível do Futuro.

Então, são várias iniciativas que são muito necessárias, mas ainda estão pendentes de regulamentação. Então, tem uma carga de trabalho muito grande para essas várias frentes que foram abertas.

Acho que como o principal desafio talvez seja esse: agora, quais são os próximos passos para efetivamente implementar e materializar os objetivos?

RG: Faz sentido. Me dá um pouco a impressão de que ele afeta vários mercados ao mesmo tempo, mas eu queria entender especificamente o que ele pode fazer pelo mercado de biometano e biogás.

MS: Que é a menina dos olhos da gente aqui, né Rebecca?

Bom, ele de fato fala sobre várias fontes alternativas de combustíveis, com o viés sempre de descarbonização. E ele trata, o biometano ele é visto como um combustível da transição energética, com uma pegada de carbono reduzida em relação a outros combustíveis.

E o gás natural é visto como o combustível da transição energética exatamente por ser um backup para viabilizar a utilização de outras fontes mais renováveis.

E aí, o gás natural, ele é mencionado em algumas passagens da lei. Ele é mencionado com objetivos de incentivar a produção, transporte e distribuição de gás natural. Como fonte de geração de energia elétrica, exatamente por conta dessa potencialidade dele de funcionar como backup para a intermitência de outras fontes mais renováveis.

E no fim do dia, é interessante ver que, ainda que o biometano seja um combustível renovável, porque ele vem de uma fonte que é de aproveitamento, beneficiamento energético de resíduos, que tem uma pegada mais verde, quando você desenvolve o setor de biometano, existe, a reboque possivelmente, o desenvolvimento do setor de gás natural também. Porque a gente tem várias questões relacionadas à indústria do biometano, por exemplo, sazonalidade de produção, escala e etc., que pode ancorar eventualmente uma demanda e que eventualmente essa demanda vai ser suprida também por gás natural, como backup, também do biometano.

Então, eu acho que quando você fomenta e institui programas de fomento e incentivo para a indústria do biometano, o gás natural acaba se beneficiando disso também.

Então, eu vejo esses dois vieses. Tanto por ele ser mencionado expressamente, o gás natural, como um dos combustíveis que estão com foco no Programa de Aceleração da Transição Energética, mas também por ele aproveitar do desenvolvimento de uma cadeia de biometano que também tem um grande potencial nos próximos anos, não só pelo PATEN, mas também pelo Combustível do Futuro que foi aprovada. Possivelmente no futuro, a gente vai ter novos projetos para corresponder a essa nova demanda que vai ser gerada.

RG: A gente sempre acaba voltando para esse ponto, conversando com o mercado, de que o biometano e o gás natural precisam um do outro. Quando um se desenvolve, o outro acaba se desenvolvendo junto. Bom, você falou de investimentos aqui no futuro e tal, eu queria entender um pouco melhor o que você está vendo de caminhos agora que o PATEN foi aprovado? Obviamente vai ter essa regulamentação, mas o que deve acontecer daqui para frente? Como que o mercado deve se movimentar em torno disso?

MS: Eu acho que a primeira coisa importante aqui é que, ainda que exista um desafio grande de regulamentação para materialização desses objetivos, a própria aprovação de uma lei que cria esse programa já é uma sinalização para o mercado, para o direcionamento de políticas públicas e o que vai estar em foco.

Então, ainda que você não tenha ali o fundo verde já instituído, já apto a funcionar como o garantidor de risco para financiamento de projetos, que é o objetivo de redução de custo de dívida, ainda que você não tenha as autoridades que estejam identificadas como responsáveis pela regulamentação do programa, você tem um sinal claro de política pública no sentido de que o Brasil vai perseguir objetivos de transição energética. Isso já é um caminho, um passo muito interessante para você ver uma movimentação no mercado com interesse em desenvolvimento de projetos nessa área.

Especificamente, por exemplo, do biometano que foi o nosso comentário aqui anterior: de dois, três anos para cá, houve um aumento muito grande de interesse e de desenvolvimento de projetos nessa área.

Então você ter essa sinalização já gera um interesse e uma descoberta. Tem alguns projetos de aceleração de transição energética que dependem de mais investimento em tecnologia para redução de custo. Quando você fala, por exemplo, das cadeias de hidrogênio de baixa emissão de carbono, de combustível sintético e outras fontes que estão listadas ali, o SAF e etc., existe ainda, talvez, uma curva de aprendizado que precisa de fato de investimento em tecnologia, que precisa ter agentes interessados que venham fazer estudos nessas áreas.

Acho que talvez esse boom de estudo, de conhecimento que precisa ser produzido talvez já comece antes da própria regulamentação do PATEN e a gente já consiga ver uma movimentação nesse setor.

Mas existem outros setores que já são relativamente mais maduros, por exemplo, o biometano, o setor de etanol, combustíveis de segunda geração. Quando você tem um incentivo, né, um caminho claro de política pública, no sentido de que esses projetos vão ter incentivos para desenvolvimento, ainda que você tenha um desafio aqui de implementar, o biometano é um mercado que existe, ele tem os seus desafios, mas ele existe. O de etanol existe.

O SAF está encontrando seus desafios. A gente pode falar de diesel verde, que também tem seus desafios de regulação, de implementação de projetos, mas são setores que eventualmente não precisam esperar a regulação do PATEN para, de fato, saírem do papel e se desenvolverem de uma forma mais acelerada. Então, apesar de a gente falar de um programa de aceleração que depende de determinadas medidas que são de incentivo, é bom lembrar que isso é incentivo e que a indústria pode se desenvolver também sem esse incentivo. Isso já vem acontecendo com o despertar do interesse de agentes em relação a esses setores.

RG: A própria ideia do programa já mostra o direcionamento não só do país, mas também da onde que esse mercado da sustentabilidade, digamos, está se direcionando.

MS: Exato. A gente é um país, o Brasil é muito reconhecido por ter muito potencial em relação a essas iniciativas de transição energética. Isso foi muito discutido no contexto do combustível do futuro, foi muito discutido no contexto da lei do hidrogênio de baixa emissão de carbono, e a gente tem recebido sinais concretos de que o Brasil vai perseguir esse grande potencial que ele tem, em termos de decisão de Estado e de política pública.

Então, acho que o PATEN vem somar, porque a gente teve leis que instituíram marcos regulatórios, que determinaram medidas e agora a gente tem uma lei que determina que vai ter um incentivo, que vai no âmago das dores do desenvolvimento de projeto que é o custo.

Então você tem um incentivo material lá do hidrogênio, essa previsão ali de incentivos dos créditos fiscais. A gente tem aqui também um incentivo que é para reduzir os custos de investimento e efetivamente estimular que projetos saiam do papel nesses setores.

RG: Existe algum prazo para que o PATEN seja regulado e comece a funcionar?

MS: Esse talvez seja um desafio, né? O desafio de qual é o tempo necessário para se regulamentar um programa como esse e ainda, sobretudo em razão dessa carga de trabalho que as autoridades envolvidas vão ter para regulamentação de muitos programas de transição energética que foram criados ao longo dos últimos anos.

Então, acho que tem aí um ponto de atenção e normalmente essas leis elas não vêm com prazo de regulamentação, e aí depende muito dos estudos que são necessários.

De novo, a gente tem o desafio de dizer primeiro quem vai fazer. Depois que você determina quem vai fazer, possivelmente vai ter uma constituição de um grupo de trabalho para estudar o setor, as diretrizes, o que precisa de fato ser implementado.

Como a constituição de grupo de trabalho, muitas vezes esse processo de regulamentação passa por um estágio de troca com a sociedade. Então, que os agentes do setor são ouvidos, seja através de consulta pública ou não, através de programas mesmo de estudo e de trocas para buscar informações do próprio setor que está sendo regulamentado para fazer com que a regulamentação chegue mais próximo às expectativas do setor. Então, talvez ainda tenha mais esse prazo de estudo, de conversas, de trocas antes de efetivamente você ter uma regulação.

Há outros projetos, outros processos que acabam andando mais rápido de regulamentação. Quando você já tem o amadurecimento das discussões, quando você já tem as autoridades envolvidas, identificadas e participando, muitas vezes até do processo legislativo que originou a lei, então essas autoridades que já estão lá digerindo aquele assunto conseguem acelerar um pouco a regulamentação. Aqui talvez ainda... Bom, eu posso ser surpreendida, mas é que talvez ainda haja uma curva longa de passos a serem seguidos.

RG: Então a gente, o processo de regulamentação, na verdade, deve começar com estudos que vão começar a aparecer, depois a gente talvez tenha alguma coisa da ANP...

MS: A ANP muito possivelmente vai ser uma das autoridades que vai estar encarregada de discutir essa regulamentação, imagino que a ANEEL também, porque tem uma parte de produção de energia elétrica. Em termos de agências reguladoras, pode ter a interface com mais de duas agências, dependendo do tema.

Em termos de ministérios, por exemplo, dá pra pensar em vários ministérios que também teriam interesse. É comum você ver com esses grupos de trabalho que eles são multidisciplinares e normalmente envolvem autoridades de muitos ministérios mesmo.

A gente tem intersecção com o Ministério de Minas e Energia, possivelmente de Transportes. Você tem até Fazenda por conta da criação do Fundo da Transição Tributária que foi criada. Então, tem interesses aqui da tecnologia, tem interesses muito difundidos, espalhados entre os diferentes órgãos. E muito possivelmente esses diferentes órgãos vão ter representantes para discutir em algum grupo de trabalho o que vai ser necessário regulamentar.

Mas tudo isso é com base em expectativa e com base na expectativa gerada de outros exemplos e precedentes semelhantes. Então, acho sim que é razoável esperar que talvez um primeiro passo a ser dado é a identificação de quem são essas autoridades e, a partir daí, eventualmente, você ter uma visão mais concreta de quais são os próximos passos de regulamentação.

RG: Claramente, esse é só o primeiro capítulo de uma história que vai ser muito longa de desenvolvimento das políticas de transição energética no Brasil.

MS: É, mas é um capítulo bonito, que ele mostra que a gente está seguindo numa direção que tem por objetivo de fato incentivar uma indústria nova e aproveitar as potencialidades que o Brasil tem em relação a essa indústria.

RG: Com certeza. Maria Fernanda, muito obrigada pela sua participação. Fica muito mais fácil de entender esse tipo de tema complexo com a sua ajuda.

MS: Muito obrigada, Rebeca! Estou à disposição sempre que vocês quiserem me convidar para trocar ideias e prazer estar aqui com vocês.

RG: A gente sempre vai estar aqui também, como Argus, acompanhando e trazendo as novidades para os ouvintes. Os episódios do nosso podcast em português estão disponíveis em argusmedia.com.

Ouça os nossos conteúdos sobre os acontecimentos que movem os mercados globais de commodities, com impactos no Brasil e na América Latina. A gente volta em breve com mais uma edição do Falando de Mercado. Até logo!