• 14 de janeiro de 2025
  • Market: Gas & Power, Natural Gas

A perspectiva sobre a modalidade de recolhimento de tributos do gás natural e do biometano está mobilizando participantes do mercado, em meio à pauta da reforma tributária.

Junte-se a Rebecca Gompertz, repórter da publicação Argus Brazil Gas Markets, Sylvie D`Apotte, diretora executiva de gás natural do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), e Rodrigo Novo, coordenador do grupo de trabalho de Tax Gas do IBP, para saber mais sobre a monofasia no setor de gás e biometano.

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Falando de mercado: A monofasia no mercado de gás natural

Rebecca Gompertz: Olá e bem-vindos ao ‘Falando de Mercado’ – uma série de podcasts trazidos semanalmente pela Argus sobre os principais acontecimentos com impacto para os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo. Meu nome é Rebecca Gompertz, eu sou repórter da publicação Argus Brazil Gas Markets. No episódio de hoje eu converso com Sylvie D`Apotte, diretora executiva de gás natural do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás, o IBP, e Rodrigo Novo, coordenador do grupo de trabalho de Tax Gas do IBP. Hoje vamos tocar mais uma vez em um dos assuntos mais espinhosos para os mercados de commodities do Brasil: a Reforma Tributária. Particularmente, vamos discutir os possíveis impactos da monofasia para o setor de gás e biometano. Bem-vindos, Sylvie e Rodrigo!

Sylvie D`Apotte: Obrigada, Rebecca. É um prazer estar aqui com você e com todos os ouvintes. É um enorme prazer ter essa oportunidade de falar de um tema tão importante para o Brasil, para a nossa economia, que é o gás natural. E vamos lá, estou feliz também de estar com o Rodrigo Novo, um colega muito especializado na parte de tributo sobre o gás natural.

Rodrigo Novo: Oi, Rebecca, obrigado pelo espaço. Vamos tentar tornar esse tema espinhoso um pouco menos espinhoso e trazer alguma luz sobre a nossa tentativa de simplificação desse tema para o mercado de gás natural.

Rebecca Gompertz: Muito feliz que vocês estão aqui, pessoal. Rodrigo, na verdade, queria começar com uma pergunta de contextualização para você. No momento que a gente está gravando, o que o texto que regulamenta a reforma tributária traz sobre os mercados de gás natural e biometano?

Rodrigo Novo: Então, o sistema atual proposto para a nova reforma tributária é baseado na tributação pelo valor agregado, o IVA. Quando você pensa no mercado de gás natural, isso seria o ideal. É o que a gente brinca de Valhalla do mercado de gás natural no mundo, porque o gás natural foge ao fluxo físico. Você tem todo o negócio, toda a comercialização do gás natural, ele segue um fluxo contratual, você não consegue seguir a molécula do gás natural ou do biometano. Quando você fala do princípio básico da reforma tributária atual, valor adicionado, valor agregado, esse modelo tributário que está sendo estruturado agora, que está sendo regulamentado pelo PLP-68, é o ideal para que a gente tenha um pleno desenvolvimento do mercado de gás natural e de biometano no país. O problema atual e o que a gente tem aqui perante as associações do mercado, do conselho de usuários de gás, buscado uma representatividade para solucionar e destravar essa última questão, sobre a forma do recolhimento do novo imposto que está sendo criado, de como o IBS e a CBS vão ser arrecadados sobre o gás natural, que é o que a gente fala dos regimes de tributação, se ele vai ser monofásico, ou seja, incidindo uma vez só na cadeia, no começo da cadeia ou plurifásico, que é o regime padrão no mundo inteiro para o IVA, que a cada transação econômica, ou seja, a cada compra e venda, a cada negócio jurídico, você tem a incidência do imposto, que seria o ideal para o mercado de gás natural. Então hoje é o grande desafio, às vésperas da sanção desse PLP 68-2024, que é a regulamentação da reforma tributária, é tirar o gás natural processado e o biometano dessa lista de itens que estariam sujeitos ao recolhimento monofásico. Esse é o nosso desafio aqui posto à mesa.

Rebecca Gompertz: E o IBP se juntou a outras 4 associações do setor de gás natural para pedir o veto na questão da monofasia. Sylvie, pode me explicar um pouco melhor por que vocês se juntaram e o que vocês estão pleiteando?

Sylvie D`Apotte: Sim, Rebecca, o fato é que esse atributo de tributação, do qual o Rodrigo fala que ele pode ser plurifásico ou monofásico, na verdade, não é só nos países estrangeiros que o gás natural é tributado de maneira plurifásica. No Brasil também a tributação plurifásica é o padrão para muitos e a exceção a esse padrão são os combustíveis líquidos que são usados para o transporte, tanto de pessoas como de cargas. E por que foi adotado então o regime monofásico de tributação para esses combustíveis? Porque são setores onde há uma grande evasão fiscal e o objetivo é evitar essa sonegação e, inclusive, a pirataria num setor que tem um objetivo, o transporte, mas milhões de contribuintes. Portanto, quando você aplica o método plurifásico, você não tem um controle muito bom. Agora, o gás natural, como você sabe, ele é comercializado, movimentado através de gasodutos contínuos e herméticos, e que são, portanto, muito fáceis de controlar. A fiscalização é fácil, não existe evasão fiscal no gás natural e é com essa visão que as associações mais ativas nesse momento sobre o gás natural estão mais preocupadas e que são não somente o IBP, mas também a Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás, a Abpip, a própria Atgas, que é a Associação de Empresa de Transporte de Gás Natural por Gasoduto, a Associação de Geradoras Termoelétricas, termoelétricas que usam o gás natural, a Abraget, e a Associação Brasileira do Biogás e Biometano, que é a Abiogás. Colocamos isso de maneira franca, a nossa preocupação em relação à inclusão do gás e do biometano nesse sistema monofásico. E é uma preocupação porque a expectativa é que isso traga não uma simplificação no nosso setor, mas uma complicação e possivelmente um aumento de custos.

Rebecca Gompertz: E falando especificamente do biometano, a adoção da monofasia não pode funcionar de uma forma contrária aos incentivos fiscais que se esperam para uma energia renovável e acabar acarretando um desincentivo ao uso da molécula verde?

Rodrigo Novo: O desincentivo é geral, Rebecca. É como a Sylvie explicava. Aqui a sinergia do pleito da carta que foi apresentada à Presidência pelo veto, pedindo para excluir o gás natural processado e biometano é no sentido de que a monofasia não é aderente para o gás natural, pelo motivo que a Sylvie explicou. A monofasia é uma forma de arrecadação, é um regime tributário para os combustíveis. O gás natural aqui é um insumo de consumos, ele está sendo direcionado, utilizado para a finalidade industrial. Então, seja o gás natural de origem fóssil, seja o gás natural de origem renovável, biometano, aqui é o regime, a forma de arrecadar o tributo, ele está relacionado a um controle da utilização e não à sua origem, à forma como você cria ele. Quando você complica o regime tributário dessa forma, engessando basicamente, criando uma algema gigante no mercado de gás natural, tributando todo mundo da mesma forma, além de você impedir que novos negócios, novas cadeias de negócios, novas oportunidades de trading, novas oportunidades de trocas de compras e vendas, novas instituições, por exemplo, como a estocagem de gás natural, que é um negócio que está sendo desenvolvido agora, ou oportunidades como o investimento direto, o mercado livre de gás, as processadoras de gás natural vendendo diretamente para fábricas, não passando pelas distribuidoras de gás, todas essas oportunidades de negócios jurídicos, de compras, onde você teria o valor agregado para ser tributado num regime plurifásico, você perde todas essas oportunidades de tributação.

Você fica amarrado a ter que adivinhar um preço de margem e carimbar essa tributação lá na origem, independentemente da origem, independentemente da forma que você gerou esse gás, seja de uma forma renovável ou não renovável. Então o teu raciocínio está totalmente correto, você trata João e Maria da mesma forma, seja o biometano e gás natural processado da mesma forma, você não atinge o objetivo para o qual a monofasia foi criada, que é controlar a utilização, evitar a evasão fiscal dos combustíveis, porque o gás natural aqui não está sendo utilizado como combustível e essa dita simplificação que está sendo defendida pelo governo, ela não é alcançada, porque de novo, o gás natural e o biometano, uma vez misturados nos dutos de transporte, chegam aos seus clientes, sejam eles industriais, uma termelétrica, uma fábrica de fertilizantes. Você tem aí uma matriz, um substituto energético que acaba funcionando como uma âncora de transição energética para o Brasil, para o mundo. E a gente está tentando, sob uma bandeira de simplificação dita nesse processo de reforma tributária, tentar adivinhar qual vai ser o valor que você vai tributar isso. Só uma explicação bem simplificada do que seria a monofasia. Quando você fala do sistema plurifásico, você tributa com uma alíquota. Por exemplo, você chega lá e vendeu a R$100,00, você bota 10pc em cima e aí você paga 10 de imposto. Quando você está no sistema monofásico, você tem que tributar a quantidade. Então equivale que a cada milhão de metro cúbico de gás ou de biometano que a gente começar a circular no mercado brasileiro, ele vai estar carimbado, seja lá, por R$0,10, por R$0,30, por R$1,00 de imposto. Você carimba a quantidade, o que é um contrassenso quase que global ao desenvolvimento que a gente vê aí, às fases de desenvolvimento necessárias para o amadurecimento do mercado de gás natural.

Rebecca Gompertz: E qual é o impacto disso em quem está produzindo biofertilizante, hidrogênio verde, SAF com esse biometano? Por exemplo, se esses produtos forem exportados, esse produtor desse produto com valor agregado consegue reaver parte do imposto por meio de créditos ou esse imposto acaba sendo incorporado como custo do produto, Rodrigo?

Rodrigo Novo: A gente teve diversas reuniões com os ministros da Casa Civil e do Ministério de Minas e Energia trazendo justamente essa preocupação, Rebecca, de que muitos dos modais que a gente tem a utilização do gás natural são para produtos que são exportados e o exportador obviamente vai pela sistemática nova da reforma tributária, vai ter que pedir o ressarcimento desses créditos, e numa sistemática dessa de monofasia você naturalmente o colocaria na fila de restituição de crédito. O governo insiste em se posicionar que o sistema novo de creditamento de ressarcimento vai ser rápido, que em 60 dias esses créditos vão ser restituídos, e que não seria um problema. A gente tentou ser bem assertivo, inclusive estamos trabalhando nesse momento com a equipe da FGV Energia para tentar rodar os modelos de impacto dentro das principais cadeias básicas do novo mercado de gás brasileiro. O nosso pleito está focado no gás natural processado e no biometano que são as destinações industriais desse insumo. E o que a gente vê nos primeiros resultados é que por ano a estimativa que está saindo dos cálculos é que R$9 bilhões vai ficar preso na cadeia, flutuando entre pedidos de ressarcimento e créditos travados. Então, numa sentença triste que eu tenho que compartilhar é o seguinte, você está botando um produto numa lista de itens sujeitos ao regime de arrecadação monofásico que não deveria estar nessa lista, porque você não está combatendo a pirataria, como a Sylvie disse, você não está trazendo mais controle nem segurança de arrecadação para o Estado. Você não está aumentando a arrecadação ou protegendo a arrecadação. O nosso pleito aqui não é nenhum tipo de incentivo fiscal é o mesmo quinhão de imposto que o governo arrecadaria pelo monofásico, ele arrecadará pelo plurifásico, como a gente está sugerindo, então não tem nenhuma mudança na expectativa de arrecadação. Só que ele cria novos clientes para o seu sistema de restituição de créditos. A gente sabe que, num viés de investimento para o mercado de gás natural, se você tiver qualquer ineficiência nessa restituição ou demora desse dinheiro voltando para o investidor, a gente tem um impacto bem relevante, possivelmente na geração de emprego ou de novas plantas de regaseificação, de novas plantas de liquefação, de novas unidades de processamento, de novas plantas de biometano, de novas plantas de todo e qualquer investimento associado, seja ao gás não renovável, como ao gás renovável.

Rebecca Gompertz: Realmente, Rodrigo, isso afeta todo o setor de gás natural. E o que a gente pode esperar da reforma daqui para frente? Esse texto está aguardando a sanção do presidente Lula, certo?

Rodrigo Novo: Estamos todos trabalhando em todas as frentes para trazer informação, divulgar, trazer conhecimento, trazer o máximo de luz para esse tema, porque é algo que está listado. São dois itens dentro do artigo 172 do atual texto do PLP-68 hoje. Está lá incluído o gás natural processado e biometano. Esse é o artigo que lista quais são os produtos que estão sujeitos à monofasia. A gente esperou tanto pela reforma tributária e, assim, pode ser um dos maiores erros da reforma se a gente não conseguir retirar esses que são produtos com destinação industrial de um tratamento que é dado para combustíveis. E, assim, é um erro técnico muito pontual, Rebecca. Porque vou fazer um paralelo aqui livre, muito sutil. Por exemplo, o etanol hidratado, nessa mesma lista desse artigo, ele está só listado como combustível. A utilização do etanol para a indústria como insumo não está listada lá. Então a gente está literalmente pedindo essa mesma correção. Nessa lista de itens, você tem três itens relacionados ao gás, tem o gás natural processado, tem o biometano e tem o gás natural veicular. O pleito aqui das associações junto com o IBP é única e exclusivamente que o presidente vete os incisos em respeito ao gás natural processado e o biometano, que são os que dão utilização industrial.

Rebecca Gompertz: Agora, voltando para você, Sylvie, eu queria aproveitar para te perguntar em relação ao mercado de gás natural de forma mais geral. O que vocês estão esperando enquanto IBP para 2025?

Sylvie D`Apotte: Olha, acho que o 2025 vai ser um ano-chave para o mercado do gás natural, tanto do ponto de vista de ampliação da oferta – inclusive é um assunto que a gente vem trabalhando junto com o Ministério, e lembrando que a Rota 3 já está entrando, vamos ter até 18 milhões de metros cúbicos a mais, mas tem um investimento que vai trazer até 30, 40 milhões de metros cúbicos a mais dentro de um horizonte de 4, 5 anos. Esses são investimentos muito vultosos que devem acontecer em 2025, 2026, 2027 para a gente praticamente dobrar o suprimento que hoje vai ao mercado firme. Estamos falando das térmicas, cuja demanda oscila, mas como chegar lá vai depender de muitas decisões que vão ser tomadas esse ano. Tem uma série de decisões regulatórias que a ANP vai ter que tomar, tem a Lei do Gás que ainda não foi totalmente implementada, mas depois chegou o novo decreto que foi publicado em agosto do ano passado, que ainda não temos certeza como algumas coisas vão ser implementadas. Depois temos novas regras, por exemplo, o mandato de compra de biometano pelos produtores de gás natural, que foi inserido na Lei do Combustível do Futuro, isso também vai ter que ser implementado esse ano, porque a vigência deve começar em 1º de janeiro de 2026. Portanto, são muitas decisões, muito trabalho regulatório que precisa ser feito e do lado das empresas muitas decisões de investimento também olhando para esse futuro.

O futuro é o seguinte: o gás é o nosso combustível da transição energética, nós acreditamos que sim, acreditamos que o gás é fundamental para aumentar também o consumo de renováveis, ele dá segurança no abastecimento dos renováveis, principalmente na geração elétrica, mas também nas indústrias. Existe uma parcela da demanda energética da indústria que ainda tem que mudar de combustíveis que são mais pesados em emissões para o gás natural, outros na indústria estão mudando do gás natural para o biometano. E eu acredito que esse ano é um ano que vai nos dizer qual será o papel do gás na matriz energética brasileira e como será o papel do gás para o crescimento econômico do nosso país.

Rebecca Gompertz: Realmente a gente está só no começo de um grande ano para o setor de gás. Bom, Sylvie e Rodrigo, eu queria agradecer pela participação de vocês nesse episódio, com certeza vocês contribuíram para a compreensão da questão da monofasia e dos produtos da reforma tributária nesse setor.

Sylvie D`Apotte: Obrigada, Rebecca, obrigada a todos os ouvintes, foi um grande prazer estar aqui e estar discutindo esses assuntos que às vezes não são fáceis de entender, mas que são cruciais realmente para o crescimento do setor, para os investimentos e no final o crescimento da economia do país.

Rodrigo Novo: Obrigado, Rebecca, obrigado pelo convite, obrigado pelo espaço. Esperamos voltar em breve aqui para quem sabe falar de todo esse desenvolvimento desse ano grandioso com muitas novidades e o crescimento do nosso mercado de gás natural. Obrigado.

Rebecca Gompertz: E a Argus vai continuar aqui, trazendo os principais desenvolvimentos sobre a reforma tributária e seus impactos nos mercados.

Esse e os demais episódios do nosso podcast em português estão disponíveis no site da Argus em www.argusmedia.com/falando-de-mercado. Visite a página para seguir acompanhando os acontecimentos que pautam os mercados globais de commodities e entender seus desdobramentos no Brasil e na América Latina. Voltaremos em breve com mais uma edição do “Falando de Mercado”. Até logo!