Falando de Mercado: Impactos das enchentes na agricultura do Rio Grande do Sul

O Rio Grande do Sul é o principal produtor de arroz, trigo e milho de verão do Brasil e deverá ser o segundo maior produtor de soja na safra 2023-24. Considerando que o estado é um grande produtor agrícola, o Rio Grande do Sul é um dos principais consumidores de fertilizantes do Brasil. Entenda quais são os impactos das enchentes na produção agrícola e na logística.

Junte-se a Renata Cardarelli, editora adjunta da publicação Argus Brasil Grãos e Fertilizantes, e Nathalia Giannetti, repórter da publicação Argus Brasil Grãos e Fertilizantes, em um bate-papo sobre os impactos das chuvas que atingem o estado desde 29 de abril, culminando na pior enchente da história do Rio Grande do Sul.

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RC: Olá e bem-vindos ao ‘Falando de Mercado’ – uma série de podcasts trazidos semanalmente pela Argus sobre os principais acontecimentos com impacto para os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo. Meu nome é Renata Cardarelli, editora adjunta da publicação Argus Brasil Grãos e Fertilizantes, e no episódio de hoje, converso com Nathalia Giannetti, repórter da publicação Argus Brasil Grãos e Fertilizantes, sobre as enchentes sem precedentes históricos que atingem o Rio Grande do Sul. Olá, Nathalia, bem-vinda.

NG: Olá, Nathalia. É um prazer estar aqui.

RC: Nathalia, o sul do Brasil passa por uma situação dramática, com chuvas intensas atingindo o Rio Grande do Sul desde 29 de abril, culminando nas piores enchentes já registradas no estado. E a situação persiste, Nathalia?

NG: A situação se agrava muito, porque as chuvas persistem, Renata. As precipitações em Porto Alegre já alcançaram um acumulado de 502mm em maio, de acordo com a empresa brasileira de meteorologia Climatempo. A média mensal é de 111mm.

RC: Pois é, e os níveis dos rios e lagos continuam aumentando. O lago Guaíba, na capital do estado, alcançou 4,9m na manhã de 13 de maio — em comparação com 4,8m em 10 de maio, de acordo com o governo do estado. O volume está bastante acima da cota de inundação de 3m. Os níveis elevados de água devem chegar até o Sul do estado, alcançando o porto de Rio Grande. Inclusive, Nathalia, a estrutura geográfica da região não favorece o escoamento da água, não é verdade?

NG: Verdade, o perfil geográfico do estado e um canal particularmente estreito para o escoamento das águas até o mar sugerem que a situação ainda pode se agravar na parte Sul do estado. Os níveis de água devem aumentar na Lagoa dos Patos, um lago que recebe águas de diversos rios e desemboca no Oceano Atlântico.

RC: Essa situação, além de toda a questão humanitária, gera também um enorme problema logístico, em meio a chuvas e inundações generalizadas no estado. Participantes com atuação local relatam que a maioria dos motoristas busca rotas mais curtas, evitando deslocamentos mais amplos, devido aos bloqueios nas estradas do estado. Segundo a Empresa Gaúcha de Rodovias do Rio Grande do Sul, pelo menos 25 trechos foram impactados por quedas de barreira, rompimentos de pista e desabamentos de ponte. Mesmo com a perda da produção agrícola e com menos fertilizante que agricultores devem aplicar para plantar a safra 2024-25 de soja, a expectativa para as próximas semanas é que o frete suba quando o rio baixar, porque vai ter muito serviço represado.

NG: Além das rodovias, outro ponto de atenção é a logística portuária, Renata. As enchentes alcançaram a área central do estado, fechando os portos de Pelotas e Porto Alegre, que movimentam commodities agrícolas, incluindo grãos, oleaginosas e fertilizantes. Os níveis elevados de água devem chegar até o Sul do estado, alcançando o porto de Rio Grande.

RC: Interessante você trazer esse ponto sobre os portos, Nathalia, porque os três portos do Rio Grande do Sul movimentaram cerca de 44,8 milhões de toneladas (t) em 2023, sendo o porto de Rio Grande o maior deles, respondendo por pelo menos 42,6 milhões de t, de acordo com dados portuários. Com relação à descarga de fertilizantes no porto de Rio Grande, o escoamento para as áreas agrícolas pode ficar comprometido, já que o principal acesso ao porto, a rodovia BR-116, está parcialmente bloqueada, dificultando o fluxo de caminhões no estado.

NG: Pois é, Renata, diante de toda essa situação, o governo federal reconheceu o estado de calamidade pública em 366 municípios do Rio Grande do Sul e vem anunciando uma série de medidas para auxiliar a população do estado. No total, o pacote soma R$ 50,9 bilhões e tem como seus principais pontos a antecipação de pegamentos devidos pelo Governo Federal e concessões de crédito. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também anunciou a suspensão de dívidas de empresas e produtores rurais afetados pelas enchentes pelo período de um ano.

RC: E já que estamos falando sobre agricultores, Nathalia, o Rio Grande do Sul é o principal produtor de arroz, trigo e milho verão do país, além estar projetado para se tornar o segundo maior produtor de soja em 2023-24, atrás apenas de Mato Grosso. As colheitas de arroz, milho verão e soja já estavam em sua reta final no estado quando as chuvas começaram a se intensificar, porém as últimas áreas restantes devem sofrer perda, não é isso?

NG: Exatamente. O Rio Grande do Sul responde por mais de 70pc da produção nacional de arroz. A Conab atualmente estima quase 7,3 milhões de t para safra do estado, enquanto o país todo deve produzir 8,9 milhões de t. O último levantamento mensal da Conab, divulgado em 14 de maio, já reduziu a expectativa de produção em aproximadamente 300.000t, porém os danos causados pelas enchentes ainda não foram contabilizados oficialmente. Os levantamentos de campo da Conab foram realizados entre 22 e 26 de abril, quando o excesso de chuvas já era um problema. Quando as enchentes atingiram o estado, aproximadamente 17pc das lavouras semeadas ainda não haviam sido colhidas, de acordo com estimativas da Conab. Algumas lavouras já registram perdas de mais de 30pc de seu potencial produtivo. Agricultores também relatam no processo de secagem dos grãos, que podem resultar em perdas adicionais, por causa de quedas de energia e bloqueios de estradas que dificultam o transporte para armazéns.

RC: E essas possíveis perdas na produção de arroz, que é um alimento fundamental na dieta da população brasileira, além dos bloqueios nas estradas que dificultam seu transporte, levaram o Governo Federal a autorizar a importação de 1 milhão de t de arroz. Segundo o ministério da agricultura e pecuária, a medida tem como objetivo evitar especulações de preço e estabilizar as cotações do grão no mercado interno. A Conab deverá realizar leilões públicos e os volumes comprados serão encaminhados para pequenos varejistas nas regiões metropolitanas. A Conab informou que as compras não serão feitas de uma vez só, para não competir com a produção local. Mas o arroz não foi o único afetado, não é mesmo, Nathalia?

NG: Não, Renata. A safra de soja da temporada de 2023-24 também deverá ser bastante afetada pelas enchentes. A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-RS) estima que em torno de 25pc das lavouras semeadas no ciclo ainda estivessem nos campos no início do período de enchentes. A Emater ainda estima perdas de entre 20pc e 100pc do potencial produtivo para as lavouras remanescentes e deve cortar em breve sua projeção de produtividade para o ciclo. Armazéns também foram danificados pelas chuvas, então é possível que a parcela já colhida da safra também sofra com perdas. A Conab atualmente estima uma produção de soja de 147,7mn t em 2023-24, porém já espera novos cortes nas próximas edições de seu relatório mensal, à medida que as perdas no Rio Grande do Sul são contabilizadas.

RC: Considerando a produção agrícola, os volumes que já foram colhidos e estavam armazenados em silos estão encharcados agora. Com a previsão de mais danos, agricultores do Rio Grande do Sul podem se sentir desencorajados a investir em tecnologias e fertilizantes para a próxima safra de soja 2024-25. Além da redução do uso de tecnologia para a próxima safra, as empresas de adubos com atuação local estão passando por dificuldades, algumas empresas de fertilizantes que atuam no Rio Grande do Sul relataram que estão tentando mover seus produtos para armazéns longe dos rios.

NG: Inclusive até como um reflexo da grande produção agrícola do estado, o Rio Grande do Sul é um dos principais consumidores de fertilizantes do Brasil. Em 2023, foi o segundo maior volume, atrás apenas de Mato Grosso. Considerando as 45,8 milhões de t de adubos entregues no Brasil em 2023, Rio Grande do Sul respondeu por 11pc do volume, o equivalente a 5,1 milhões de t.

RC: É verdade, Nathalia, a posição varia de ano a ano, mas sem dúvida o Rio Grande do Sul sempre está entre os principais consumidores. Em 2022, por exemplo, as maiores entregas foram em Mato Grosso, Goiás e Rio Grande do Sul, na terceira posição, respondendo por quase 11pc do volume consumido nacionalmente. Vamos acompanhando essa situação dramática e sem precedentes históricos que atinge o Rio Grande do Sul. Muito obrigada, Nathalia. Esse e os demais episódios do nosso podcast em português estão disponíveis no site da Argus em www.argusmedia.com/falando-de-mercado. Visite a página para seguir acompanhando os acontecimentos que pautam os mercados globais de commodities e entender seus desdobramentos no Brasil e na América Latina. Voltaremos em breve com mais uma edição do “Falando de Mercado”. Até logo!

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