O arrefecimento das importações chinesas de petróleo após o pico registrado no começo da pandemia de Covid-19 tem deixado os produtores brasileiros em alerta.
O que está por trás das oscilações no consumo da China e quais são as perspectivas para os embarques de petróleo brasileiro nos próximos meses?
No episódio desta semana da série Falando de Mercado, Vanessa Viola, vice-presidente sênior da Argus para a América Latina, e Clayton Melo, diretor da empresa no Brasil, analisam o panorama das exportações de petróleo brasileiro para a China.
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Transcript
Clayton Melo: Olá e bem-vindos a mais um Falando de Mercado, uma série de podcasts da Argus sobre o mercado de commodities. Meu nome é Clayton Melo e sou Diretor da Argus no Brasil.
Nós vimos os números surpreendentes das importações e da demanda da China por petróleo - mesmo durante os momentos mais intensos da pandemia de Covid-19 em abril-maio. As importações chinesas de petróleo aumentaram em mais de 1 milhão de b/d este ano, e uma parte crescente desse volume veio do Brasil - especificamente de campos do pré-sal. As importações chinesas de petróleo brasileiro ultrapassaram 1 milhão de b/d pela primeira vez em junho e julho.
Mas agora estamos vendo uma grande retração em termos da demanda chinesa e, é claro, os produtores brasileiros estão altamente expostos a essa queda.
Isso ficou muito evidente no preço do principal fluxo de exportação de petróleo do Brasil, o Tupi, anteriormente conhecido como Lula. O preço do Tupi, que a Argus avalia no momento da entrega ao grande centro de refino independente de Shandong, na China, caiu para quase a paridade com os futuros do Ice Brent neste mês. E poderia ter caído ainda mais, não fosse a grande queda nas exportações brasileiras neste mês causada por manutenções offshore da Petrobras.
Nossa vice-presidente sênior para a América Latina, Vanessa Viola, se junta a nós neste podcast para explicar melhor. Olá, Vanessa!
Vanessa Viola: Olá!
Clayton: Então, vamos começar com por que agora? O que está acontecendo com a China?
Vanessa: Bom, em primeiro lugar, a gente precisa lembrar por que a demanda na China disparou tanto – e por que aquele rali realmente continha as sementes de sua própria destruição.
O governo da China limita o preço que os motoristas chineses pagam na bomba por gasolina e diesel usando um mecanismo de custo mais um prêmio derivado de uma cesta de preços futuros de petróleo. O preço dessa cesta – formada por Brent, DME Oman e Nymex WTI - despencou no início deste ano. Mas Pequim parou de ajustar os preços na bomba de acordo com o custo do petróleo quando o preço da cesta caiu abaixo de US$ 40/bl entre meados de março e início de julho. Portanto, houve um longo, longo período no segundo trimestre em que o petróleo estava muito barato e os preços dos derivados estavam relativamente altos e as refinarias chinesas estavam ganhando muito dinheiro com isso.
As margens do refino chinês estavam em US$ 10/bl em março e US$ 15/bl em abril. Essa é uma margem de refino muito alta. Se você olhar para uma grande empresa, como a BP, a margem de refino no segundo trimestre foi de apenas US$ 5,90/bl. E isso significa que as refinarias chineses podiam pagar mais por petróleo que seus concorrentes.
Clayton: A China possui um número considerável de refinarias independentes. Como está o desempenho delas?
Vanessa: As refinarias independentes normalmente operam plantas de pequena escala, mas são em torno de 70 delas somente na província de Shandong, e na verdade essas plantas apresentaram as melhores margens de todas. As empresas estatais, as gigantes PetroChina e Sinopec, tiveram que pagar um imposto inesperado sobre lucros durante o período em que os preços na bomba foram congelados. Refinadores independentes, não.
E os independentes são os maiores consumidores do petróleo brasileiro. Eles amam Tupi; o Tupi é o que a gente chama de carga base pras refinarias independentes da China, mas elas também compram Búzios, Sapinhoá, Mero, Sururu, Iracema... E essas refinarias compram petróleo cerca de 90 dias antes da entrega, então compraram quantidades muito grandes de petróleo do pré-sal brasileiro no segundo trimestre para entrega no terceiro trimestre. E elas compraram tanto, na verdade, que as entregas totais naqueles meses sobrecarregaram amplamente a capacidade de descarga em Shandong, e muito desse petróleo ainda está esperando para descarregar.
Clayton: E estou certo ao presumir que portos sobrecarregados causaram um problema?
Vanessa: Sim. Os portos chineses literalmente, fisicamente, não tinham mais capacidade disponível em junho-julho e os atrasos nas descargas significavam que muitas dessas cargas ainda estavam descarregando em agosto-setembro. O volume de petróleo que espera no mar caiu bastante desde então, mas as estimativas apontam que havia cerca de 80 milhões de petróleo esperando para descarregar na China.
Outro problema tem sido o sistema de cotas que o governo da China dá às refinarias do setor privado, que lhes permite importar petróleo. O mercado de importação só abriu em 2016; até então, os independentes não tinham permissão para importar petróleo. E as enormes quantidades que eles compraram para entrega em junho-julho significa que muitos deles, efetivamente, exauriram o que restava dessas licenças de importação pra este ano. Isso não torna impossível importar petróleo, mas torna importações adicionais mais caras. Há um custo adicional para "pedir emprestado" a cota de outra refinaria para liberar as importações na alfândega.
Mas a China sofreu inundações devastadoras em julho. Ao longo de todo o rio Yangtze, o maior rio da Ásia que vai do Tibete até Xangai, a China teve as piores enchentes em décadas - e isso atingiu a demanda por combustível. As pessoas não podiam dirigir. Obras pararam. A oferta de combustível das refinarias aumentou e os tanques de armazenamento de derivados claros chegaram ao limite.
As águas das enchentes diminuíram agora e a demanda vem voltando com força. Mas as refinarias ainda têm aquele estoque pesado de derivados para escoar e têm também que absorver a enorme quantidade de petróleo ainda em armazenamento.
Clayton: Você está vendo algum sinal de recuperação da demanda?
Vanessa: A demanda está fraca agora, mas acreditamos que ela vai se recuperar - e achamos que vai se recuperar com bastante força. O governo da China está focado em impulsionar sua economia depois do Covid. A expectativa é que a China seja a única grande economia a registrar uma expansão do PIB neste ano, e o crescimento deverá acelerar no próximo ano.
Portanto, a demanda de petróleo existe, mas atualmente está sendo atendida por petróleo armazenado. Mas os estoques estão diminuindo e, em breve, as refinarias independentes começarão a buscar petróleo para entrega em janeiro, que será coberto por um novo lote de cotas de importação.
No ano passado, o volume comercializado em janeiro começou a ser negociado em outubro. Este ano esperamos um pequeno atraso por causa da questão do nível de estoque. Mas houve uma queda real nas importações, o que significa que pelo menos os estoques não estão subindo. E no final de outubro ou início de novembro, esperaríamos ver essa nova demanda chegando. O que é uma boa notícia para os produtores brasileiros.
Clayton: Obrigado, Vanessa.
A Argus publica preços diários para o petróleo Tupi no relatório Argus Crude. Se você quiser saber mais sobre esse serviço entre em contato conosco através do email brasil@argusmedia.com. Para mais informação sobre o mercado global de commodities, e ouvir outros episódios deste podcast, acesse nosso microsite www.argusmedia.com/falando-de-mercado.
Voltaremos em breve com mais uma edição do “Falando de Mercado”. Até logo!