Falando de Mercado: Relações de troca e sua influência na demanda brasileira por fertilizantes

Author Argus

As relações de troca no Brasil estão ficando pouco favoráveis para os agricultores e eles terão que ajustar sua produção aos preços elevados.

Junte-se a Camila Dias, chefe de redação da Argus no Brasil, e Kauanna Navarro, Repórter da Publicação Argus Brasil Grãos e Fertilizantes, que conversam sobre esse tópico e seus impactos na demanda brasileira por fertilizantes.

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Transcript

CD: Olá e bem-vindos ao ‘Falando de Mercado’ – uma série de podcasts trazidos semanalmente pela Argus sobre os principais eventos com impacto nos setores de commodities e energia no Brasil e no mundo. Meu nome é Camila Dias, sou chefe de redação da Argus no Brasil. No episódio de hoje, converso com Kauanna Navarro, repórter da publicação Argus Brasil Grãos e Fertilizantes, sobre as relações de troca no Brasil e como elas podem influenciar a demanda brasileira por fertilizantes. Bem-vinda, Kauanna.

KN: Obrigada, Camila. É um prazer estar aqui.

CD: Acho que podemos começar dizendo o que é a relação de troca e por que ela é tão importante no Brasil.

KN: Claro. Relação de troca é a relação entre o preço de uma saca da produção de grãos e uma tonelada de insumos - sementes, pesticidas, fertilizantes - usados para tratar a cultura em questão. Mas aqui estamos falando apenas de fertilizantes considerados commodities – nitrogenados, fosfatados e cloreto de potássio. Quanto mais baixas forem as relações de troca, melhor será a posição dos agricultores. No Brasil, a troca de insumos por produção futura é a forma mais comum de financiamento das lavouras.

CD: Há alguns meses, as relações de troca eram favoráveis aos agricultores brasileiros. Qual é o cenário agora?

KN: As coisas estão bem diferentes agora. A relações de troca do milho e da soja no Brasil estão se tornando desfavoráveis para os agricultores, que precisam oferecer mais grãos para comprar fertilizantes para suas safras. As relações atuais de fertilizantes levantam dúvidas sobre se os agricultores estarão dispostos a pagar o preço necessário para plantar as próximas safras brasileiras.

CD: O que causou a deterioração da situação para os agricultores?

KN: Uma rápida alta nos preços dos fertilizantes impulsionou as relações de troca. O preço cfr do MAP - principal fosfatado que é a base de formação dos preços dos outros fosfatados - aumentou cerca de $500/t este ano. Os preços da ureia granulada - amplamente utilizada nas lavouras de milho - mais do que triplicaram desde o ano passado, com os preços cfr subindo $608/t. E os preços cfr do MOP granulado - essencial para todas as culturas no Brasil já que aqui o solo é pobre em potássio - valorizaram em $560/t.

CD: Qual é o motivo do raly de preços em todos os componentes do NPK?

KN: Camila, há uma série de razões. É como uma tempestade perfeita. Estamos enfrentando uma crise de energia em muitas partes do mundo. Na China, a crise atinge a produção de fertilizantes, já que usam carvão para sintetizar ureia e, também, para fornecer energia. A situação é a mesma na Europa: a energia compete com a produção de nitrogenados. Também vemos um grande aumento na matéria-prima usada para produzir fosfatados. Outro ponto é que estamos competindo com a demanda de outros países. O mercado de fertilizantes é como qualquer outro - o produto vai para quem paga mais. Embora os preços tenham aumentado substancialmente no Brasil nos últimos meses para um nível que, talvez, alguns agricultores brasileiros não estejam dispostos a pagar, em outros países como Austrália ou Estados Unidos, os agricultores ainda se sentem confortáveis o suficiente para pagar o preço pedido.

CD: Kauanna, o que aconteceria se os agricultores brasileiros não pagassem o que os produtores de fertilizantes pedem?

KN: Os agricultores têm pouca escolha a não ser pagar ou usar menos fertilizantes e se arriscar mais a exposição às intempéries climáticas.

CD: O que você quer dizer com isso?

KN: Na agricultura, existem variáveis que podemos controlar e outras não. O clima é um excelente exemplo de variável da qual não temos controle. Mas o fertilizante pode, na maioria dos casos, ajudar as lavouras a sobreviverem a alguns problemas climáticos. Sem o fertilizante total necessário, a lavoura tem menos chance de passar por condições mais severas. Em alguns casos, o uso de mais fertilizante pode evitar maiores perdas na safra.

CD: Entendo. Kauanna, você mencionou que as relações de troca atuais estão se tornando antieconômicas para os agricultores, mas você não mencionou quais são os níveis atuais.

KN: A relação de troca de fertilizantes, ou seja, a razão do número de sacas de grãos necessárias para comprar uma tonelada de NPK usada no campo - está em 26 sacas de soja por tonelada de NPK em Rondonópolis, em Mato Grosso. A proporção era de 10 sc/t há um ano. A situação é semelhante em Sorriso, outra cidade produtora de soja em Mato Grosso, onde a relação é de 28 sc/t, ante 10 sc/t no ano passado.

A relação de troca média de soja desde dezembro de 2014 para essas duas cidades é de 18 sc/t.

E a situação não é melhor para os produtores de milho. A relação está em 72 sc/t em Rondonópolis e 80 sc/t em Sorriso. Há um ano, a proporção era de 28 sc/t e 31 sc/t, respectivamente. A média desde 2014 para as duas cidades é de 61 sc/t, mais de 15 sc/t menor do que a atual.

CD: E como isso se traduz em custos?

KN: Isso significa que os custos estão aumentando. As primeiras estimativas para a safra 2022-23 de soja em Mato Grosso mostram que os custos com fertilizantes NPK estão a caminho de dobrar em relação ao ciclo anterior, segundo do Instituto de mato-grossense, Imea. Os fertilizantes e melhoradores de solo devem representar cerca de 50pc das despesas estimadas. O Imea também espera que os custos de sementes para a safra de soja subam até 63pc em comparação com a safra atual.

CD: Mas, Kauanna, a safra 2022-23 será plantada apenas em setembro de 2022, certo? Que impactos veremos agora?

KN: Sim, você está certa. Mas a preparação para as próximas safras começa agora. Para a de soja, a primeira coisa que podemos notar é que os custos crescentes estão atingindo mais as vendas antecipadas que as atuais margens de lucro dos agricultores. As vendas contratadas para a próxima temporada estão progredindo mais lentamente em comparação a mesma época de 2020. As vendas para a safra de soja de 2022-23 estão em 4pc da estimativa de produção total, enquanto as vendas reservadas para a safra 2021-22 foram de 10,4pc em novembro do ano passado. E é preciso lembrar que no Brasil se usa a relação de troca para financiar a safra e as condições atuais podem fazer com que o agricultor invista menos na próxima temporada.

CD: E para o milho? Como estão os custos para a temporada 2022-23?

KN: Estaremos plantando a maior área do ciclo 2022-23 em janeiro de 2023, então é muito cedo para ter uma estimativa. Mas os custos em Mato Grosso para a safrinha do ciclo corrente, que será plantada a partir de janeiro, são 45pc maiores do que a safra plantada neste ano.

CD: Há risco de menor uso de fertilizantes na safra de milho que será semeada em janeiro de 2022?

KN: Sim, mas não é um grande risco. Cerca de 85pc do fertilizante total que será usado na safra de milho de inverno do Brasil já foi negociado. Então, eu diria que o risco é mínimo, mas não posso dizer o mesmo para a próxima safra. Os fundamentos não mostram nenhum sinal de quedas significativas no curto prazo.

CD: Muito obrigado, Kauanna.

Esse e os demais episódios do nosso podcast em português estão disponíveis no site da Argus em www.argusmedia.com/falando-de-mercado. Visite a página para seguir acompanhando os acontecimentos que pautam os mercados globais de commodities e entender seus desdobramentos no Brasil e na América Latina. Voltaremos em breve com mais uma edição do “Falando de Mercado”. Até logo!

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