O agronegócio tem uma participação importante na economia brasileira, quando se fala de geração de receita, mas, será que isso se reflete no mercado de ações?
Junte-se a Camila Dias, chefe de redação da Argus no Brasil, e Alessandra Mello, editora assistente da publicação Argus Brasil Grãos e Fertilizantes. Elas conversam sobre o avanço da participação do setor de grãos na bolsa de valores, um fenômeno que se intensificou em 2021.
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Transcript
CD: Olá e bem-vindos ao ‘Falando de Mercado’ – uma série de podcasts trazidos semanalmente pela Argus sobre os principais acontecimentos com impacto para os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo. Meu nome é Camila Dias, chefe de redação da Argus Media no Brasil. No episódio de hoje eu converso com Alessandra Mello, editora assistente da publicação Argus Brasil Grãos e Fertilizantes, sobre o avanço da participação do setor de grãos na bolsa de valores, um fenômeno que se intensificou em 2021. Alessandra, bem-vinda.
AM: Obrigada, Camila, muito bom estar novamente aqui no Falando de Mercado.
CD: Alessandra, nós sabemos que o agronegócio tem uma participação importante na economia brasileira, quando se fala em geração de riquezas. Isso se reflete também no mercado de ações?
AM: Olha Camila, na verdade não tanto quanto deveria. Embora o agronegócio represente quase 27pc do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, na bolsa de valores essa fatia é de apenas 4pc, levando em conta o valor de mercado das empresas do setor que lá estão. Mas esta situação está começando a mudar e os analistas acreditam que há um grande potencial de crescimento. Na verdade, houve uma primeira onda no final dos anos 2000, quando frigoríficos e também usinas de cana de açúcar decidiram abrir o capital. Foi também nesta época que duas empresas ligadas ao setor de grãos, a SLC e a BrasilAgro estrearam na B3, que na época ainda se chamava Bovespa. Mas depois houve um período de calmaria nesta presença do setor na bolsa.
CD: E qual a principal característica destas empresas do setor de grãos que tem ações negociadas na bolsa brasileira?
AM: Bom, uma das curiosidades é que no Brasil nós temos grandes empresas focadas no plantio e na colheita de soja, milho, e algodão principalmente. Eu conversei com diversos executivos do setor e eles afirmam que mundialmente, inclusive nos EUA e na Europa, as empresas do agronegócio que são listadas em bolsa na maioria são tradings ou indústrias processadoras, de transformação, ou ainda aquelas que fornecem insumos para a agricultura como indústria de fertilizantes, defensivos, máquinas. Aqui nós temos estas duas companhias a SLC e a BrasilAgro que tem como foco as lavouras, elas são proprietárias de inúmeras fazendas, nas principais regiões produtoras do Brasil, num modelo de agricultura empresarial.
CD: Interessante. E estas empresas que já estão há mais tempo na bolsa, ligadas à produção de grãos, conseguiram atingir os objetivos?
AM: Até o início deste ano os destaques eram mesmo estas duas empresas que eu citei. A primeira companhia dedicada exclusivamente ao cultivo de grãos e oleaginosas a abrir o capital na bolsa brasileira foi a SLC, que na safra 2020-21 totalizou 470.000 hectares plantados. É um grupo tradicional do sul do Brasil criado em 1977, que optou pela oferta pública inicial de ações (IPO) 30 anos depois, em 2007. A estratégia era acelerar o crescimento da empresa. E parece que deu certo. A oferta totalizou R$ 490 milhões na época. O valor das ações dobrou já no primeiro dia de negociação e teve uma tendência de valorização ao longo dos anos. No final de setembro o valor de mercado da SLC era calculado em R$ 8,5 bilhões. Recentemente, a SLC adquiriu outro grande grupo listado na B3 com foco em produção de grãos, a Terra Santa. Desta forma, no ciclo 2021-22 deve chegar a 660.000 ha de lavouras principalmente de soja, milho e algodão, distribuídos em 22 fazendas, em sete estados brasileiros. Resumindo, nestes 14 anos, o valor de mercado cresceu quase 19 vezes em termos nominais, sem considerar a inflação claro. E a área plantada cresceu mais de cinco vezes também. Levando em conta que a produtividade da soja e do milho no Brasil também cresceu muito nas últimas décadas, e que estas fazendas empresariais costumam ter rendimento por hectare acima da média, com certeza foi uma das contribuições para o salto que o Brasil vem dando na produção de grãos e oleaginosas.
CD: E a BrasilAgro, o modelo foi semelhante?
AM: Olha, a BrasilAgro entrou na bolsa junto com a sua fundação, em 2006, mas inicialmente a empresa tinha foco exclusivo no mercado de propriedades rurais. Porém, ao longo do tempo passou a investir no cultivo de produtos como soja, milho e cana-de-açúcar, afinal era uma forma de aproveitar estas propriedades que tinha. Nós conversamos com a Ana Paula Zerbinati Ribeiro, gerente de relações com investidores da empresa e ela contou que os acionistas controladores desde o início já pensaram nesta abertura de capital porque já eram familiarizados com isso em outros setores e sabiam que haveria retorno financeiro. Entre os sócios na época estavam empresários ligados a agricultura na Argentina, ao setor imobiliário no Brasil, além de um fundo de private equity. A Ana Paula disse que o plano de negócios foi atingido 5 anos após o IPO no Brasil. E em 2012 a empresa também estreou na Bolsa de Nova York. Quando começaram, eles achavam que chegariam a ter 60 mil hectares cultivados e hoje a empresa possui 275.000 ha entre propriedades e áreas preservadas, dos quais 161.000 ha são ocupados por lavouras. Quando ingressou na bolsa a BrasilAgro foi avaliada em R$ 580 milhões e hoje seu valor de mercado está em R$3 bilhões.
CD: Bom, mas como nós comentamos, neste ano de 2021 foi a vez de uma nova onda do agro no mercado de capitais, certo? Explica isso pra gente.
AM: É verdade, o movimento mais forte este ano vem ocorrendo entre empresas que dão suporte ao cultivo de soja e milho, principalmente. Nós sabemos que tem sido um ano bastante turbulento no mercado de capitais e mesmo assim nós tivemos 3 estreias do agro na B3. Os três grupos não possuem áreas próprias de cultivo, mas trabalham em parceria com produtores rurais fazendo atividades como o beneficiamento de sementes, a armazenagem da produção e as operações de comercialização da safra. O IPO mais recente deste tipo foi da AgroGalaxy, no final de julho. O foco da empresa é a prestação e serviços ao produtor, com ênfase no varejo, por meio da venda de insumos como defensivos e fertilizantes, mas com atuação forte também em comprar do produtor, fazer estocagem de grãos para ele e vender a produção para as tradings. O grupo, que é controlado pelo fundo Acqua Capital, foi adquirindo grandes redes de revendas de insumos e hoje possui mais de 100 lojas nas principais regiões produtoras do país, além de 19 silos e uma produção própria de 2 milhões de sacas de sementes. No IPO a empresa captou R$350 milhões e, pra se ter uma ideia, em setembro o valor de mercado era estimado em um bilhão e meio de reais. Eu conversei com o Marco Teixeira, Diretor de Operações da AgroGalaxy, e ele disse que estes recursos vão sendo usados pra que a empresa siga investindo e crescendo, eles pretendem fazer novas aquisições e crescer o dobro da média do mercado, foi o que ele disse.
CD: E quais foram as outras empresas que estrearam este ano?
AM: Olha, também no mês de julho a bolsa brasileira teve a estreia da 3Tentos Agroindustrial, com atividade semelhante à AgroGalaxy, mas com maior representatividade no sul do Brasil. O IPO levantou R$ 1,3 bi, o maior valor estre as estreantes do agro em 2021. A empresa atua no varejo de insumos agrícolas, na comercialização de grãos e também na industrialização, com fábricas que produzem farelo de soja, óleo de soja e biodiesel. A 3Tentos nos disse que o objetivo de entrar na bolsa foi financiar a expansão da empresa para a região Centro-Oeste do país, que lidera a produção nacional de grãos.
Por enquanto, a avaliação tem sido bem positiva. Um fato que a 3Tentos levantou é que o agro também está se beneficiando desta maior presença de pessoas físicas investindo na bolsa de valores do Brasil, algo que antes era mais raro por aqui. A empresa disse que dois meses depois do IPO, já contava com mais de 12 mil acionistas pessoas físicas respondendo por mais de 13pc do chamado free float da companhia, o total de ações em circulação. E olha que foi um IPO destinado a investidores qualificados, que são aqueles que possuem investimentos em valor superior a R$ 1 milhão. O valor de mercado da 3Tentos está atualmente em cerca R$ 5 bilhões.
CD: Este movimento também marca um avanço das empresas do agro no que se refere a regras de governança, a melhor gestão dos negócios?
AM: Sem dúvida, Camila, este é um diferencial das empresas que foram crescendo, se profissionalizando e tem muito a ver também com esta nova geração ligada ao campo. Teve um outro IPO este ano que reflete isso. Foi da Boa Safra Sementes. A iniciativa partiu de um filho de agricultor que foi estudar economia nos Estados Unidos, é o Marino Colpo, de 37 anos, que hoje é CEO da empresa. A conversa com ele foi interessante, ele contou que na década de 70 o pai foi para Goiás, primeiro teve uma revenda de insumos, chegou a ter lavoura também, mas nada muito relevante e ele foi estudar fora. Quando voltou para o Brasil em 2008 eles focaram na produção de sementes de soja e investiram em softwares de gestão e também em câmaras frias para armazenagem das sementes. O Marino contou que sempre dizia ao pai que tinha o sonho de levar a empresa da família para bolsa. Acabou se aproximando de quem faz girar o mercado de capitais no Brasil, grupos como a XP, e o resultado foi o IPO da Boa Safra em abril deste ano. Hoje ele comemora o aumento no número de acionistas. Eram 17 mil logo após o IPO e agora já são 40 mil acionistas, segundo o Marino. O foco da empresa é a produção e o beneficiamento de sementes de soja. Em parceria com 170 produtores que plantaram 95.000 ha, foram produzidas no ano passado 100 mil big bags de sementes, que pesam aproximadamente 1.000kg (o equivalente a 5 milhões de sementes cada). Nesta safra a expectativa é chegar a 130 mil bags. Já a valorização de mercado segue acelerada, na época do IPO, no final de abril, o valor por ação da Boa Safra era R$9,90, chegou a R$ 16 dois meses depois e em setembro estava próximo a R$ 14, acompanhando essa desvalorização que a bolsa apresentou de forma geral.
CD: Então aquele percentual pequeno de participação do agro que nós falamos no início do podcast tende a aumentar?
AM: Acredito que sim. Eu conversei com um executivo que faz parte do conselho de administração de várias empresas do agro, ele é ex-presidente da Brasil Agro e atual sócio da Demeter Capital, o Júlio Toledo Piza. Ele explicou que a cadeia do agronegócio é muito longa e que até pouco tempo o mercado de capitais era restrito às tradings e agroindústrias de transformação, assim como ocorre nos países desenvolvidos. Mas ao longo do tempo, os grupos familiares de produção agrícola cresceram e hoje as empresas tem tamanho compatível com a bolsa de valores, antes elas não tinham tamanho pra isso. Estes grupos também avançaram em gestão e regras de governança mais transparentes. E as fontes com quem eu conversei de todas estas empresas citadas pela Argus também concordam com esta tendência de crescimento, lembrando que antes o mercado de capitais desconhecia o funcionamento da atividade agrícola e, com a presença crescente, aos poucos já está mais familiarizado com as peculiaridades deste setor. Considerando que o Brasil há pouco tempo sonhava em produzir 100 milhões de toneladas de grãos e que já se fala em chegar próximo de 300 milhões de toneladas em 2022, realmente tem tudo pra seguir crescendo.
CD: É verdade, e vamos seguir acompanhando de perto! Muito obrigada, Alessandra.
Esse e os demais episódios do nosso podcast em português estão disponíveis no site da Argus em www.argusmedia.com/falando-de-mercado.
Visite a página para seguir acompanhando os acontecimentos que pautam os mercados globais de commodities e entender seus desobramentos no Brasil e na América Latina. Voltaremos em breve com mais uma edição do “Falando de Mercado”. Até logo!