Preços do gás natural e do gás natural liquefeito (GNL) atingiram níveis recorde, antes mesmo do período do ano em que sazonalmente isso costuma acontecer. O que explica isso e o que esperar do futuro?
Junte-se a Camila Dias, chefe de redação da Argus no Brasil, e Flávia Pierry, editora de Gás Natural e Energia. Elas conversam sobre as causas dessa alta nos preços mundialmente e ainda aspectos do mercado brasileiro de gás e GNL nesse cenário.
Transcript
[Camila Dias] Olá, e bem-vindos ao Falando de Mercado, uma série de podcasts trazidos semanalmente pela Argus sobre os principais acontecimentos com impacto para os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo.
Meu nome é Camila Dias, eu sou chefe de redação da Argus no Brasil, e no episódio de hoje eu converso com Flávia Pierry, editora de Gas Natural e Energia, sobre a escalada do preço do gás natural e do gás natural liquefeito no Mundo e no Brasil. Bem-vinda, Flavia.
[Flávia Pierry] Obrigada, Camila.
[Camila] Flávia, nos mercados de gás natural pelo mundo afora os agentes assistem com surpresa e incerteza à escalada dos preços. O que está acontecendo?
[Flávia] Camila, essa pergunta está ressoando pelas cabeças de todos que trabalham no setor. Vamos tentar trazer alguns aspectos que ajudam a explicar esse cenário no nosso bate papo de hoje. São eles: a atividade economica após o primeiro ano da pandemia do COVID, transição energética, os preços do Gás natural liquefeito mundo afora, a estocagem de gás nos países que tem invernos rigorosos, e até mesmo algumas questões de geopolítica internacional. Falaremos ainda um pouquinho sobre qual rumo do setor aqui no Brasil e o que podemos esperar. Vamos começar?
[Camila] Vamos sim. Acho que podemos começar por algumas causas de fundo, como a retomada econômica.
[Flávia] Sim, Camila, e isso está mexendo com o mundo do petróleo também, que atingiu seu maior nível nos últimos três anos, rompendo a barreira dos 80 dólares o barril. É fácil de entender: imagino que nosso ouvinte aqui deve estar percebendo aumento no trânsito de veículos na cidade onde ele está, em comparação com o começo de 2021. Isso mostra que a economia está tentando retomar seu patamar pré-pandemia, com mais empresas produzindo, transporte sendo retomado, viagens, fretes... a industria voltando a produzir e demandando energia, químicos... tudo isso faz o mundo do petróleo girar, e com ele o gás natural vem junto.
Parece ótimo, retomada da economia, mais petróleo e energia... porém, assim como todo o mundo reduziu o ritmo com a chegada da pandemia em 2020, a industria do petróleo e gás também teve de colocar o pé no freio. Com isso, os investimentos que estavam sendo feitos em novas plataformas de exploração e produção de óleo e gás, ou em estruturas auxiliares, também foram prejudicadas, ao redor do mundo.
[Camila] ... e agora, que precisamos retomar, esses investimentos também estão atrasados.
[Flávia] Exatamente. Isso acabou por frustar a oferta que era esperada desses combustíveis, e agora estamos vendo que a oferta está tendo um pouco de dificuldade de manter o ritmo que a demanda, nas fábricas, nas ruas, nos escritórios e nas nossas casas está pedindo.
Aqui no Brasil podemos citar atrasos em uma infraestrutura do setor de gás que é super aguardada: a Rota 3 do pré-sal, um gasoduto que poderá escoar até 18 milhões de metros cúbicos ao dia. Era aguardada pra 2020 a inauguração desse gasoduto, mas houve atrasos e agora ele deve entrar em operação, ainda em testes e com capacidade parcial, somente no primeiro semestre de 2022. Além disso, alguns campos exploratórios de gás que utilizarão esse duto para escoar a produção também ficaram atrasados com a pandemia, e agora as empresas estão correndo contra o relógio para entrarem em produção.
A produção do GNL também ficou abaixo do esperado neste ano, com algumas paradas de produção não planejadas e a necessidade de fazer manutenção em terminais de GNL, que haviam sido postergadas em 2020, devido à pandemia da COVID 19.
[Camila] E a questão climática, Flávia? Como ela tem relação com esse aumento nos preços do gás natural e do GNL?
[Flávia] Conjunturalmente, temos eventos climáticos extremos ou inesperados em diversas partes do mundo ocorrendo ao mesmo tempo. Por exemplo: no primeiro trimestre de 2021, o leste da Ásia e áreas dos Estados Unidos passaram por frentes-frias que demandaram consumo maior que o esperado dos estoques de gás natural, para calefação.
Já no meio do ano, o verão persistiu um pouco mais do que o esperado nos Estados Unidos, elevando a demanda por energia para resfriamento de casas e escritórios. Na Europa, alguns parques eólicos tiveram menos ventos que o esperado, gerando menos energia eólica e demandando mais energia a partir de combustíveis.
No Brasil, enfrentamos uma forte seca, com menos chuvas do que o esperado entre o final de 2020 e o começo de 2021, e isso reduz nossa capacidade de gerar energia nas hidrelétricas, demandando mais energia térmica para compensar. E na África do Sul também foram registradas secas intensas.
Mas além disso, temos os fatores de maior prazo. Será que a mudança climática global está influenciando essas variações climáticas inesperadas pelos planejadores energéticos do mundo todo? No Brasil, órgãos que observam e estudam o clima, como o Instituto Nacional de Metereologia - Inmet, avaliam que na última década o regime de chuvas no Brasil está se alterando. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, a ANA, também já relatou em seus estudos que vamos ver cada vez mais a ocorrencia de eventos climáticos extremos, sejam secas ou inundações.
[Camila] Tudo isso levou a um maior consumo de gás natural, aumentando a demanda pelo combustível. Com aumento da demanda e sem aumento de oferta, vem aumento de preços.
[Flávia] E não é somente o gás natural que está caro. O gás natural liquefeito vem batendo recordes, passando de 30 dólares por milhão de Btu na Ásia. Aqui no Brasil, a Argus tem um indicador de preço do GNL entregue em nossos portos, o LNG DES Brazil, que já chega a 32 reais o milhão de Btu (contra 4 dólares em outubro do ano passado!).
A retomada da economia em todo o mundo com o relaxamento das medidas de isolamento social está demandando combustíveis. O barril do petróleo está na casa dos 80 dólares no mercado mundial, contra 38 dólares há exatamente um ano.
Atrasos em obras, manutenções, paradas de produção não-planejadas... tudo isso reduziu a oferta de combustíveis ao longo da pandemia. E do outro lado, com o relaxamento do isolamento, as economias correm atras do prejuízo para tentar voltar a produzir o que ficou represado, e demandam energia.
No Brasil, vamos no mesmo sentido. Com o petróleo mais caro, seus refinados também sobem e é aí que vemos o gás de cozinha (o GLP, que é produzido a partir do petróleo em sua maioria no Brasil) e a gasolina também mais caros.
[Camila] Flávia, e a transição energética global? A redução de combustíveis mais poluentes nas matrizes energéticas está elevando os preços?
[Flávia] Camila, é inevitável que se inicie um debate sobre o peso que a transição energética possa estar tendo na subida de preços dos energéticos ao redor do planeta. E devemos travar esse debate de forma neutra.
Obviamente é preciso que países e empresas se comprometam com a transição para 100 porcento de suas fontes energéticas limpas, não fósseis. Isso é necessário pois a temperatura do planeta vai subir mais de 1 grau célsio e meio se não atingirmos o chamado net zero (ou seja, a compensação total de todas as emissões de gases do efeito estufa) até 2050, segundo dados da Agência Internacional de Energia, a IEA.
Como a transição energética ocorre? Bem, com a substituição de fontes mais poluentes, como o carvão, e inclusão de fontes mais limpas, como solar e éólica. E o gás natural é percebido como um combustível de transição, entre esses dois universos, entre o passado calcado em fontes fósseis e o futuro de fontes renováveis, sendo mais demandado nesse ambiente.
Apesar de estamos tirando da nossa matriz energia as fontes mais poluentes, no momento atual o que tem pressionado com maior força o aumento dos preços dos combustíveis é mesmo a retomada econômica com a oferta de combustíveis tendo dificuldade em responder.
O diretor-executivo da IEA, Fatih Birol, fez questão de deixar isso bem explícito em um comunicado recente feito pela entidade: Ele disse: “Os aumentos recentes nos preços globais do gás natural são resultado de fatores múltiplos, e é impreciso e errôneo colocar a responsabilidade na porta da transição para a energia limpa”.
Um agente independente, o Oxford Institute for Energy Studies, também foi pelo mesmo caminho em recente estudo sobre o preço do gás. A entidade faz uma análise sobre o mercado Europeu do gás, mas que vale a pena olharmos, pois acaba influenciando o mundo todo e o Brasil junto: Segundo a entidade, na Europa, a oferta de gás em um ano se reduziu em quase 50 bilhões de pés cúbicos (ou algo em torno de 16 bilhões de metros cúbicos), se compararmos o volume do mercado em 2019 com o volume de 2021. Isso inclui restrição em receber GNL, restrição de fornecimento por gasodutos da Russia e ainda redução da produção.
Para compensar isso, os países europeus têm consumido seus estoques de gás nos últimos meses, em um período em que geralmente o estoque é recomposto, pois é verão no hemisfério norte.
Os pesquisadores de Oxford lembram que esse volume é quase 10 porcento da demanda Europeia de gás, o que justifica um aumento tão forte no preço.
Segundo a United States Energy information administration, os estoques de gas estão 16% abaixo da média de cinco anos nos países europeus. A Áustria é o pais com a pior situação, com estoques 38 porcento abaixo da média de cinco anos.
Similarmente, nos Estados Unidos também os estoques estão abaixo da média para o período do ano, quando se estoca gás, em 12 porcento.
[Camila] Então me parece que não temos uma percepção de que preços do gás vão baixar logo, certo Flávia?
[Flávia] Camila, com a transição energética, inevitavelmente estamos retirando parte da nossa oferta de energéticos, aqueles mais poluentes. Os planejadores energéticos de todo o mundo terão de ser rápidos em substituir essa energia por outra, limpa, e ainda acrescentando segurança à matriz elétrica. Para incluir novas fontes, como o hidrogênio, teremos custos altos até atingirmos tecnologia mais barata.
No mundo do gás, sabemos que preços muito baixos como o que se via no passado, viraram história e que agora gas e GNL terão outro patamar de preço, por alguns anos, enquanto a oferta não conseguir acompanhar a demanda.
No caso do Brasil, a promessa do terceiro gasoduto escoando gás do pré-sal anima muitos, com 18 milhões de metros cúbicos novos chegando. Mas, como esse gasoduto já entra em operação com atraso, pode ser que essa oferta acabe fazendo pouca diferença na oferta total, e que continuemos precisando de bastante gás liquefeito importado.
E, se formos olhar o apetite do empreendedor no Brasil, vemos que a expansão da oferta de gás está se dando mais pelo GNL do que pelo gas natural, já que há ao menos quatro projetos de novos terminais em discussão no país.
E claro: fatores climáticos vão ter um papel importante nisso tudo. Invernos menos rigorosos e verões mais amenos podem fazer a diferença entre um reequilíbrio dos balanços globais de gás e a entrada dos próximos anos com a oferta apertada, levantando os preços.
[Camila] Muito obrigada, Flavia. Vamos seguir acompanhando de perto cada movimento desse mercado.
Esse e os demais episódios do nosso podcast em português estão disponíveis no site da Argus em www.argusmedia.com/falando-de-mercado.
Visite a página para seguir acompanhando os acontecimentos que pautam os mercados globais de commodities e entender seus desobramentos no Brasil e na América Latina. Voltaremos em breve com mais uma edição do “Falando de Mercado”. Até logo!