Equinor, Petrobras e Repsol Sinopec recentemente anunciaram a decisão de investimento do campo BM-C-33, que pode fornecer 16mn m³/d de gás natural. Junto com outros novos projetos, a Petrobras afirma que o Brasil terá um “choque de gás”. Mas a realidade pode ser bem menos animadora para os consumidores.
Junte-se a Camila Dias, diretora da Argus no Brasil, e Flávia Pierry, editora de Gás Natural e Energia. Elas conversam sobre prazos, características e perspectivas para os preços dessa oferta de gás.
Transcript
[Camila Dias] Olá, e bem-vindos ao Falando de Mercado, uma série de podcasts trazidos semanalmente pela Argus sobre os principais acontecimentos com impacto para os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo.
Meu nome é Camila Dias, eu sou Diretora da Argus no Brasil, e no episódio de hoje eu converso com Flávia Pierry, editora de Gas Natural e Energia, sobre os anúncios de novos campos de produção de gás natural no Brasil e suas perspectivas. Bem-vinda, Flávia.
[Flávia Pierry] Obrigada, Camila.
[Camila] Flávia, na segunda semana de Maio, as petroleiras Equinor, Repsol Sinopec, e Petrobras anunciaram a decisão de investimento no campo BM-C-33, que pode ofertar 16mn m³/d de gás natural. Na prática, o que isso pode significar para o mercado brasileiro de gás?
[Flavia] Camila, com certeza essa é uma ótima notícia, mas não podemos achar que isso vai resolver todos os problemas do mercado de gás no Brasil. Vamos analisar o que o anúncio significa e como os agentes envolvidos estão se posicionando.
Em primeiro lugar, sabemos e já falamos aqui neste podcast e nas análises que publicamos em Argus Brazil Gas and Power, que a indústria brasileira passa por um período de demanda reprimida por gás natural. Falta gás, e isso ajuda a elevar preços e aumenta a dependência de gás natural liquefeito importado. 16mn m³/d de gás novo, oferta nova, ajudam sim a indústria do país, principalmente se pensarmos que a demanda total do Brasil é de cerca de 68mn m³/d. É quase um quarto da demanda brasileira.
Na semana que o projeto foi anunciado, Maurício Tolmasquim, diretor da Petrobras, disse que esse gás, somado ao gás que deve começar a ser produzido em áreas de Sergipe e com a entrada em operação da Rota 3, gasoduto do pre-sal, deve criar um “choque de gás”, com cerca de 50mn m³/d.
[Camila] Essas são boas notícias, Flávia. Mas o que podemos esperar dessa nova oferta de gás, como isso chega ao mercado de gás?
[Flávia] Primeiramente, temos de observar quando essa nova oferta vai chegar. A Rota 3, atrasada há vários anos, deve entrar em operação no final de 2024, e eu ouvi de participantes do setor que utilizarão a rota que é possível que haja ajustes a serem feitos no ponto de chegada desse gás, resultando em mais atrasos. Já o gás de Sergipe, a Petrobras anunciou que vai afretar os equipamentos de produção do gás para 2027. E já no caso da BM-C-33, o início da produção está previsto só para 2028.
Ou seja, Camila: nada disso está no pipeline – neste caso, literalmente no pipeline – para este ano ou para 2024.
Além disso, a Petrobras já informou que parte desses 50mn m³/d novos não são oferta líquida nova. Isso porque há expectativa de que a partir de 2024 a empresa boliviana que exporta gás para o Brasil, a YPFB, reduza os volumes do contrato com a Petrobras. E ainda, há outros campos no Brasil que já estão com sua produção de gás em declínio, devido à maturidade. Parte desse novo gás, o tal “choque de gás”, na verdade vai recompor volumes atuais de produção.
[Camila] E em termos da abertura de mercado, Flávia? O Brasil tem uma lei do gás nova há dois anos que estabelece as bases para a abertura de mercado, mas ainda há pouca movimentação no mercado livre. Essa nova oferta pode contribuir com isso?
[Flávia] A abertura efetiva do mercado ainda não ocorreu, Camila. Temos algumas grandes empresas que consomem gás que já se movimentaram e começaram a comprar parte de seu gás diretamente dos produtores, sem participação da empresa local de distribuição na venda da molécula, mas apenas como prestadora do serviço de distribuição, o uso da rede de gasodutos. Uma das percepções desses agentes é a de que desde a alteração da lei, que dá o arcabouço legal para a abertura do mercado, não se teve uma expansão da oferta de gás. Ou seja: o gas que já era vendido, a mesma quantidade, só foi redistribuído entre os agentes participantes de mercado, já que a Petrobras fez um acordo com o Cade de que não compraria gás de outras petroleiras; Uma clássica frase do setor de gás era a de que “sem gás novo, não se tem novo mercado”.
Então a notícia de que temos mais gás novo é ótima. Porém, por outro lado, vemos que essa oferta seguirá fortemente concentrada na mão da Petrobras.
Isso porque a Petrobras é sócia da Equinor e da Repsol Sinopec no BM-C-33, e ela é a principal agente em Sergipe. Além disso, eu ouvi de participantes de mercado que grande parte do gás do BM-C-33 já estará contratada, possivelmente pela própria Petrobras, impossibilitando que a maior parte desse gás chegue ao mercado livre, e mantendo a lógica de venda de gás através das distribuidoras.
Isso não é legal para a criação de um mercado, não é mesmo, Camila? Isso reduz a competição, que sempre é um drive de menores preços, mais variedade de tipos de produtos e de serviços acoplados à molécula de gás, como flexibilidade, menor penalidade, etc.
[Camila] E na questão de preços do gás, Flávia? Como está a percepção dos consumidores sobre os preços do gás e o que esperam com essa nova oferta chegando?
[Flávia] O nível dos preços do gás é uma preocupação enorme dos consumidores, e um assunto que demanda respostas urgentes.
A percepção é de que os preços do gás natural no mercado internacional já se reduziram depois do ápice do conflito da Ucrânia/ Russia. E que aqui no Brasil houve redução do preço, mas não no mesmo nível do mercado internacional. Isso também é fruto de uma concentração grande dos contratos em um agente dominante, e de que a maioria do mercado é de contratos de médio prazo, com as distribuidoras.
Além disso, esse novo volume de gás vem de novos investimentos, o que significa que a fatia de custo de capital ainda será bem relevante no preço final, o que pode trazer esses novos volumes de gás a preços superiores do que as outras ofertas já existentes. Também há quem analise que o custo de produção do gás do BM-C-33 deve ser mais alto que o nível de outros campos, já que a tecnologia é nova, com o processamento do gás ocorrendo na plataforma, e com profundidade recorde das jazidas. Os sócios anunciaram investimentos de USD9bilhões para esse campo, enquanto a média do mercado é de cerca de USD4bilhões.
O fato de o gás no BM-C-33 não ter petróleo e não ser rico em liquefeitos (como o GLP, a gasolina natural e outros condensados) também pode aumentar o custo da produção de gás.
Tais fatores preocupam os consumidores.
Então, resumindo: É de comemorarmos que novidades estão ocorrendo no mercado de gás fóssil, com novo gás sendo produzido, novas decisões de investimento. Porém, a perspectiva de termos grande parte dessa oferta chegando ao mercado dentro da cesta de produtos Petrobras, onde não se sabe exatamente a origem e custo de cada volume de gás, é algo que reduz a competição e não fortalece um mercado líquido e livre de gás natural. Além disso, enquanto a indústria clama por maior oferta de gás a menores valores, esse novo gás pode não ser a solução, já que altos custos de produção estão envolvidos nesses campos novos em folha. E por fim, também não são soluções de curto prazo, com entrada em operação pelo menos daqui a mais de um ano, enquanto setores como o de fertilizantes precisa de gás abundante e com menores preços ainda este ano, com urgência. Exemplo disso é a decisão da empresa produtora de fertilizantes nitrogenados Unigel, que decidiu fazer um lay-off temporário de 1500 funcionários na sua fábrica de Sergipe, enquanto espera oferta de gás a preço que viabilize seus custos e permita competir com o produto importado.
[Camila] Obrigada, Flávia.
Esse e os demais episódios do nosso podcast em português estão disponíveis no site da Argus em www.argusmedia.com/falando-de-mercado.
Visite a página para seguir acompanhando os acontecimentos que pautam os mercados globais de commodities e entender seus desdobramentos no Brasil e na América Latina. Voltaremos em breve com mais uma edição do “Falando de Mercado”. Até logo!