

Falando de mercado: A competitividade do diesel russo no mercado brasileiro
- 26 de agosto de 2025
- : Oil Products, Road Fuels
A Rússia forneceu 60% do diesel importado pelo Brasil no primeiro semestre, mas movimentações geopolíticas e comerciais podem impactar esse fluxo. Saiba mais sobre a competitividade do produto russo no mercado brasileiro acompanhando a conversa entre Camila Fontana, chefe adjunta da redação da Argus em São Paulo, e Marcos Mortari, um dos especialistas responsáveis pela publicação Argus Brasil Combustíveis.
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Transcript
Camila Fontana: No primeiro semestre, a Rússia foi origem de 60% do diesel importado pelo Brasil. Recentes movimentações geopolíticas e comerciais podem reduzir o fluxo de diesel russo para cá.
Participantes de mercados de diesel do mundo inteiro estão reavaliando suas posições após o encontro entre os presidentes Vladimir Putin, da Rússia, e Donald Trump, dos Estados Unidos, em 15 de agosto, no Alasca.
Neste episódio do Falando de Mercado, eu, Camila Fontana, chefe adjunta da redação da Argus no Brasil, converso com Marcos Mortari, um dos especialistas responsáveis pela publicação Argus Brasil Combustíveis
Marcos, para a gente situar os nossos ouvintes, antes de entrar na questão do diesel russo, você podia dar uma visão geral de produção, consumo, importação de diesel no país?
Marcos Mortari: Oi Camila, é um prazer estar aqui no podcast Falando de Mercado. Obrigado pelo convite. Bom, começando pelo início aqui a discussão sobre o mercado de diesel brasileiro sob a ótica russa. Nos últimos dez anos, o Brasil produziu em média, 44 milhões de metros cúbicos de diesel e teve um consumo médio anual de 55 milhões de metros cúbicos. Para preencher esse gap, o Brasil importa cerca de 20% do que consome de diesel. Pelo menos foi assim nos últimos dez anos.
De 2010 a 2021, os Estados Unidos responderam por 45% de todo o diesel importado pelo Brasil. Mas essa fotografia começou a mudar a partir do conflito entre Rússia e Ucrânia. A a partir de 2022, especialmente em 2023, que a gente observou uma série de restrições, bloqueios ao produto russo na Europa e em outros mercados importantes, o que fez com que a Rússia tivesse que procurar novos mercados.
E isso fez com que também importadores brasileiros começassem a observar a oportunidade de trazer diesel russo a preços mais competitivos. Então isso trouxe uma nova dinâmica para o mercado brasileiro de combustíveis, especialmente nessa janela de 2023 para frente.
CF: E o que a gente sabe sobre quem importa esse combustível da Rússia?
MM: O que a gente percebeu, Camila, nesse período todo foi que todos os atores privados brasileiros começaram a se voltar para o produto ao russo, de 2023 para cá.
A gente tem esse grande player estatal, que é a Petrobras, que respondeu por 33% das importações totais brasileiras de diesel. Só que a Petrobras não compra diesel russo no momento. Ela responde por 84% do volume que a gente importou nesse primeiro semestre desse ano, vindo dos Estados Unidos.
Ou seja, dos atores todos que a gente tem no mercado brasileiro, praticamente a Petrobras que responde por todo esse diesel não russo que está vindo e todos os outros participantes privados do mercado estão olhando com muita atenção e se relacionando muito com refinadores russos, comprando muito produto russo nesse período.
E aí a gente observa três grandes grupos principais, uma fatia com as três principais distribuidoras do país, que são Vibra, Ipiranga e Raízen, que respondem por quase um terço dessa importação.
Você tem as refinarias privadas, como a própria Ream, Refit, enfim, outras refinarias também, que importam volume muito importante.
Se você considerar as importações desse grupo específico das refinarias privadas, o diesel russo representou 94% do total que essas refinarias trouxeram de produto nesse ano, nesse primeiro semestre de 2025, segundo os dados da ANP.
E aí, por fim, você tem um terceiro grupo, que são as outras distribuidoras, outros players no mercado, mas com destaque para as distribuidoras regionais. Elas começaram a se organizar em pools e entraram no mercado brasileiro de importação. É algo que a gente não estava acostumado a ver quando o Brasil funcionava, naquela dinâmica de trazer muito mais produto americano e de outras origens.
Mas nesse contexto de muito o diesel russo disponível e essa história de produto sancionado e não sancionado que eu tenho certeza que a gente vai bater um papo mais pra frente, essas distribuidoras começaram a ver oportunidades no mercado e elas, por serem menores, elas começaram a se organizar em pools, em clubes de compra, pra trazer produto e serem mais competitivas no mercado nacional.
Então a gente observou também essa nova dinâmica, isso provocado pelo diesel russo, uma nova dinâmica no mercado brasileiro, em razão dessa nova estrutura de compra.
CF: Você estava entrando na questão da arbitragem nesse mercado. Como é que ela funciona?
MM: Olha, quando a gente fala de importação, o Brasil tem uma necessidade de importação, ele não é autossuficiente em diesel e precisa importar um pouco.E a arbitragem, ela é fundamental.
Quando a gente fala de arbitragem, a gente está comparando o preço que a Petrobras pratica aqui no Brasil, que ela produz muito diesel. Ela é responsável por boa parte da produção de diesel no Brasil e ela vende para os distribuidores poderem vender no mercado.
Quando a gente fala de arbitragem, a gente está comparando esse preço da Petrobras com o custo de reposição do importador, quanto que o importador gasta pra trazer o produto para cá. E aí ele tem uma margem para venda aqui no mercado doméstico para fazer sentido.
Em muitos momentos a gente tem o que a gente chama de arbitragem fechada, que é esse custo de reposição é mais alto do que o preço que a Petrobras está praticando. Isso traz um ambiente diferente para o mercado. É uma condição que alguns importadores começam a avaliar se trazem mais produto, como que vão fazer.
E a gente passou por isso mais recentemente, do início de junho até esse comecinho, essa primeira quinzena de agosto, a gente percebeu essa janela de arbitragem voltar a abrir nessa última semana. A gente está gravando esse podcast no dia 18 de agosto, no dia 15 de agosto, que foi o nosso último indicador de importação, a gente percebeu que essa janela de arbitragem começou a abrir para alguns portos.
O preço de reposição, o custo de reposição dos importadores ficou um pouquinho abaixo do preço praticado pela Petrobras. Isso, em tese, estimula importações. Então, quando a gente tem períodos de arbitragem fechada por muito tempo, você começa a ver no mercado uma preocupação com níveis de estoque, porque já não faz tanto sentido importar. Então tem muito importador que põe o pé no freio.
Então você gera uma outra dinâmica para o mercado. Agora que a arbitragem volta a abrir, você tem uma normalização desse processo.
Tem um outro ponto também que é considerado nessa equação dos importadores, que é quanto que está sendo vendido no mercado à vista, o mercado à vista é o mercado que a gente cobre aqui na Argus. O produto é nacionalizado e por quanto ele é vendido no mercado spot.
A gente falou até no outro podcast de diesel que os preços são balizados em referência com os preços praticados pela Petrobras. Então, às vezes é a Petrobras mais tantos reais por metro cúbico ou Petrobras menos tantos reais por metro. Depende da dinâmica do mercado. Nesse momento a gente estava vendo os preços praticados Petrobras com o prêmio, com prêmios de R$ 200, até mais, dependendo do porto, por metro cúbico.
E a gente realmente observou que negócios estavam sendo fechados nesses níveis, o que estava gerando um cenário já favorável para importação, mesmo que o preço estivesse mais caro que o da Petrobras. Não sei se ficou claro, porque o valor cobrado no spot é que realmente estava sendo vendido. Já estava com um prêmio de R$ 200 em relação à Petrobras, o custo de reposição estava R$ 50 acima do preço da Petrobras. Então esses R$ 150 de diferença davam alguma margem pro importador.
Então esse processo começou a normalizar, primeiro pelo mercado spot e agora a gente viu uma normalização, digamos assim, completa, com custo de reposição do importador, ficando abaixo até mesmo do preço praticado pela Petrobras.
CF: Agora vamos falar então, enfim, sobre as sanções. No dia 15 de agosto a gente teve um encontro entre os presidentes Putin e Donald Trump. Havia uma expectativa em relação a sanções e você com certeza vai falar sobre o que foi decidido nisso. Mas acho que essa palavra sanção é usada em diferentes contextos: diesel sancionado, diesel não sancionado, sanções secundárias da Casa Branca a quem compra produto russo. Como se explica tudo isso, Marcos?
MM: Acho que às vezes isso pode causar alguma confusão a palavra sanção, porque a gente está acostumado aqui no Brasil também com a palavra sanção pra aprovação de alguma legislação. O presidente da República, ele é responsável por sancionar um projeto de lei e aí ele se torna lei e entra em e se torna efetivo.
Nesse caso, a gente está falando de sanções no sentido de restrições. O que significa, por exemplo, desde o início do conflito da Rússia com a Ucrânia, a gente percebe a Europa aplicando restrições, essas sanções contra a Rússia, União Europeia, eu digo quando me refiro a Europa, mas também a gente teve o Reino Unido aplicando também sanções contra a Rússia e os próprios Estados Unidos, aplicando sanções também contra a Rússia.
Essas sanções, no caso do mercado de diesel, elas estão relacionadas tanto a refinarias específicas, algumas refinarias estão sob sanções, mas também sobre navios. Alguns navios são sancionados, então você pode ter uma produção de diesel em uma refinaria não sancionada, que está livre dessa obstrução, dessa restrição, mas esse diesel não pode ser transportado em um navio que esteja sancionado. Então você tem sanções tanto para produção quanto para o frete, para o transporte. E muitos operadores brasileiros observam isso.
Há players que levam em consideração e muito mais essas sanções, que são o fator impeditivo de negociações para alguns players, para outros nem tanto. E isso também é um componente importante para a gente entender a dinâmica atual do mercado brasileiro.
CF: Para o comprador aqui no Brasil, Marcos, como essas sanções se aplicam?
MM: A gente observa um nível maior de restrição para a negociação com o produto russo entre os três principais participantes, os três principais distribuidores do Brasil, Vibra Ipiranga e Raízen, porque elas têm ações negociadas em bolsa, elas têm maior exposição ao mercado de uma certa forma, então elas também têm níveis mais rigorosos de compliance. Então elas têm exigências maiores para as negociações com esses refinadores, elas exigem documentação específica para justamente evitarem o risco de estarem fazendo operações, negociando produto que está objeto de alguma restrição por parte do mercado americano ou europeu, da União Europeia, do Reino Unido. Então essas empresas são um grupo. Elas realmente evitam essa negociação.
Mas você tem outros players no mercado brasileiro que têm menos restrições pra negociação com esses refinadores russos e de fato se expõem mais a esse produto que está objeto, que é negado, que é recusado por outras partes do mundo.
Isso não é uma atividade ilegal aqui no Brasil. Você não tem uma legislação que impeça players de comprarem produtos sancionados. Então você tem um espaço legal para que isso aconteça. E alguns players aproveitam essa situação realmente, porque existe uma diferença de custo. Mais recentemente a gente ouvia de participantes do mercado uma diferença de 6 centavos por galão americano entre o produto sancionado e o não sancionado, 6 centavos nesse mercado hiper competitivo de commodities é muita coisa.
Então pra alguns players faz muito sentido esse tipo de operação. Então isso afeta de uma forma importante toda a competitividade do mercado.
CF: E olhando para frente, quais questões precisam ser monitoradas no que diz respeito ao abastecimento de diesel por aqui?
MM: Olha como a gente falou até mais cedo, o mercado brasileiro estava com um ambiente de arbitragem fechada por dois meses, mais ou menos, um pouco mais até. E sempre quando a gente tem períodos de arbitragem fechada, existe essa preocupação com o nível de estoque. No mercado spot, a gente já observava em portos, tanto em Paranaguá quanto em Santos, uma menor disponibilidade de produto, menos produto sendo ofertado por importadores no mercado spot, o que já gerou sinal de alerta. Muita gente começou a especular se realmente a gente ia passar por um momento de ausência de produto ou não.
Essa foi uma pergunta que a gente recebeu muito dos nossos clientes e, enfim, a gente teve que endereçar de uma certa forma. E aí a gente foi, foi para os números, foi fazer conta para ver se fazia sentido ou não esse tipo de situação. E aí a gente pegou os dados disponíveis na ANP, olhamos para a produção, importação de um lado e do outro lado, exportações que são um volume muito pequeno, e consumo, como é que estava sendo saindo a outra ponta.
O que a gente verificou é que tem uma diferença muito pequena. A realidade de 2025 tá muito parecida com a dos outros anos, então a gente não via um componente estrutural afetando a disponibilidade de produtos no Brasil. A gente não viu os estoques passando por um risco estrutural. O momento que a gente percebia era o eventual lag, um descompasso, nos lineups, na chegada de produto, nos navios que poderia causar alguma ausência de produto por tempo limitado, mas que a gente entendia que haveria acomodação.
Nessa segunda quinzena de agosto, a gente tem observado uma normalização dessa situação, seja por um aumento mesmo de volume de navios que devem desembarcar nos portos brasileiros, especialmente no Sul-Sudeste, seja também por esse componente da arbitragem. Quer dizer, teve uma confluência de fatores que ajudaram o ambiente em que a importação passou a valer mais a pena. Então isso reforçou, aguçou o apetite de importadores. Mas também essa questão de percepção de que ter um volume maior no fluxo maior de navios, que devem trazer uma normalização de oferta de produto para o resto desse mês e para o mês seguinte.
CF: Antes a gente encerrar, você poderia falar da apuração de preços de diesel e da nova metodologia aplicada no Argus Brasil Combustíveis?
MM: Claro, nesse indicador de diesel importado, a gente observa duas macrorregiões que são regiões Norte e Nordeste, de um lado, ou de Sul, Sudeste e de outro lado. E também a gente monitora a origem do produto, se ele é russo ou não russo. Essa diferenciação foi muito importante que a Argus construiu a partir de 2023, justamente para capturar essas nuances de mercado, porque havia uma diferença muito importante entre o preço de produto russo e não russo.
Agora que a gente colocou para o mercado, construiu junto com os participantes do mercado para refino da nossa metodologia, foi reduzir, limitar a quantidade de portos. Então, no caso do diesel, um porto só, tanto para Norte, Nordeste quanto para Sudeste e um porto. No no caso do Nordeste, é Itaqui. E a gente calcula os diferenciais para outros portos, como o Suape, Fortaleza, no caso do Sul, Sudeste, pode ser Santos ou Paranaguá.
Então, essa é a diferenciação. E a gente também está colocando uma regra diferente para pagamento. O pagamento pode ser feito três dias antes ou cinco dias depois da chegada do navio, esse é o que a gente entendeu, acordou com todos os participantes do mercado teve uma ampla consulta. O consenso foi que, dessa forma, essa metodologia seria a mais adequada para capturar de fato o que está sendo operado no mercado.
CF: Obrigada, Marcos. A Argus faz o acompanhamento diário dos preços de diesel no Brasil e no mundo e logo o Marcos volta com mais novidades sobre esse mercado.
Obrigada a você que esteve conosco nesse episódio. Os demais episódios da série Falando de Mercado estão disponíveis nas principais plataformas de streaming e no site argusmedia.com. Eu espero você na próxima edição. Até lá!

