Author Argus

A antecipação do aumento da mistura de biodiesel ao óleo diesel pode colaborar para uma maior oferta de créditos de descarbonização (Cbios), em meio às incertezas quanto ao cumprimento das metas do Renovabio para o ano que vem. No meio do caminho, distribuidoras de combustíveis pedem mudanças de regras no programa.

Junte-se a Camila Dias, diretora da Argus no Brasil, e Conrado Mazzoni, chefe adjunto de redação da Argus no Brasil, e entenda mais sobre o que está acontecendo no mercado de Cbios.

 

 

CD: Olá e bem-vindos ao ‘Falando de Mercado’ – uma série de podcasts trazidos semanalmente pela Argus sobre os principais acontecimentos com impacto para os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo. Meu nome é Camila Dias, eu sou diretora da Argus no Brasil. No episódio de hoje eu converso com Conrado Mazzoni, chefe adjunto de redação da Argus no Brasil, e falaremos sobre o que o podemos esperar dos créditos de descarbonização, os Cbios, para 2024.

Bem-vindo, Conrado.

CM: Obrigado, Camila. É um prazer. Estou sempre à disposição para falar de Cbios com você e todos que estão nos ouvindo.

CD: Conrado, queria te ouvir primeiramente sobre a reação do mercado de Cbios à antecipação da mistura de 14% de biodiesel no óleo diesel?

CM: Legal, Camila, a gente observa uma queda dos Cbios, de 120 reais, no início do mês de dezembro, para até 100 reais nesta penúltima semana do ano, justamente após o anúncio dessa decisão da mistura por parte do Conselho Nacional de Política Energética, o CNPE.

Bem, como eu costumo fazer nesses encontros, Camila, só para situar quem não conhece ainda... O Cbio é um crédito de carbono do Brasil, cada 1 unidade de Cbio corresponde a 1 tonelada evitada de emissão de CO2. O Cbio surge com a Lei da Política Nacional de Biocombustíveis, o Renovabio, aprovada e ratificada em 2017, que tem como motivação o Acordo de Paris de 2015, no qual o Brasil se comprometeu em reduzir suas emissões de carbono.

E como isso funciona, na prática... do lado comprador, você tem a chamada demanda obrigatória, que são as distribuidoras de combustíveis, obrigadas a comprar Cbios para compensar a emissão de gases do efeito estufa, conforme uma meta definida pelo CNPE.

E do lado vendedor tem os produtores de biocombustíveis (etanol, etanol de milho, biodiesel, biometano), que certificam suas usinas para ingressar no Programa Renovabio, e aí passam a emitir Cbios a partir da venda de biocombustíveis.

Depois de vender o biocombustível e gerar o Cbio, a usina procura uma instituição financeira para escriturar esse crédito e aí transformá-lo em um ativo financeiro, negociado na Bolsa. A ideia central do programa é transferir recursos de quem consome combustível fóssil para quem produz biocombustíveis, e aí fomentar a produção de biocombustíveis.

Bom, agora voltando para a pergunta, Camila, a gente percebe que a perspectiva de maior oferta de Cbios, de fato, fez impacto no preço dos Cbios. Isso tem a ver com o lado das usinas de biodiesel que venderão mais produto com o aumento da mistura e, segundo um cálculo do Ministério de Minas e Energia, cada ponto percentual de mistura do biodiesel no diesel adiciona 500.000 Cbios por ano. Ou seja, estamos falando de mais 1 milhão de Cbios no ano que vem.

Por outro lado, o volume elegível do biodiesel dentro do Renovabio ainda é relativamente baixo, na faixa de 40%, em média, por conta da dificuldade de rastreio da origem da matéria-prima, a soja, para estar enquadrado nas regras do programa. Para se ter uma ideia, no caso do etanol hidratado, o volume elegível chega a 95%.

Agora, também no etanol a gente observa uma paridade cada vez mais favorável do biocombustível na bomba, o que favorece as vendas de etanol e, consequentemente, maior geração de Cbios. As vendas de etanol hidratado avançaram quase 34% em novembro em relação ao ano passado e atingiram 1,62 milhão de m³, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a ANP.

CD: Mas, Conrado, mesmo com esse aumento de oferta, os participantes de mercado veem a meta do Renovabio para 2024 com alguma incerteza, certo?

CM: Sim, exatamente. A meta proposta para o ano que vem, que deverá se entregue pelas distribuidoras até dezembro de 2024, é de 38,8 milhões de Cbios. É um número um pouco maior do que a meta de 2023, de 37,5 milhões de Cbios mais o que ficou inadimplente da meta de 2022, mas já traz riscos de eventual falta de Cbios para o cumprimento da meta.

Por conta disso, o que escutamos dos participantes é uma perspectiva de preços firmes de Cbios ao longo do ano que vem, também levando em conta que o ciclo de cumprimento da meta será mais curto. Ainda em razão de ajustes do calendário do Renovabio durante o governo Jair Bolsonaro, a meta de 2023 deverá ser entregue até março de 2024, enquanto a meta de 2024 termina em dezembro do ano que vem. Ou seja, serão nove meses, de abril a dezembro, para que as distribuidoras corram atrás dos Cbios.

Agora, claro, que a gente vem observando um certo amadurecimento do mercado, com o pessoal da ponta compradora se organizando para comprar os Cbios ao longo do tempo e evitar uma corrida por Cbios na reta final do término do prazo. Isso já é realidade para grandes distribuidoras que têm as maiores metas, mas a gente vê distribuidoras regionais seguindo pelo mesmo caminho. Nesses últimos dias de dezembro, por exemplo, vimos volumes relevantes de aposentadoria, que é quando a distribuidora, de fato, “aposenta” os Cbios, retira os créditos do mercado e conclui a descarbonização no Renovabio. Só no dia 13 de dezembro 1,32 milhão de Cbios foram aposentados, o quinto maior volume de aposentadorias no ano.

A questão vai ficar mesmo sobre a disponibilidade de Cbios. A expectativa é que do ciclo de 2023 vão sobrar entre 6 e 9 milhões de Cbios para a meta de 2024. E a média mensal de geração de Cbios gira em entre 2,5 milhões e 3 milhões de Cbios. Pensando na geração de abril a dezembro, talvez isso aumente um pouco graças à mistura de biodiesel, mas ainda parece apertado para chegar em 38,8 milhões de Cbios.

Mas acredito que podemos esperar para o ano que vem alguma evolução concreta nos esforços para elevar o volume elegível do biodiesel no Renovabio. A ANP está com uma consulta pública rolando sobre a revisão da Resolução 758, de 2018, que trata da certificação de biocombustíveis no Renovabio. Uma das medidas é a inclusão de requisitos gerais sobre a chamada cadeia de custódia, que quer dizer viabilizar uma gestão de dados para avançar na rastreabilidade da origem da matéria-prima até a fabricação do biocombustível. Uma audiência pública está marcada para início de fevereiro, vamos acompanhar.

CD: Certo, e qual a percepção sobre tudo isso do lado das distribuidoras?

CM: Camila, o programa Renovabio enfrenta uma questão séria relacionada à judicialização. Foi gerada uma grande insegurança jurídica depois que distribuidoras regionais entraram com liminares na Justiça contra as obrigações de aquisição de Cbios.

Chegamos a mapear mais de uma dezena de liminares contra o programa, algumas foram negadas, outras concedidas, mas até o momento não há uma decisão de mérito. E isso é muito importante, Camila, porque uma decisão de mérito tende a mudar o quadro completamente.

A gente não consegue se aprofundar muito no conteúdo das ações judiciais porque não tivemos acesso aos documentos, apenas conversamos com pessoas envolvidas. Agora, imagine se, por caso, essas distribuidoras conseguirem uma vitória no mérito, isso colocaria a sobrevivência do programa em risco. Por outro lado, se a União conseguir êxito na Justiça, esse capítulo da judicialização tende a ficar para trás e muita gente vai precisar correr atrás de Cbios.

Fora isso, Camila, o discurso de ambos os lados tem acirrado uma disputa envolvendo as regras do programa. Basicamente, dentre as principais críticas, o lado das distribuidoras gostaria de transferir a obrigação de compra no Renovabio para o setor de refino e importação e que o programa tivesse uma regra de venda do lado dos produtores.

Entendo que o principal risco dessa tensão toda seria se uma grande distribuidora acabasse aderindo essa via de judicialização contra o Renovabio.

Um total de 50 distribuidoras não cumpriu a meta de 2022. O resultado surpreendeu negativamente o mercado. Foram aposentados 33,2 milhões de Cbios até o prazo final de 30 de setembro deste ano, ou 92pc da meta total de 36 milhões de Cbios.

CD: Pois é, muito assunto para acompanharmos de Cbio, então gostaria de terminar esse episódio para falarmos um pouco da novidade que temos nos relatórios da Argus em relação aos Cbios...

CM: Com certeza, Camila, além da nossa cobertura analítica quinzenal sobre Cbios, a gente agora tem nos relatórios Argus Brasil Combustíveis e Argus Brazil Motor Fuels um acompanhamento diário dos preços dos Cbios, que ficam disponíveis em nossa plataforma. É bem interessante porque ali fazemos o levantamento dos preços e buscamos descrever o panorama dos preços e tendências daquele dia, em um comentário de mercado diário.

Seguiremos ligados aqui em como vão se desenrolar os próximos capítulos no mercado de Cbios.

CD: Com certeza, então fique ligado e acompanhe nosso conteúdo.

Conrado, muito obrigada pela sua participação.

Esse e os demais episódios do nosso podcast em português estão disponíveis no site da Argus em www.argusmedia.com/falando-de-mercado.

Visite a página para seguir acompanhando os acontecimentos que pautam os mercados globais de commodities e entender seus desobramentos no Brasil e na América Latina. Voltaremos em breve com mais uma edição do “Falando de Mercado”. Até logo!