• 14 de outubro de 2025
  • Mercados: Gas & Power

Com mais de 70 projetos em diferentes estágios de desenvolvimento, o Brasil desponta como um dos principais mercados para o hidrogênio verde. A produção nacional, que inclui rotas inovadoras como a conversão de etanol e biometano, busca atender tanto à demanda interna — especialmente na indústria de fertilizantes — quanto ao mercado externo. Apesar do avanço, gargalos na rede elétrica e desafios regulatórios ainda limitam o crescimento do setor e exigem investimentos para garantir competitividade. Para entender mais sobre hidrogênio verde, ouça a conversa entre Maria Albuquerque, especialista da publicação Argus Brasil Combustíveis, e Victor Uchoa, líder da área de consultoria da Argus para a América Latina. 

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Maria Albuquerque: Olá pessoal, sejam bem-vindos ao Falando de Mercado, a série semanal de podcast da Argus Media sobre os principais assuntos dos setores de commodities e energia. Eu sou Maria Albuquerque, especialista da publicação Argus Brasil Combustíveis.

No episódio de hoje, vamos falar sobre hidrogênio verde, suas aplicações no mercado, potencial de descarbonização e projetos em desenvolvimento no Brasil. Quem está aqui comigo para falar sobre o tema é o líder da área de consultoria da Argus para a América Latina, Vitor Uchoa.

Victor Uchoa: Oi Maria, sim, o hidrogênio verde é produzido pela eletrólise da água, usando eletricidade de fontes renováveis. Isso pode ser energia solar, eólica ou biomassa. 

Basicamente, o processo separa o hidrogênio do oxigênio da molécula da água, isso sem gerar CO2, o que torna uma alternativa bastante limpa comparada, obviamente, com os combustíveis fósseis. Mas o Brasil está, inclusive, inovando em rotas alternativas, fazendo a conversão do etanol em hidrogênio, que é um processo ou uma tecnologia que vem sendo testada pela Shell junto com a USP, e também outras alternativas, como a produção do hidrogênio verde a partir do biometano, que pode substituir a rota principal de produção do hidrogênio hoje, que é a partir do gás natural.

MA: Como o hidrogênio verde é usado na prática? Quais setores já estão utilizando essa commodity e quais podem se beneficiar no futuro?

VU: Maria, eu acho que antes até de falar do hidrogênio verde, é importante a gente falar como o hidrogênio hoje já é utilizado. 

Basicamente, o que existe hoje de produção no mundo é a produção do hidrogênio cinza, que é, como eu falei anteriormente, que é o hidrogênio produzido a partir de gás natural. Essa é a principal rota de produção. O hidrogênio é amplamente utilizado em refino de petróleo, principalmente para remover as moléculas de enxofre e melhorar a qualidade dos combustíveis, na produção de amônia, que é a principal base para os fertilizantes nitrogenados, e para a produção de metanol, que é utilizado em plásticos e combustíveis. 

O que vai acontecer, eventualmente, com um ganho de escala de hidrogênio verde, ou seja, você começar a produzir esse hidrogênio a partir de outras fontes, e não se limitando a regiões onde possui, por exemplo, gás natural a um custo competitivo, é o aumento da demanda e o aumento do consumo desse hidrogênio. E isso pode descarbonizar o que chamamos que são as indústrias de alta emissão de carbono, ou as indústrias intensivas em carbonos, como transporte rodoviário pesado, transporte por caminhões e ônibus, o setor marítimo, e também ser utilizado o hidrogênio como um vetor de armazenamento de energia, e isso deve acontecer utilizando a amônia como uma forma de armazenar isso de uma forma menos custosa e também mais segura.

MA: Como está o cenário global e brasileiro em relação ao hidrogênio verde? Já existem legislações de incentivo para o uso dessa matéria-prima?

VU: Existe sim, Maria, só que eles variam bastante de região para região. 

Os Estados Unidos, por exemplo, estão oferecendo já até 3 dólares por quilo de hidrogênio produzido. Isso via o modelo americano que chama IRA, que é o Inflation Reduction Act. Na Europa, esse incentivo pode ser até maior, chegando a 3 dólares e 50 centavos por quilo de hidrogênio. Porém, a Europa tem uma exigência de adicionalidade da energia renovável que está sendo utilizada para fazer a eletrólise da água. Essa energia renovável tem que ser adicional, não pode ser uma energia renovável que já existe, ou seja, precisa ser um novo projeto de energia renovável.

Então, Maria, o importante aqui é ressaltar que diversos países estão criando as suas legislações de incentivo, promovendo e fomentando a produção do hidrogênio verde. 

Por exemplo, aqui nos nossos vizinhos, o Chile e o Uruguai já têm legislações e estão já, inclusive, fazendo as suas revisões desses incentivos existentes nos seus países. No Brasil, já temos um avanço regulatório significativo. O Brasil criou o chamado PHBC, que é o Programa de Desenvolvimento de Hidrogênio de Baixo Carbono, e também criou um sistema de certificação do hidrogênio. 

Esse sistema visa garantir a interoperabilidade do sistema brasileiro, do hidrogênio brasileiro, com padrões internacionais, que vai ser muito importante se o Brasil estiver olhando os mercados de exportação, que é o caso dos projetos que estão sendo inicializados no Brasil. E, além disso, aprovamos créditos fiscais que vão chegar a uma ordem de R$18 bilhões para serem utilizados a partir de 2028 até 2032 por esses projetos pioneiros na produção de hidrogênio verde. 

MA: Sobre a produção, onde o Brasil se destaca?

VU: Sim, Maria, o Brasil se destaca porque, como sabemos, o Brasil tem uma matriz energética bastante limpa, com base de energia hídrica, as nossas hidrelétricas, mas, nos anos recentes, uma participação cada vez maior e significativa da energia eólica e solar também. 

Isso faz com que o Brasil se torne um dos melhores países do mundo para se produzir hidrogênio verde, uma vez que a nossa matriz energética aí chega a 85pc de participação de energias limpas, energias renováveis. Em função disso, hoje já tem mais de 70 projetos planejados no Brasil em diferentes fases de investimento, em diferentes fases de avanço e de maturidade.

O Nordeste vem liderando, é a região brasileira que está liderando esses projetos. Um exemplo que acho que é interessante a gente mencionar aqui é o projeto da Fortesco, que é um projeto que está acontecendo no Complexo do Pecém, no Ceará. Pode-se dizer que é o projeto mais maduro que existe no Brasil hoje, mas ainda sem decisão final de investimento.

Mas acho que um ponto importante é falar dos desafios também, Maria. Hoje temos gargalos, principalmente na rede elétrica brasileira, inclusive com alguns projetos tendo seus pedidos de conexão à rede elétrica negados. A ONS, que é a operadora do sistema elétrico brasileiro, tem uma preocupação bastante grande que esses projetos, porque eles são intensivos no consumo de eletricidade, venham a sobrecarregar o sistema interligado brasileiro. Então, precisa de uma série de investimentos no sistema de eletricidade brasileiro, principalmente nas linhas de transmissão, e isso só deve ocorrer a partir de 2026. 

MA: O Ministério de Minas e Energia, o MME, lançou no ano passado uma chamada pública para projetos de hidrogênio. Victor, explica pra gente o que foi esse processo e quais projetos destacaram? 

VU: Ótima pergunta, Maria. 

Sim, em outubro de 2024, o MME lançou essa chamada pública e recebeu 70 projetos de hidrogênio de baixa emissão, hidrogênio verde. Após uma análise técnica feita pelo MME, 25 projetos foram pré-selecionados e depois disso, 12 projetos foram classificados para compor o que chamamos de expressão de interesse do Brasil num programa internacional do Banco Mundial chamado Climate Investment Funds.

Esse programa do Banco Mundial está olhando para diversas regiões do mundo e tentando entender quais são os projetos mais interessantes, mais maduros e que têm maior chance de competitividade para o mercado global de hidrogênio verde ou de hidrogênio como um todo. 

No Brasil, esses 12 projetos que foram selecionados estão distribuídos por 7 estados diferentes e incluem, por exemplo, a iniciativa da Atlas Agro, que é a iniciativa de fertilizante verde feito em conjunto, um projeto em conjunto com a CEMIG em Minas Gerais, tem um projeto da Companhia Siderúrgica Nacional, da CSN, no Rio de Janeiro, entre tantos outros. Isso ilustra, Maria, o nosso potencial no cenário global, 12 projetos selecionados para esse programa do Banco Mundial e acho que o mais importante é a pluralidade desses projetos em regiões distintas no Brasil e visando indústrias e aplicações diferentes também. Obviamente que esses projetos ainda passarão para uma nova análise ainda em 2025, mas eles já representam um grande protagonismo brasileiro na pauta de descarbonização industrial. 

MA: Quanto à demanda, o Brasil tem mercado interno para o hidrogênio verde ou ele deve ser mais voltado para exportação?

VU: A resposta curta é sim, Maria, existe demanda porque nós já somos consumidores de hidrogênio. Obviamente, o hidrogênio existente hoje, que é o hidrogênio cinza a partir de gás natural, mas acho que uma possível entrada do hidrogênio verde em escala e trazendo isso, talvez até de maneira mais competitiva, obviamente que em um primeiro momento fazendo uso dos incentivos que existem, acho que isso pode destravar demandas adicionais para hidrogênio no nosso mercado interno.

Vale lembrar que o Brasil importa 80pc, 90pc dos fertilizantes que consome, nós somos um grande mercado, uma grande indústria agrícola, e acho que o hidrogênio verde pode ajudar a reduzir essa dependência externa da nossa utilização, do nosso consumo de fertilizantes. 

Mas acho que o grande foco dos projetos brasileiros sim, de fato, é a exportação, porque existe uma infraestrutura portuária no Brasil interessante, e uma localização estratégica também para endereçar mercados tanto europeu, americano, asiático. Se você olhar, por exemplo, o complexo do Pecém, no Ceará, é uma região bastante estratégica e importante para acessar esses mercados internacionais.

MA: O que impede ainda esse mercado de decolar?

VU: Acho que existem os gargalos de rede elétrica, como eu falei, acho que temos que fazer avanços no investimento da nossa rede elétrica para estar pronta para acoplar, para conectar esses projetos de hidrogênio verde. 

Eles são altamente intensivos em consumo de energia elétrica, mas também acho que falta um ecossistema mais maduro na cadeia de valor. Nesses projetos que estão sendo desenvolvidos, ainda não tem anúncios de off-takes, o que chamamos de clientes que já estão colocando seu compromisso de compra desse hidrogênio verde que vai ser produzido. Do ponto de vista regulatório, Maria, tem uma definição que tem causado um pouco de preocupação. 

O Brasil adotou um limite de 7kg de CO2 equivalente para cada kg de hidrogênio produzido para classificar esse hidrogênio como um hidrogênio de baixo carbono ou um hidrogênio verde. Esse limite é considerado brando internacionalmente perante as regulações e as certificações internacionais do hidrogênio verde. Isso pode fazer com que o nosso hidrogênio perca a credibilidade e também perca a oportunidade de entrar nesses mercados mais sofisticados, esses mercados mais maduros, como a Europa e os Estados Unidos. 

Além disso, Maria, eu acho que uma outra trava é a competição com outras tecnologias. Quando se fala, por exemplo, de armazenamento de energia, tem a competição com baterias. Quando se fala em descarbonização de indústria pesada, tem a captura de carbono, captura e armazenamento de carbono, chamado CCS, da sigla em inglês. 

Então, acho que existe a competição que o hidrogênio vai ter com outras tecnologias verdes que talvez estejam, inclusive, um pouco mais maduras. 

Do ponto de vista de incentivos, eu acho que existem as mobilizações, existem a regulação que está acontecendo no Brasil e isso é importante. Eu acho que também o Brasil tem assumido um pioneirismo na agenda de G20 e agora com a COP30 que vai acontecer no Brasil. Isso também deve abrir uma janela importante de oportunidade para o nosso hidrogênio verde aqui no Brasil.

MA: A área de consultoria da Argus já vem trabalhando em projetos de hidrogênio verde ao redor do mundo. Você pode comentar algum exemplo para a gente, Victor?

VU: Sim, Maria. Eu acho que vale lembrar, até antes da gente falar de um exemplo prático, que a consultoria da Argus é uma casa de inteligência de mercado, onde a gente faz muita modelagem de oferta e demanda, projeções de cenários futuros, análise de viabilidade de projeto e suporte regulatório para as empresas que estão querendo entrar no mercado, como o mercado de hidrogênio, que é um mercado ainda não maduro, com diversas incertezas, inclusive, do ponto de vista regulatório

Então, Maria, um exemplo prático poderia dar é o projeto que a gente fez aqui no Brasil, inclusive, com uma empresa que é uma produtora de energia renovável, ela já tem ativos produzindo energia renovável no Brasil e que está olhando uma possível expansão desse parque que ela tem de produção de energia renovável, mas em parceria com um desenvolvedor de projeto que está buscando desenvolver um projeto de hidrogênio verde para conversão em amônia e olhando possíveis mercados internacionais para exportação dessa amônia verde.

O nosso trabalho foi, em conjunto com esse cliente, entender, dentro dos possíveis mercados internacionais, onde existe uma puxada regulatória de demanda para esse hidrogênio ou para essa amônia verde e, dentro desses diferentes países ou possíveis mercados de exportação, qual que oferecia o melhor cenário econômico do ponto de vista de incentivos fiscais, incentivos, subsídios para se colocar essa amônia verde no país e, com isso, ter uma alternativa economicamente viável para a produção e exportação dessa amônia verde. 

MA: Obrigada, Vitor. Obrigada também a você que acompanhou mais um episódio do Falando de Mercado. Todos os episódios da série estão disponíveis no site argusmedia.com e nas principais plataformas de streaming. 

Nós voltamos na semana que vem com mais discussões sobre os mercados de commodities e energias no Brasil e no mundo. Até lá!