• 2 de junho de 2025
  • Market: Oil Products, Biofuels & Feedstocks

Criado para estimular a transição energética, o Programa Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) enfrenta um aumento de inadimplência que tem impactos diretos no mercado de etanol, com grandes usinas evitando vender a distribuidoras inadimplentes. Saiba mais sobre essa dinâmica acompanhando a conversa entre Marcos Mortari, editor associado do relatório Argus Brasil Combustíveis, e Maria Lígia Barros, especialista em etanol da publicação.

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Transcript

Maria Lígia Barros: Olá pessoal, sejam bem-vindos ao Falando de Mercado, uma série de podcasts semanais da Argus Media sobre os principais acontecimentos com impacto para os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo. Eu sou Maria Lígia Barros, especialista em etanol da publicação Argus Brasil Combustíveis, e o assunto de hoje é a inadimplência nos CBIOs e o impacto disso nos preços de etanol.  

Os CBIOs são instrumentos financeiros usados como incentivo para redução do uso de combustíveis fósseis dentro do Programa Nacional de Biocombustíveis, o RenovaBio. 

Quem está comigo hoje para falar sobre as dificuldades enfrentadas no RenovaBio e as consequências para os outros mercados é o editor associado do Argus Brasil Combustíveis, Marcos Mortari, que vai começar falando sobre o funcionamento do mercado de CBIOs. Oi, Marcos. 

Marcos Mortari: Oi, Lígia, tudo bem? É um prazer falar novamente aqui com os ouvintes da Argus, no Falando de Mercado. Vamos conversar sobre um assunto bastante interessante que tá dando que falar. Tem bastante assunto nesse tópico de CBIOs. 

Estamos vendo um momento decisivo para esse mercado, mas vamos pelo começo aqui. Os CBIOs são créditos de descarbonização e eles nasceram com o início da política nacional de biocombustíveis, o RenovaBio. O RenovaBio vem de uma lei de 2017 e os CBIOs nasceram, começaram a ser usados de 2019 para cá. 2019, 2020. Eles são negociados na B3. 

O CBIO, basicamente, equivale a 1 tonelada de carbono. Quando uma distribuidora, quando alguém consome um biocombustível, tá deixando de consumir um combustível fóssil e a eficiência em termos de emissão, a diminuição da emissão de carbono em relação ao combustível fóssil de referência, é o que é usado para esse cálculo dos CBIOs. 

Cada combustível tem a sua nota de eficiência e cada usina tem a sua nota de eficiência. Então, por exemplo, o biodiesel é usado em comparação com o diesel. Quanto a emissão de carbono é evitada com o uso de biodiesel, em vez de se usar o diesel, é usado para esse cálculo. Esse cálculo é feito com base nisso. 

O CBIO é usado como um incentivo para que produtores de biocombustíveis possam produzir mais, possam ganhar mercado e aí temos um estímulo a essa transição energética, a esse mercado de crédito de descarbonização. Podem emitir CBIO as usinas de biodiesel, as usinas de etanol e o etanol é bem maior nesse mercado, Lígia. Você que acompanha bastante de perto, acho que você consegue dar uma pincelada nos números para o nosso ouvinte. 

MLB: Isso, Marcos. O Brasil é muito forte na produção de etanol e temos 360 usinas de etanol operando no Brasil e dessas 80pc estão certificadas no RenovaBio, são 291. Os números são muito superiores aos do biodiesel. Nesse caso, são 58 usinas autorizadas e 39 certificadas, o que corresponde a 67pc. No caso do biometano é bem menos, são 12 autorizadas e quatro certificadas. 

E olhando para o etanol, ele é um mercado que se divide basicamente entre dois produtos. Temos o anidro e o hidratado. O etanol hidratado, ele tem um percentual de água misturado e ele é o que consumimos na bomba. Enquanto que o etanol anidro, ele tem bem menos água e é usado como uma mescla para a gasolina C, que abastecemos também nos postos de combustíveis. A ANP define regras específicas para comercialização de anidro. 

As distribuidoras então têm algumas opções de regimes de compra antecipada desse anidro. E uma das opções é através de contratos. No regime de contrato, a ANP pede que as distribuidoras comprem 90pc do volume que foi comercializado no ano anterior de anidro para o ano seguinte. Esses ciclos vão de 1º de junho a 31 de maio do ano no seguinte, ou seja, acabou de começar mais um ciclo. 

Só que a rodada de negociação desses contratos nesse ano teve um fator diferente, que foi justamente a questão da inadimplência do RenovaBio. Mudanças na lei tem balançado esse mercado, Marcos. 

MM: Com certeza, Lígia. Temos observado, um momento de muita expectativa do mercado com relação a essa questão dos inadimplentes. O que acontece? Inadimplentes são as distribuidoras que não estão cumprindo com as metas que foram estabelecidas. 

O RenovaBio determina que cada distribuidora registrada aqui no Brasil com autorização para funcionar tenha que aposentar um volume específico de CBIOs em um ciclo que é proporcional à participação de mercado de cada uma delas. Então, se você é uma grande distribuidora, você tem um volume maior de CBIOs que você precisa comprar durante um ciclo e depois aposentá-lo ainda até o final desse ciclo para que você cumpra com essas obrigações que foram determinados pelo Conselho Nacional de Política Energética, o CNPE. 

E de uns tempos para cá, víamos que estava crescendo. De 2022 para frente, foi crescendo o número de distribuidoras que não estavam cumprindo. Pela regra, uma distribuidora é enquadrada como inadimplente quando ela não cumpre pelo menos 85pc da sua meta no ano ou passa dois anos sem cumprir a meta. Pode ter cumprido 90% no ano, depois 90% no outro, enfim. Esse caso, ela também é enquadrada como inadimplente.  

As metas do RenovaBio são cumulativas. Se você não cumpre em 1 ano, ela se soma a sua meta do ano seguinte, então isso vira uma bola de neve. Cada vez mais, com o tempo, as distribuidoras que não estão cumprindo as suas obrigações há anos, elas têm uma participação maior sobre toda a meta que é determinada para aquele ano. Assim, o percentual de inadimplência vai crescendo e vai evoluindo e vai atrapalhando até a própria execução do programa. 

E o que observamos hoje é que o mercado ainda espera uma definição sobre o que vai acontecer de fato com essas empresas que não estão honrando com seus compromissos. No ano passado, no final do ano passado, foi aprovado uma lei no Congresso Nacional, sancionada pelo presidente Lula, que determinava que colocava regras mais duras de punição para as distribuidoras inadimplentes. A nova lei busca justamente trazer esse enforcement, que o mercado esperava para trazer de volta essas inadimplentes para o mercado. 

Isso no sentido de tornar a política pública mais crível, de fato, consolidá-la. Apesar desse longo tempo já de vigência do RenovaBio, ele vive um momento de questionamentos justamente por esse volume muito elevado de distribuidoras inadimplentes. O que que a nova lei traz? 

Ela determina que o não cumprimento da meta pelas distribuidoras inadimplentes pode constituir crime ambiental cometido tanto pela empresa, o CNPJ, quanto pelos seus diretores. Ela pega também o diretor no CPF. Isso para trazer de fato um rigor maior. Ela amplia a multa também para até para um teto de 500 milhões, antes o teto era de 50 milhões. 

Se você não cumpre a meta de CBIOs, ela é calculada proporcionalmente ao quanto você deve como distribuidor, ela também busca punir agentes da cadeia. Se você é uma usina, você não pode comercializar com uma distribuidora inadimplente. Então, você tem um cerco fechado por diversas frentes. Por parte do governo, da ANP, com essa nova legislação. 

A expectativa do mercado é que, de fato, isso traga de volta os atores que não estão em conformidade com a lei e isso certamente mexe com a demanda dos CBIOs. O que temos visto? Nós temos visto os CBIOs, os preços caírem muito ao longo dos últimos tempos. Agora ele tá numa num patamar de R60, mais ou menos. No momento que gravamos esse podcast, tá próximo nessa faixa, sendo que já bateu na máxima histórica mais de R200. 

 É um ativo que teve certa volatilidade, mas que na média ele é negociado, nos últimos anos ele vinha sendo negociado na faixa de R100 ou até mais. O atual patamar é considerado relativamente baixo em relação a essas médias. A expectativa é que, com a entrada, caso essas distribuidoras inadimplentes sejam empurradas de volta para dentro do programa, se vejam na necessidade de regularizar suas situações, isso traga uma demanda maior pelo papel e faça com que você tenha até uma valorização nos preços.  

Esse é o cenário atual que a gente vê. Mas o que acontece, desde que a lei foi aprovada, existiu uma euforia no mercado. O mercado esperava que isso gerasse, de fato, um maior cumprimento por parte das distribuidoras, mas um questionamento recente feito pela própria ANP para a Advocacia Geral da União sobre como aplicar essas regras, enfim, como elas funcionariam na prática, meio que jogou um balde de água fria no mercado.  

O entendimento jurídico sobre a aplicação dessa lei é que ela só vai valer a partir do ano que vem na prática. Porque essas regras mais duras, elas não podem valer por esse entendimento, para inadimplência passada. Ela não pode retroagir, o efeito dela não pode, você não pode tornar um crime ambiental uma multa em CBIOs adquirida em 2023. Então, esse ponto tirou um pouco a urgência, a percepção do mercado de que inadimplentes iria ao mercado para comprar CBIOs para regularizar a situação imediatamente. Isso tende a acontecer mais para 2026, então ainda estamos nesse compasso de espera. 

Mas o que foi surpreendente é que as usinas começaram a se movimentar, Lígia, no mercado de etanol. 

MLB: É isso, Marcos. O que acontece? Como os ciclos de contrato de etanol anidro vão de junho a maio do ano seguinte, significa que os contratos acertados agora ainda vão estar vigentes nos primeiros meses de 2026, que é quando espera-se que a lei comece a penalizar os agentes que negociam com os inadimplentes no RenovaBio. 

Então, as usinas, parte delas, pelo menos, algumas das maiores usinas de etanol que temos no Brasil, estão de maneira antecipada optando por não vender à distribuidoras inadimplentes em CBIOs. Isso dividiu o ciclo de negociações de contratos de etanol anidro entre o mercado adimplente, que é a maior parte, e o mercado inadimplente. E o que acontece? 

O etanol anidro é negociado por um prêmio em percentual em relação ao preço do etanol hidratado no spot, no mercado à vista. E no ciclo anterior, esse que acabou de acabar, vimos prêmios entre 13 e 14pc. Essa foi a faixa de preço do etanol anidro nos contratos. 

Nesse ciclo que estamos começando agora, o mercado, vamos chamar assim, o mercado adimplente negociou prêmios menores, de 12 a 13pc numa média de 12,5pc. O que pressionou esses prêmios? 

Foi o fato de uma oferta maior, já que estamos vendo a ascensão do etanol de milho com muita força num crescimento pujante de quase 30pc ao ano, bem como o fato de as saídas de vendas na bomba do etanol hidratado ainda estarem muito forte em detrimento do anidro, isso colaborou para maior disponibilidade de anidro à venda. Do lado da demanda, teve uma certa decepção do mercado com a falta de anúncios mais contundentes sobre a implementação do E30, que seria o aumento da mistura do etanol na gasolina, o que tinha potencial de aumentar essa demanda, mas aí o mercado não viu um cronograma de implementação desse E30 ainda e isso decepcionou essas expectativas de aumento de demanda.  

Além disso, o fato dessa divisão do mercado, de parte das usinas não quererem negociar, vender para inadimplente, diminuiu a demanda, o que também pesou sobre os prêmios. Do outro lado, na parte dos inadimplentes, teve usinas sim que topou vender para quem estivesse em desconformidade com o RenovaBio, mas nesse caso, eles cobraram prêmios mais altos para compensar o risco embutido nessa operação.  

Nós vimos relatos de prêmios de até 13,8pc nessa parte do mercado.  

MM: Muito interessante isso, Lígia, um prêmio de risco para cobrir o efeito jurídico de que essas usinas podem estar expostas no ano que vem.  

Só para dar um dado para o nosso ouvinte aqui, o Brasil hoje tem 160 distribuidoras que estão registradas, estão autorizadas a operar. Desse grupo, 61 iniciaram o ciclo de 2025 com menos CBIOs aposentados do que deveriam. E desse grupo de 61, 20 já entraram na justiça contra o programa e hoje mantém alguma decisão liminar favorável para evitar a aplicação de penalidades, segundo dados da ANP, que é o órgão regulador desse mercado.  

A dívida acumulada por essas inadimplentes soma 10,49mn de CBIOs, cerca de 21pc da meta agregada para esse ano. Se você imaginar aquele efeito de bola de neve que falamos, se não houver algo que puxa essas inadimplentes para a regularização, para de volta para esse mercado, esse share vai crescendo ainda mais, apesar do market share dessas empresas não ser ainda ainda tão grande. Essas empresas somam cerca de 10pc do market share. Se você pegar todas as as inadimplentes do ciclo de 2024. E esse é um ponto bastante sensível na discussão do mercado das distribuidoras. 

As grandes distribuidoras têm chamado muita atenção, ter reclamado de perda de market share para essas distribuidoras regionais e em parte por conta dessa questão das irregularidades, seja no não cumprimento de metas de CBIO, seja alguma irregularidade na mistura de de biodiesel no diesel. Esse tipo de comportamento que pode dar uma margem mais favorável, um poder de preço mais favorável em um mercado que é muito competitivo, é muito apertado, as margens são muito apertadas. 

MLB: Pois é, Marcos, agora resta saber se isso vai se refletir em alguma mudança na bomba, nos valores praticados para o consumidor final.  

MM: É verdade, Lígia. Ainda é muito cedo para trazermos uma projeção tão clara sobre isso, mas eu acho que essa questão do prêmio de risco pago pelos inadimplentes, pagando mais caro pelo etanol anidro em comparação com os adimplentes, já traz alguma sinalização interessante de como que o mercado pode se organizar daqui para frente. 

Isso traz algum equilíbrio no mercado que estava com algum com uma distorção, com uma vantagem competitiva dos inadimplentes que não pagavam por CBIOs. Eles não estão pagando CBIOs, mas eles vão pagar um etanol anidro mais caro nesse ciclo. Então, em alguma medida isso minimiza um pouco o efeito da vantagem que eles estavam tendo no mercado por não comprar CBIOs no quantitativo em que era demandado para eles pela política nacional de biocombustíveis, o RenovaBio.

MLB: É isso, Marcos, obrigada. Obrigada aos nossos ouvintes. Aqui na Argus, a gente faz o acompanhamento diário dos mercados de CBIOs e de etanol e voltaremos com atualizações em breve. Fique ligado!