• 16 de dezembro de 2025
  • Market: Oil Products
O aumento da mescla obrigatória de biodiesel no diesel limita a exportação de óleo de soja, principal insumo do biocombustível, e exige maior capacidade de processamento da oleaginosa. Natalia Dalle Cort e João Marinho, especialistas do relatório Argus Brasil Combustíveis, conversam sobre a cadeia de biodiesel e as tendências de precificação desses produtos.

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Natalia Dalle Cort: Com o aumento da mescla de biodiesel no diesel e a redução da disponibilidade do óleo de soja para exportação, como deve ficar a precificação do biocombustível no mercado doméstico? Esse é o tema do podcast de hoje. Eu sou Natalia Dalle Cort, especialista de biodiesel da Argus Media, e hoje converso com o João Marinho, responsável pela cobertura de óleos e gorduras.

Para começar, eu acho que vale trazer o que é a Lei do Combustível do Futuro. Ela visa impulsionar a transição energética e a descarbonização por meio do incentivo a combustíveis renováveis e novas tecnologias. Existem mandatos de aumento de mesclas de biocombustíveis nos combustíveis fósseis.

Hoje, a perspectiva de aumento da mescla do biodiesel no diesel é de 1 ponto percentual ao ano até 2030. Se a nossa mescla hoje é 15pc, em 2030 deve ser 20pc. Dito isso tudo, qual o impacto do aumento da mescla do biodiesel no diesel na dinâmica do mercado doméstico de óleo de soja, João?

João Marinho: Oi, Natalia. Primeiramente, é um prazer estar aqui com você. O aumento da mescla afeta totalmente a dinâmica do mercado de óleo de soja.

Isso porque o óleo de soja é o principal insumo utilizado na produção do biodiesel. Em 2024, foram produzidos 9 milhões de metros cúbicos de biodiesel no Brasil e o óleo de soja representou 72pc do total das matérias-primas utilizadas nessa produção. Neste ano, a produção já alcançou 8 milhões de metros cúbicos e a participação do óleo de soja cresceu para 74pc.

Ou seja, o óleo de soja é o principal fator de influência no preço do biodiesel. E o que a gente tem com o aumento da mescla em 1 ponto percentual por ano é um crescimento exponencial da demanda por óleo de soja no mercado interno. Só fazendo esse ajuste de 1 ponto percentual entre a mescla de 15pc e a de 16pc, a gente já vai ter um aumento da demanda de 6,6pc por biodiesel no mercado interno.

Isso desconsiderando a variação da demanda por diesel. Já a produção de óleo de soja no Brasil deve totalizar 11,7 milhões de toneladas agora, em 2024 e 2025. E no próximo ciclo, 2025 e 2026, essa produção de óleo de soja deve crescer para 11,9 milhões de toneladas.

Ou seja, um crescimento de 1,6pc. Nesse cenário, a gente está já notando uma redução da exportação de óleo de soja conforme vai crescendo a demanda por esse óleo no mercado interno. Em 2022, que foi quando a gente teve o recorde de exportação de óleo de soja, foram exportadas 2,4 milhões de toneladas.

De lá para 2024, esse volume caiu pela metade. Em 2024, ele totalizou 1,2 milhão de toneladas. A estimativa é de que as exportações agora, em 2025, devam totalizar por volta de 1,2 milhão também.

E no ano que vem, a ABIOVE já projeta uma queda para 1 milhão de toneladas exportadas. Então a gente está vendo que, conforme cresce a mescla, diminuem as exportações. Aproveitando esse gancho, com essa perspectiva de queda das exportações do óleo de soja, o que torna a referência do produto no porto de Paranaguá cada vez menos líquida, como deve ficar a questão da precificação do biodiesel, Natália?

NC: Ótima pergunta, João. É uma pergunta bem difícil de responder. Eu acho que o mercado se divide em opiniões.

Mas, para começar, eu vou falar um pouquinho da precificação do biodiesel. Hoje, a ANP determina que distribuidores de combustíveis comprem 80pc da sua necessidade de biodiesel por meio de contratos bimestrais. Os 20pc que sobram podem ser adquiridos por meio do mercado à vista, o spot.

Essa fatia dos contratos é negociada pela maior parte do mercado pelo modelo que pode ser um prêmio ou um desconto em relação ao preço do óleo de soja no porto de Paranaguá. Tem um cálculo, é mais complexo, eu acho que não vale trazer aqui para a nossa discussão, mas só para vocês entenderem, o preço do óleo de soja no porto de Paranaguá é a referência de prêmios ou descontos para o preço do biodiesel bimestralmente.

Agora, falando de perspectivas de mudanças na precificação do biodiesel, como eu já disse, a opinião dos agentes do mercado é bem diferente. Alguns acham que a fórmula vai continuar vigente, não tem para onde fugir. Isso porque ela funciona como uma referência para estratégias de proteção e ela também já está ganhando mais maturidade no mercado, a galera já está mais acostumada. Outros acham que ela não funciona corretamente.

Um exemplo dado foi que, recentemente, o preço do óleo de soja no mercado interno, no Mato Grosso, estava superior aos preços de exportação, o que é bem complexo. E ainda há quem pense que, apesar do aumento da demanda pelo produto para produção de biodiesel, a capacidade de processamento dos grãos deve acompanhar e atender o mercado nacional e de exportação. Dentre os problemas citados pelas fontes que eu conversei, um incômodo hoje é trabalhar com uma tela um mês à frente, Chicago mais um.

Isso porque o cálculo dos volumes contratados, a gente observa os contratos futuros de óleo de soja na Bolsa de Chicago, mais ou menos o valor do preço do produto no mercado brasileiro. O produtor fica inverso ao mercado.

A fonte que eu conversei me disse que o ideal seria se parecer com o mercado de óleo de soja. Você precifica antes do carregamento. Tela presente e não futura. Para quem é produtor de biodiesel verticalizado, aquele que processa a soja, vende o óleo e também faz o biodiesel, dá para se ajustar melhor.

Agora, quem não é verticalizado, compra a matéria-prima antes de vender o biodiesel e pode ter prejuízo no final. Outro problema citado é que hoje existe um descolamento entre o preço do óleo de soja em Paranaguá e o mercado físico, que é meio parecido com isso que a gente disse anteriormente. Alguns momentos o produtor paga mais caro no óleo do que o preço que está sendo negociado o biodiesel.

É possível que isso só piore com o aumento dos mandatos de biodiesel, mesmo com o crescimento da capacidade de processamento de soja. É verdade que ano após ano as culturas de soja estão sendo maiores, mas ao mesmo tempo nós exportamos a maior parte do produto. E isso pode se tornar uma grande pauta quando começar a prejudicar muito as negociações mesmo.

Mas, ainda assim, o mercado vai precisar de algum tempo para pensar em uma solução e amadurecer o que pode ser feito. Bom, João, dito tudo isso, o que a gente pode esperar do futuro do mercado de biodiesel ou não, quais são as alternativas de precificação além do óleo de soja no porto de Paranaguá para os produtores do biodiesel? O que você acha?

JM: Bom, Natália, já tem algumas empresas que inclusive não seguem o modelo de fee, ainda são uma minoria, mas elas precificam os seus volumes contratados bimestralmente com base no mercado interno, e eu acredito que essa é uma alternativa. Como você bem citou, o mercado interno tem um descolamento com o mercado de exportação e recentemente a gente tem visto que em alguns momentos o preço no mercado interno, principalmente ali no Mato Grosso, chega a ficar mais alto do que o preço para exportação. Então isso gera um problema, porque você acaba tendo que fazer um ajuste na hora de fechar os contratos para compensar essa diferença.

Quando você precifica já os seus contratos com base no mercado interno, você não fica sujeito às variações do óleo de soja no mercado americano e você não fica sujeito às variações do preço do óleo de soja para exportação. Então o que pode ser feito por alguns produtores ou pelo mercado como um todo daqui para frente é adotar referências no mercado interno, referências de preço no mercado interno, para se proteger das oscilações de um mercado que é totalmente descorrelacionado com o mercado brasileiro. A gente sabe que existem diferenças entre as regiões produtoras de óleo de soja, a gente sabe que o preço às vezes é um no Mato Grosso, é um em Goiás, é um no Rio Grande do Sul, então ainda tem uma grande discussão de como cada produtor vai se ajustar, qual que seria a referência ideal para cada produtor fechar o contrato, mas é importante saber que sim, não é preciso, não é necessário ficar à mercê do modelo difícil como você citou.

Mas além disso tudo, aproveitando esse momento, eu acho que é importante a gente falar sobre como o cumprimento da mescla, esse aumento da mescla não está seguindo exatamente o calendário definido na Lei do Combustível do Futuro. Houve atraso do aumento da mescla em 2025.

O B15 entrou em vigor somente em agosto. Você acredita que existe chance de um novo atraso da mescla em 2026?

NC: Houve atraso do aumento da mescla de 14pc para 15pc que estava programado para março deste ano, só entrou em vigor em agosto. O CNPE deu uma justificativa de preocupações inflacionárias, por isso não entrou em vigor na data planejada. Mas agora nós estamos esperando uma nova fase de teste das mesclas entre o B16 e o B20, divulgadas recentemente pelo MME.

Esses testes podem ser finalizados até agosto do próximo ano, ou seja, tem um tempo maior do que o previsto para a implementação do B16. Então isso dá a entender que o B16 não vai acontecer em março do ano que vem, mas enfim, não podemos cravar nada aqui. Além do prazo para agosto de 2026, ele também pode se estender para janeiro de 2027, é isso que está lá no calendário do MME.

Após essa fase de testes até o B20, tem outra que vai se dar até o B25. Esse período vai ser entre agosto e dezembro de 2027. Então a gente tem essas perspectivas aí de testes para o mercado.

Existem algumas pessoas, algumas instituições, enfim, que acham que o biodiesel causa alguns problemas, mas o MME está disposto a ir ouvir e ver as pesquisas que forem realizadas no mercado para assim tomar alguma decisão. Em compensação, os produtores de biodiesel estão muito otimistas sobre o aumento das mesclas, por mais que entre com atraso. Muitos deles estão investindo em aumento de capacidade de produção e outros ainda estão construindo usinas do zero.

Agora, falando da indústria de processamento de soja, você acha que eles estão se preparando também para atender essa demanda, João?

JM: Com certeza a indústria de processamento de soja vai continuar investindo no aumento da capacidade, Natália. A gente já vem acompanhando um crescimento da capacidade de processamento de soja ao longo dos últimos anos. Em 2024, essa capacidade instalada ativa era de 204.700 toneladas por dia. Em 2025, a capacidade instalada ativa chegou a 219.800 toneladas por dia e acreditamos que esse volume de processamento deve crescer ainda mais em 2026.

Agora, a questão que vai determinar de fato quanto de soja vai ser processada e quanto de óleo vai ser produzido é a disputa entre a indústria doméstica de processamento e a demanda de exportação de soja em grãos. A gente viu que as exportações de soja em grãos totalizaram 106 milhões de toneladas no ciclo 2024-2025 e devem totalizar 112 milhões de toneladas no ciclo 2025-2026, segundo dados da Conab.

Nesse cenário, com a exportação aquecida, com o aumento da demanda da China, que é o principal consumidor da soja brasileira, a gente pode ver um cenário um pouco mais delicado para o mercado interno de processamento, mas eu acredito que não deve faltar soja porque a gente está diante de uma expectativa muito forte de uma safra recorde novamente no ciclo 2025-2026.

NC: Interessante, João. O produtor de soja sempre vai pensar o que vale mais a pena para ele. Vou processar, vou ganhar dinheiro com óleo, com farelo ou vou exportar o grão.

O que vale mais a pena para mim, correto?

JM: Exatamente.

NC: Bom, por hoje é só, pessoal. João, muito obrigada por participar desse podcast aqui comigo. Numa próxima, a gente volta para trazer mais informações sobre o mercado de biodiesel e insumos para vocês.

Continuem acompanhando os podcasts da Argus e até a próxima.