• 28 de novembro de 2025
  • Market: Oil Products
A COP30 terminou sem a definição de um roteiro para superar a dependência global dos combustíveis fósseis. O que travou o avanço das discussões? Saiba sobre os bastidores da conferência climática nesta conversa entre Camila Fontana, chefe adjunta da redação da Argus no Brasil, e o editor Lucas Parolin, que participou do evento em Belém.  

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Camila Fontana: A COP30 terminou em Belém com a transição dos combustíveis fósseis dominando as discussões. Alguns delegados ficaram um pouco desapontados com as conclusões, mas não necessariamente pelos mesmos motivos. Eu sou Camila Fontana, chefe adjunta da redação da Argus no Brasil e hoje eu converso com o Lucas Parolin, editor da Argus no Brasil que acompanhou o evento de perto entre 10 e 22 de novembro junto com outros colegas da Argus

Ele vai contar para a gente os principais destaques. Bem-vindo de volta, Lucas. 

Lucas Parolin: Oi, Camila. Obrigado pelo convite. 

CF: Começando pelo que parece ter sido o grande tema das duas semanas. Um mapa do caminho global para a transição dos combustíveis fósseis. E aí? 

LP: Pois é, Camila. Acho que esse é um bom ponto de partida. Mas para falar disso na COP30, na verdade a gente precisa voltar um pouco no tempo lá na COP28 em Dubai em 2023. 

Nela, os países concordaram em iniciar uma transição para sair dos combustíveis fósseis. Foi considerado histórico, porque foi a primeira vez que uma COP mencionou explicitamente combustíveis fósseis. Antes eles só colocavam carvão nos textos. 

Mas esse impulso acabou se perdendo na COP29 no ano passado, que focou muito em financiamento climático. Aí, poucos dias antes da COP30, o presidente Lula falou da necessidade de criar um roteiro para superar a dependência global dos fósseis. E também reverter o desmatamento durante uma cúpula de líderes lá em Belém. 

Isso foi visto como um sinal muito forte e vários países, tanto desenvolvidos quanto latinos-americanos e nações-ilha, decidiram levar o tema para a COP30. 

CF: Teve a declaração, mas aí as negociações começaram. E a presidência brasileira conseguiu algumas vitórias logo de cara, foi isso? 

LP: Foi isso mesmo, Camila. A primeira grande vitória foi conseguir que os delegados aprovassem a agenda rapidamente. Parece uma coisa trivial, mas já teve muita briga em outros encontros climáticos só para definir a pauta. 

O jeito que a presidência brasileira conduziu esse consenso foi até bastante elogiado. Tinha oito propostas de agenda, mas quatro eram muito polêmicas. Medidas comerciais unilaterais, obrigações de financiamento climático, respostas aos planos nacionais de clima e relatórios de emissões. 

O que o Brasil fez foi tirar esses itens da agenda principal e colocá-los em consultas informais. Isso ajudou as conversas a fluírem melhor e garantiu pelo menos algum avanço nesses quatro pontos. 

CF: As conversas sobre o mapa do caminho para a transição de combustíveis fósseis ficaram nesse espaço informal, foi isso? 

LP: Foi isso mesmo. Países discutiam o mapa, mas nunca em mesas formais de negociação, de acordo com Túlio Andrade, o diretor de estratégia e alinhamento da COP30. Além disso, o presidente da COP30, André Correa do Largo, repetia sempre que o Brasil só estava seguindo o que dizia seu plano climático, que fala em acolher o início de trabalhos internacionais sobre cronogramas para a transição dos combustíveis fósseis. 

Teve até um momento bem engraçado, viu, Camila? Depois de três dias respondendo a mesma pergunta, o Correa do Lago tirou o celular do bolso e disse assim para os repórteres. Vocês querem que eu leia o plano climático do Brasil para vocês? 

E não era sua presidência falando isso. Eu fui numa reunião que um delegado alemão disse que o tema tinha saído das salas e ido para os corredores da COP30. Eu também assisti um painel com representantes da Nigéria, Fiji e Cazaquistão, todos defendendo que a transição fosse tangível, não só retórica. 

Então a gente pode dizer sim que o assunto ganhou muita força na primeira semana. 

CF: E como foi na segunda semana? 

LP: Bom, lá no dia 18 de novembro, que era uma terça-feira, saiu um primeiro rascunho do texto final. Ele mencionava a transição, esse mapa do caminho, mas com várias opções, inclusive a opção de não ter menção nenhuma. No mesmo dia, um grupo de ministros anunciou uma coalizão de uns 80, 85 países apoiando o mapa do caminho. 

Eles, inclusive, chamaram esse primeiro rascunho de muito fraco. O ministro britânico Ed Miliband disse que o tema estava no coração da COP30 e não podia ser varrido para debaixo do tapete. Mas teve alguma oposição, claro. 

Claro. O Correia do Lago disse que alguns países ainda estavam muito relutantes em aceitar a inclusão desse roteiro nos textos finais. 

CF: Ele se referia a grandes produtores como Rússia, Índia, Arábia Saudita? 

LP: Com certeza, Camila. Mas não são só eles, tá? Muitos países em desenvolvimento também resistiram. 

Vamos usar a Nigéria como exemplo. A gente está falando de um país que depende fortemente dos combustíveis fósseis. Eles representam cerca de 80pc da economia do país e cerca de 40 gigawatts de geração elétrica vem deles. 

Então é difícil abrir mão. Mas o país reconhece os riscos e fala em ativos encalhados e da necessidade de diversificar. Outros países africanos, como Uganda e Tanzânia, argumentam que qualquer plano de se afastar dos combustíveis fósseis ameaça o direito deles ao desenvolvimento e à segurança energética. 

Mas é importante dizer que o mapa do caminho também teve apoio de outros países africanos, como Quênia e Sierra Leone. 

CF: Lucas, a gente não tem como falar dessa COP sem mencionar o incêndio? 

LP: É verdade, Camila, não tem. Vamos falar do incêndio da COP. No dia 20 de novembro, lá pelas duas da tarde, um incêndio começou no pavilhão da Blue Zone, onde rolam as negociações. 

Não sei se vocês viram os vídeos, mas foi um incêndio grande, o fogo era alto. Todo mundo, inclusive os negociadores, foi evacuado, as plenárias foram adiadas, e o espaço só reabriu à noite. Isso com certeza atrasou um pouco as decisões. 

Ninguém se feriu gravemente, mas umas 20 pessoas precisaram de atendimento médico por inalação de fumaça. Que susto, né? 

CF: Mas voltando às negociações, na sexta sai um novo texto sem menção aos fósseis. 

LP: Exatamente, Camila. O texto falava só da missão Belém para 1,5°C, focando em implementar os planos nacionais. Os países para o mapa do caminho ficaram decepcionados. 

O comissário europeu, Wopke Hoekstra, chamou o texto de inaceitável. A ministra colombiana Irene Vélez Torres disse que o mapa do caminho não era apenas necessário, mas inevitável. Teve um delegado do Panamá que chamou a ausência da menção aos combustíveis fósseis de simplesmente inaceitável. 

CF: Palavras fortes, mas, no fim, não adiantou. 

LP: Não adiantou, Camila. A COP entrou em prorrogação, como costuma acontecer, mas os textos finais no sábado não mencionaram combustíveis fósseis. A Colômbia chegou a ameaçar não aceitar um dos textos sem essa menção. 

A Arábia Saudita e a Rússia reagiram, outros países latino-americanos retrucaram, meio que comprando a briga. Foi um pouco dramático, mas a decisão já estava tomada. O, digamos assim, prêmio de consolação foi a promessa da presidência brasileira de elaborar um roteiro, um mapa do caminho, e apresentar isso na COP do ano que vem, na Turquia. 

A presidência turca também disse que o tema vai aparecer lá. 

CF: Então o assunto ainda não terminou. 

LP: Com certeza não, Camila. Vai dar muito pano pra manga. A Colômbia, que eu mencionei mais cedo, vai sediar em abril uma conferência sobre a transição para a saída dos combustíveis fósseis. 

E os delegados prometeram continuar o debate em Bonn, que é uma outra conferência climática, no ano que vem. 

CF: Para além do mapa do caminho, quais foram as principais decisões dessa COP30, Lucas? 

LP: Olha, Camila, teve algumas. Vou mencionar só algumas delas. Primeiro, os países concordaram pela primeira vez em um conjunto de indicadores comuns para medir a preparação contra eventos climáticos extremos. 

Isso dá uma estrutura mais clara para todos os países acompanhar a resiliência contra eventos climáticos, embora alguns deles tenham dito que faltou um pouco mais de ambição. Segundo, os países concordaram em pelo menos triplicar o financiamento para adaptação, com o objetivo de apoiar países mais vulneráveis às mudanças climáticas. O texto pede que isso aconteça até 2035, mas alguns países queriam que fosse até 2030. 

Teve também um certo avanço sobre medidas comerciais unilaterais. O texto afirma que as medidas adotadas para combater as mudanças climáticas, incluindo as unilaterais, não devem constituir um meio de discriminação arbitrária ou injustificável, nem uma restrição disfarçada ao comércio internacional. Calma que eu vou traduzir. 

Os países até podem adotar medidas climáticas, mesmo sozinhos, mas elas precisam ser genuinamente ambientais. Não pode ter pegadinha que dificulta o comércio internacional, entendeu?

CF: Algum destaque a mais? 

LP: Teve, Camila. Eu acompanhei lá digamos assim, uma trama secundária que eu achei bem curiosa. O primeiro rascunho sobre transição justa mencionava pela primeira vez a necessidade de equilibrar minerais críticos, e o que eu quero dizer com minerais críticos? 

São cobre, lítio, níquel, cobalto, terras raras, essas coisas, de forma justa e sustentável. Isso foi bastante comemorado por alguns, só que também acabou ficando de fora dos textos finais. Ainda assim, essa primeira menção foi visto como um avanço inicial, e pode acabar aparecendo em futuras Cops. 

Eu também preciso falar que houve discussões sobre reverter o desmatamento, mas o assunto não ganhou tanto espaço assim quanto se esperava numa Cop na Amazônia. Mais uma vez, o Brasil prometeu apresentar um mapa do caminho sobre esse assunto no ano que vem. 

CF: Semanas muito intensas pra você, Lucas. Bem-vindo de volta. Obrigada por compartilhar essa sua experiência com a gente. 

Obrigada a você que nos ouviu. A Argus acompanha de pertinho os mercados de commodities no Brasil e no mundo. Confira mais episódios do nosso podcast nas principais plataformas de streaming. 

Até a próxima.