• 1 de abril de 2025
  • Market: Oil Products, Jet Fuels

O setor aéreo global aposta no combustível sustentável de aviação (SAF) para reduzir suas emissões de carbono. No Brasil, programas governamentais incentivam a produção a partir de fontes renováveis, como o óleo de macaúba. Saiba mais sobre o tema nessa conversa entre João Curi, integrante da equipe responsável pelo relatório Argus Motor Fuels Brazil, e Camila Fontana, chefe adjunta de redação da Argus no Brasil.

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Camila Fontana: Olá pessoal! Estamos de volta com mais uma edição do “Falando de Mercado”, uma série de podcast semanais da Argus Media sobre os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo.

Eu sou a Camila Fontana, chefe adjunta de redação da Argus no Brasil, e hoje meu convidado é o João Curi, integrante da equipe responsável pelo relatório Argus Motor Fuels Brasil, que veio aqui para falar sobre o combustível sustentável de aviação.

Esse combustível é produzido a partir de fontes renováveis e também é conhecido como SAF, que é a sigla em inglês para Sustainable Aviation Fuel. João, eu acho que vale a pena a gente começar falando do contexto e da importância de diminuir a poluição causada pelos voos.

João Curi: Claro, inclusive obrigado por me receber. Essa linha do tempo é bem fácil de entender. Em 2014, o setor de aviação foi responsável por 2pc das emissões globais de gás carbônico, o co2. 

A partir de 2020, houve um esforço da Organização da Aviação Civil Internacional, conhecida como ICAO na sigla em inglês, para lançar o programa CORSIA.

Ele estima a redução e a compensação das emissões de carbono provenientes principalmente dos voos internacionais — então os domésticos estão fora dessa conta — para atingir o crescimento neutro do carbono, sem comprometer também o crescimento do setor, que prevê muitos aumentos, principalmente de frota e de estabelecimento de novas rotas.

A primeira fase do CORSIA é de uma adesão voluntária que começou ano passado e vai terminar agora em 2026. A segunda fase já é uma adesão compulsória que vai prever a compensação por créditos de carbono ou o uso do SAF a partir de 2027 até 2035.

Aqui no Brasil, a Lei do Combustível do Futuro estabeleceu programas de incentivo à pesquisa, à produção, à comercialização e ao uso de biocombustíveis, principalmente o SAF, para promover a descarbonização da matriz de transportes.

No setor aéreo, o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação, que a gente gosta de chamar de ProBioQAV, que é muito mais fácil, exige que o setor de aviação vai reduzir em, pelo menos, 1pc as emissões de GEEs em voos domésticos, isso a partir de 2027. E ai essa mescla vai aumentando gradualmente até 10pc a partir de 2037.

CF: De uma forma ampla, João, qual que é o posicionamento dos principais agentes desse mercado aqui no Brasil?

JC: Bom, a Agência Nacional de Aviação Civil, a ANAC, ela apontou que a regulação do biocombustível é um dos principais expoentes. Isso vai ser somado ao incentivo de políticas públicas, como os financiamentos do BNDES, que também vão aumentar a oferta e estimular o setor a cumprir essas reduções de emissões do GEEs, que são os gases de efeito estufa.

O Ministério de Minas e Energia também projetou investimentos: chegou a 17 bilhões e meio de reais em SAF e no diesel verde. Isso entre 2025 e 2034. Foi anunciado no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça pelo ministro.

E os principais insumos que a gente prevê para esse setor, principalmente a partir de 2027, são quatro. A gente vai ter a produção de SAF a partir de óleo de soja, a partir de óleo de palma, o etanol — que é conhecido como rota alcohol-to-jet (ATJ) — e o óleo de macaúba.

CF: Macaúba é uma palmeira, né? É uma aposta muito grande do setor. Quais seriam as vantagens desse insumo em relação aos outros?

JC: A aposta na macaúba é muito interessante. A gente teve a oportunidade de conversar com a ACELEN sobre isso, que é a empresa responsável por essa novidade e por esse expoente do setor.

O óleo da macaúba oferece um rendimento maior, então são de 7 a 10 litros de óleo por hectare a mais do que o óleo de soja, que é o principal competidor dele no ramo. E não compete com a indústria alimentícia, que é também um fator negativo do óleo de soja. Mas ele participa, por exemplo, da indústria farmacêutica. Ele tem utilidades muito forte no cosméticos.

Além disso, as palmeiras de macaúba, também conhecidas como coco de espinho, dependendo da região, elas crescem em terras degradadas. Isso também é um fator ambiental muito positivo, considerando que o Cerrado, que é onde elas são plantadas, principalmente, cobrem aí 1/4 do nosso país.

CF: Saindo aí dessa discussão sobre o insumo, a discussão sobre o SAF, ela não é nova. A necessidade de redução das emissões da aviação comercial também não é uma novidade, né? E o que retardou o avanço do SAF até agora?

JC: Essa foi uma pergunta que eu me fiz durante todo o processo de cobertura. Eu inclusive tive oportunidade de perguntar para a ANAC e ela aqui revelou que, há dez anos, o setor ainda tinha algumas dúvidas quanto a segurança das operações usando o SAF.

Então, quando a gente considera o setor aéreo, tem uma preocupação muito forte quanto a segurança das operações, principalmente quanto ao combustível. Se a gente vai mudar um fator dessas operações e eles significam um risco aos clientes, um risco às operações, isso pode ser um assunto muito delicado e difícil de inovar.

Então essa inovação teve uma resistência muito forte e, graças à forte regulação e aos estudos no mundo inteiro, principalmente na Europa, o SAF ele já cumpre hoje em dia com as demandas de semelhança físico-quimica.

Eles queriam um combustível que já funcionasse nas aeronaves que já existem, então eles não vão renovar a frota inteira. Eles querem o combustível que já se adeque ao que já existe.

E isso entra naquela questão de ser uma alternativa aos combustíveis fósseis de hoje em dia, o querosene, mas ainda não pode ser usado integralmente, então esse é um fator ainda negativo. Eles nos explicaram que existe um limite de 50pc no mix em decorrência das restrições técnicas que o setor ainda está enfrentando e aos novos estudos que ainda estão em avanço.

CF: No panorama global, qual que é a posição do Brasil? Ele está mais adiante, está mais atrasado...

JC: No contexto global, apesar de algumas mobilizações mais avançadas na Europa e nos Estados Unidos, o Brasil ainda vai assumir a vanguarda né, disseram para a gente. Ele tem uma produção de SAF com potencial imenso, principalmente pelo potencial do Brasil de usar recursos naturais.

A abrangência que a gente tem no nosso território, com essa disponibilidade de oferta, quanto pelo consumo, porque o Brasil é o segundo maior setor de aviação civil do mundo, quando a gente considera em quantidade de aeronaves, está atrás apenas dos Estados Unidos.

Em entrevista à Argus, por exemplo, o presidente da Honeywell, José Fernandes, ele apontou para a gente que o Brasil tem o potencial, inclusive, de ser líder na transição energética global.

CF: Antes de a gente encerrar, o que falta para o mercado de SAF decolar no Brasil?

JC: Essa também é uma pergunta que eu fiz, principalmente para as autoridades do mercado. Então, de olho em 2027, a gente entende que esse vai ser o ano do SAF.

Basicamente, o setor aéreo está muito preparado para aderir a mescla de 1pc do SAF sob o pretexto da descarbonização. Então, como o Conselho Nacional de Política Energética, o CNPE, ele é responsável por estabelecer essas metas de redução mínima de GEEs — que são os gases de efeito estufa — a mescla pode tanto aumentar, quanto estagnar nos próximos anos.

Isso porque vai depender das demandas do setor. Então, se está funcionando para todo mundo, porque eles não querem complicar a oferta comercial, não querem encarecer as passagens porque tem todo o incentivo do governo para permitir com que a população tenha mais acesso a ofertas de passagem aérea — doméstica e internacional — e as necessidades do setor no que diz respeito a oferta.

Então, se faltar oferta, eles não vão considerar prejudicar o produtor ou as companhias aéreas. Eles vão querer facilitar para o setor que está em crescimento e tem projeção de crescimento ainda maior.

Então, essa flexibilidade, ela vai variar de acordo com o impacto desses custos, tanto no preço final quanto na disponibilidade da oferta do SAF. Por exemplo, a lei, ela prevê que companhias aéreas sem acesso a biocombustível, ao SAF, em aeroportos, por exemplo, estão isentas das metas mínimas de redução.

Então, com isso já dá para entender que o setor avança a passos curtos e receosos, com uma transição que vai acontecer e tem data marcada, que é 2027.

CF: Nós dois voltaremos a conversar sobre transição energética, né João, que é um dos pilares da cobertura da Argus Media. Muito obrigada ao João, muito obrigada aos nossos ouvintes.

Este e os demais episódios do nosso podcast em português estão disponíveis no site da Argus em www.argusmedia.com/falando-de-mercado

Visite a nossa página para saber mais sobre os acontecimentos que pautam os mercados globais de commodities. A gente volta em breve com mais uma edição do “Falando de Mercado”. Até a próxima!