• 18 de agosto de 2025
  • : Oil Products, Road Fuels

Autoridades paraguaias buscam junto à Argentina uma solução para assegurar  o abastecimento de combustíveis que chegam pelo país vizinho. Sem costa marítima e sem refinarias, o Paraguai depende do Rio Paraná Guazú para importar o combustível que consome. Neste episódio, Flávia Alemi, especialista em diesel e gasolina da Argus, e Camila Fontana, chefe adjunta da redação no Brasil, falam sobre os desafios logísticos ao suprimento na região.

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Transcript

Camila Fontana: Olá, sejam bem-vindos a mais um episódio do Falando de Mercado, o podcast da Argus que acompanha os principais movimentos dos setores de energia e commodities na América Latina. Eu sou Camila Fontana, chefe adjunta da redação da Argus no Brasil, e hoje eu estou com a Flávia Alemi, especialista em diesel e gasolina e colaboradora dos relatórios Argus US Products e Argus Latin Energy Markets. 

Flávia, hoje a gente vai falar sobre um tema que está movimentando os bastidores diplomáticos, os bastidores logísticos entre Argentina e Paraguai que é a zona de transbordo no quilômetro 171 no rio Paraná Guazú. 

Flavia Alemi: Oi, Camila, muito obrigada por me receber. Pois é, esse tema gerou bastante temor nos importadores paraguaios nas últimas semanas porque o quilômetro 171 é uma área estratégica para o transbordo de combustíveis líquidos que chegam ao Paraguai e que funciona da mesma maneira há décadas.

Basicamente, os navios de médio alcance – os MRs – eles chegam ao quilômetro 171, são amarrados ao lado de barcaças e transferem a carga diretamente para elas. Depois essas barcaças são empurradas rio acima por rebocadores. Apesar dessa zona ser amplamente utilizada há muitos anos, em junho desse ano a alfândega da Argentina anunciou que pretendia suspender as operações no local o que gerou bastante preocupação em Assunção.

CF: Mas qual foi o motivo alegado pela alfândega? 

FA: O que o documento dizia era que a alfândega argentina havia consultado a prefeitura naval argentina sobre se o quilômetro 171 tinha autorização para operar como porto e a prefeitura naval respondeu que não. Então, a alfândega decidiu suspender as operações dali a 30 dias.

CF: Pelo que você disse, uma suspensão abrupta poderia causar um chacoalhão, digamos assim, no abastecimento de combustíveis do Paraguai, especialmente em um momento de alta demanda. E existem também poucas alternativas logísticas viáveis.

FA: Exatamente. Eu preciso informar para quem não está familiarizado com as operações no Cone Sul que o Paraguai não explora petróleo, nem tem refinarias. Então é um país que precisa importar absolutamente todo o combustível fóssil que consome. 

Além disso, o Paraguai também não tem saída direta para o mar, então o quilômetro 171 acaba sendo um hub logístico crucial para o suprimento de combustíveis. O problema é que o quilômetro 171 fica em território argentino.

CF: Quer dizer que o suprimento de combustíveis do Paraguai depende totalmente do vizinho? 

FA: Exato. E como a decisão foi comunicada apenas para os armadores fluviais por meio de um aviso da alfândega – ou seja, não teve uma divulgação oficial mais ampla – surgiu muita especulação nos primeiros dias, inclusive dúvidas sobre se a decisão era realmente verdadeira. 

Teve gente que inclusive levantou a hipótese de ter sido um erro cometido por funcionários da aduana mas, no final, o que eu soube é que até os presidentes Javier Milei, da Argentina, e Santiago Peña, do Paraguai, falaram sobre o tema na cúpula de chefes de estado do Mercosul que aconteceu no comecinho de julho.

CF: Um tema de conversa de altíssimo nível entre os dois presidentes, algo realmente importante. No final, o que aconteceu? 

FA: No dia 8 de julho, depois de dias de incerteza, o diretor da alfândega do Paraguai anunciou nas suas redes sociais que havia chegado a um acordo com a Argentina para estender as operações no quilômetro 171 da maneira como elas estão por mais dez meses. Uma semana depois, a informação foi formalizada pela alfândega da Argentina que também disse que foi acordada a criação de uma mesa de trabalho binacional que teria representantes dos dois governos e também do setor privado para discutir o futuro dessa zona.

CF: Flávia, o que a gente sabe sobre o cronograma dessa mesa de trabalho? 

FA: Está previsto para começar essas reuniões em agosto e o que os importadores paraguaios têm me dito é que eles esperam que o acordo caminhe no sentido de só formalizar o que já acontece hoje, ou seja, se o problema do quilômetro 171 é não contar com autorização para operar como porto, o que os paraguaios querem é que a Argentina conceda essa autorização.

Mas, do lado argentino, há quem defenda a eliminação completa das atividades de transbordo no quilômetro 171 e a realocação dessa atividade para portos que já estão habilitados.

CF: Ou seja, as duas opções têm implicações logísticas e regulatórias muito amplas. E, claro, a habilitação do quilômetro 171 exigiria ajustes legais e ajustes técnicos, e a migração para os portos já habilitados poderia então elevar custos, exigir adaptações de infraestrutura... Com que cenários o mercado está trabalhando? 

FA: Isso mesmo. A gente vai precisar esperar para ver o que vai acontecer e, dependendo do que o futuro nos reservar, aqui na Argus possivelmente teremos que fazer ajustes metodológicos nos preços FOB quilômetro 171 que a gente lançou esse ano.

Desde janeiro a Argus tem publicado diferenciais sobre os contratos futuros de diesel e nafta virgem no quilômetro 171 e também para os produtos entregues em Assunção, adicionando só o custo do frete das barcaças. 

A gente desenvolveu essa metodologia em conjunto com o mercado com ajustes para termos de pagamento, já que as condições de crédito influenciam bastante no preço final para cada empresa.

CA: E como funciona esse ajuste? 

FA: É uma normalização. A gente toma como padrão uma condição de pagamento de 30 dias depois que a carga é transferida para barcaças no quilômetro 171, mas a gente sabe que esse prazo pode variar bastante. Existem empresas que calculam o prazo de pagamento depois da descarga em Assunção e pode chegar até 60 dias. Então, é bem importante saber quais foram as condições dos acordos para que a gente possa aplicar uma taxa de juros específica para trazer o preço dele para o nosso padrão. 

CF: Isso tudo pode mudar dependendo do acordo que Argentina e Paraguai firmarem sobre o quilômetro 171.

FA: Totalmente. Se o quilômetro 171 for eliminado enquanto ponto de transbordo, a gente vai precisar entender como o mercado vai passar a funcionar e, sem dúvida, revisar nossa metodologia.

Na Argus, o nosso compromisso é refletir o que de fato está acontecendo no mercado. Então, a gente não tem nenhum problema em ajustar as metodologias quando necessário. 

CF: Vamos continuar acompanhando, Flávia. E esse foi o Falando de Mercado desta semana. Muito obrigada Flávia pela participação. 

Muito obrigada aos nossos ouvintes. Se você gostou do episódio compartilhe e siga a Argus no LinkedIn para mais análises sobre energia e logística na América Latina. Até a próxima!