• 12 de maio de 2025
  • Market: Oil Products

A demanda por combustíveis alternativos para embarcações tende a crescer conforme as regulações internacionais se tornarem mais restritivas. Com isso, portos no mundo inteiro precisarão fornecer biocombustíveis e gás natural liquefeito aos navios. O Brasil começa a trilhar esse caminho com o anúncio do projeto de um corredor verde em conjunto com o governo da Noruega. Saiba mais sobre a transição energética no transporte marítimo acompanhando a conversa entre Natália Coelho e Gabriel Tassi Lara, especialistas em combustíveis marítimos da Argus.

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Transcript

Natália Coelho: Olá todo mundo e bem-vindos ao Falando de Mercado, uma série de podcasts semanais da Argus Media sobre setores de commodities de energia no Brasil e no mundo. Meu nome é Natália Coelho e eu sou especialista em combustíveis marítimos aqui na Argus.

Gabriel Tassi Lara: E eu sou Gabriel Tassi Lara. Eu também sou especialista em combustíveis marítimos da Argus, e no episódio do podcast de hoje, eu e a Natália vamos falar um pouco sobre o cenário de combustíveis marítimos brasileiro e o que o mercado pensa quando a gente fala de transição energética por aqui. 

Porque na Europa, os produtores já estão falando sobre os chamados combustíveis sintéticos, ou e-fuels, que são aqueles à base de hidrogênio verde, como e-amônia e o e-metanol. Mas por aqui, o Brasil ainda está alguns passos atrás.

NC: Para entender isso, a gente precisa entender que o transporte marítimo brasileiro não possui uma regulamentação tão concreta para essa transição energética. Aqui, a gente usa as diretrizes da Organização Marítima Internacional, a IMO, que é o braço da ONU que regula as águas internacionais.  

Assim, o nosso foco parece estar caminhando para o gás natural liquefeito, o GNL, e os biocombustíveis. Isso acontece, entre outros motivos, pela falta de planos para corredores verdes marítimos. Um corredor verde é uma rota de barcos criada como forma de incentivar o uso de combustíveis de baixa ou nenhuma emissão de carbono. E, segundo o Fórum Marítimo Global, é um dos principais incentivadores da produção dos e-fuels.

GTL: Fazendo um paralelo com o mercado europeu, por lá já existem regulações específicas pra combustíveis marítimos. 

A FuelEU Maritime e a EU ETS, por exemplo, regulam o limite de emissão de enxofre e de gás carbônico por embarcações. Então por lá já existem projetos de corredores verdes marítimos bem mais consolidados, como por exemplo a gente pode citar a ligação entre o maior hub da Europa, conhecido como ARA, fica ali no noroeste europeu, entre a Bélgica e a Holanda, e é formado por Antuérpia, Roterdã e Amsterdã, e essa rota liga o ARA ao grande porto de Singapura, que é um dos maiores do mundo.  

Com essa necessidade de redução mais drástica nas emissões, faz sentido economicamente que as empresas invistam em e-fuels, e que sejam lançados vários corredores marítimos ligando os portos europeus com o mundo todo, praticamente.  

NC: Os corredores verdes aceleram a transição energética porque a ideia é que haja bonificações a mais para quem trafega nessas rotas pré-definidas utilizando combustíveis de menor ou nenhuma emissão. Por aqui, nós temos só um projeto de corredor verde oficial do governo brasileiro.  

GTL: Os governos do Brasil e da Noruega anunciaram o projeto para um corredor verde no fim de fevereiro agora, mas eles só vão dar mais detalhes desse projeto na COP30, que acontece em novembro em Belém do Pará.  

Só que ao contrário de alguns outros corredores verdes, o daqui não vai ter nenhuma forma de incentivo financeiro ou fiscal para empresas que vão usar os combustíveis sustentáveis. Isso, de forma prática, deixa a eficácia um tanto questionável, então ainda é algo que precisa parar e ver: vai fazer sentido pro produtor ou para o dono da embarcação entrar nesse corredor verde?  

NC: Até porque, tirando os cumprimentos de práticas de governanças e a possibilidade de uma melhora na imagem e na reputação, não há por que uma empresa preferir combustíveis sustentáveis se não houver um incentivo financeiro.  

E claro, isso considerando como o mercado funciona. Mas o Ministério de Portos e Aeroportos contou pra gente que está trabalhando com outros países com o objetivo de lançar novos acordos, mas não chegou a dar muito detalhe.

GTL: Então por aqui a conversa ainda é outra. A percepção de alguns participantes de mercado com quem a gente conversou é a de que a demanda por combustíveis alternativos para bunker vai crescer conforme as regulações lá de fora se tornarem mais restritivas.  

Com isso, as embarcações que estão indo para esses destinos que tem meta de descarbonização cada vez mais altas, eles vão precisar comprar biocombustíveis e GNL em portos brasileiros. Só que para isso, os portos ainda precisam ofertar esses produtos, o que não acontece em muitos deles.  

NC: Pois é, é que segundo um estudo publicado, atenção, em 2023 pela organização Acqua Master, na época não havia nenhum porto brasileiro que oferecesse combustível alternativo. O estudo também diz que 2/3 dos portos ainda não tinham metas de descarbonização ou de eficiência energética.  

Mas isso também deve mudar no futuro e a partir deste ano. Porque a IMO, aquele órgão da ONU que regula as águas internacionais que a gente falou há pouco, avançou em abril deste ano a criação de um mecanismo de precificação de emissões de gases do efeito estufa. Esse projeto deve ser aprovado no próximo encontro da instituição, que acontece em outubro.

GTL: E o Brasil, inclusive, votou favorável para mandar o projeto para aprovação. Durante a semana de reuniões do IMO, o representante brasileiro no encontro se colocou contrário a alguns pontos do projeto, só que no fim o Brasil votou a favor junto com outras 62 nações.

NC: E o que gerou burburinho nessa reunião foi que os Estados Unidos se abstiveram, não foi Tassi? Não enviaram representante e ainda enviaram uma carta em que desaprovavam o projeto.  

GTL: Isso mesmo.

NC: E nas decisões do IMO, é difícil um projeto como esse avançar pra aprovação sem ser por unanimidade, o que foi o caso dessa vez. E, agora, em outubro, pra ser realmente aprovado, precisa de, pelo menos, 2/3 dos votos.  

Mas isso até que parece provável, visto que só 16 nações votaram contra, que inclui países do Golfo Persa, liderados pela Arábia Saudita, além dos Emirados Árabes Unidos e da Rússia.  

GTL: E além disso, 25 países se abstiveram da votação agora em abril. Só que eles fizeram isso como forma de protesto porque eles acharam o projeto muito pouco restritivo. Vão ser aqueles países alí da Micronésia, ali perto da Austrália.

NC: Depois que o mecanismo avançou pra esta etapa de aprovação, a gente trocou uma ideia com participantes de mercado, e a impressão desses traders, dos fornecedores e operadores de embarcação que a gente conversou, é que eles são favoráveis ao projeto.  

Na verdade, a sensação é que esse mecanismo vai começar a valer com metas alcançáveis. E como ele vai crescendo gradativamente, os participantes do mercado vão ter um tempo para se adaptar às exigências.

GTL: É isso mesmo.  Esse mecanismo de precificação, ele começaria a valer só a partir de 2028. E a partir disso os navios vão precisar reduzir as emissões em 4pc comparado ao valor médio da intensidade de emissões de 2008. Esse valor, ele vai crescendo gradativamente até 30pc em 2035.  

Só que não é tão simples assim. A regulação, ela propõe dois níveis de precificação: se o navio reduzir as emissões em 4pc em 2028, ele vai ser taxado em um valor menor do que aqueles que não atingiram a meta 1. Só que para não ser taxado em nada, as emissões precisam atingir a meta 2, e ai essa já é um pouco mais rigorosa.

NC: Pois é. Para não pagar nada pelas emissões — que é a meta 2 —  é preciso que os navios reduzam as emissões em 17pc em 2028.  

GTL: Contra os 4pc do nível 1, né Nat?  

NC: É sim, e o número cresce até 43pc em 2035.  

GTL: São 13 pontos percentuais de diferença do primeiro nível, que é de 30pc.

NC: O número até parece elevado, mas a gente tem que levar em conta que é uma comparação com as emissões de 2008, não é de ontem. Hoje, sem alteração, as emissões já são majoritariamente menores do que naquela época.  

Mas também fazendo um disclaimer: a gente considera esse cenário em que o mecanismo da IMO é aprovado sem nenhuma alteração do que foi apresentado em abril. Portanto, ainda é possível que a data, o preço das emissões ou até mesmo as metas de compliance sejam alteradas em outubro.

GTL: Mas o que a gente está querendo dizer aqui é o seguinte: as leis que regulam o setor de combustíveis marítimos no Brasil são as da IMO, já que não existe regulação própria por aqui. Então é muito provável que em breve os navios que trafegam por aqui vão passar a reduzir também as emissões deles, para atender a essa regulação.  

Isso é mais um impulso à descarbonização, somado já à demanda de navios que vão para a Europa. Então é mais um fator pesando no lado da demanda por combustíveis alternativos, e no caso do Brasil, principalmente na demanda de biobunkers e de gás natural liquefeito.

NC: É, de qualquer forma, a gente vai descobrir os novos capítulos da regulamentação em outubro.  

GTL: E a Argus vai continuar acompanhando e trazendo as novidades para vocês. 

NC: Os episódios do nosso podcast em português estão disponíveis em argusmedia.com.

GTL: Ouça os nossos conteúdos sobre os acontecimentos que movem os mercados globais de commodities, com impacto no Brasil e na América Latina.

NC: E a gente volta em breve com mais uma edição do Falando de Mercado. Tchau!