Camila Fontana: Olá, sejam bem-vindos ao Falando de Mercado, uma série de podcasts trazidos semanalmente pela Argus sobre os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo. Eu sou Camila Fontana, chefe adjunta da redação da Argus no Brasil, e quem está comigo hoje é a Rebecca Gompertz, especialista em biometano e Cbios da publicação Argus Brasil Gas Markets.
O tema deste episódio é a polêmica em torno da lista de distribuidoras de combustíveis inadimplentes com as metas de descarbonização da política nacional de biocombustíveis, conhecida como RenovaBio. Rebecca, qual é o papel dessa lista de inadimplentes dentro da política de descarbonização do RenovaBio e por que essa publicação tem gerado tanta controvérsia?
Rebecca Gompertz: Bom, Camila, vou dar um passo para trás e explicar um pouco melhor o que é o programa RenovaBio e o que é o Cbio.
O programa RenovaBio estabeleceu que as distribuidoras de combustíveis líquidos teriam que comprar uma meta anual determinada pelo governo de certificados de descarbonização. Eles não são exatamente créditos de carbono, eles são um crédito criado especificamente para esse programa que não compensa exatamente a emissão, mas que as distribuidoras de combustíveis teriam, de acordo com a lei, que comprar todos os anos a quantidade que o governo determinasse.
O problema começa a surgir quando algumas distribuidoras param de comprar esses Cbios. Seja porque elas conseguiram uma liminar na justiça questionando a obrigação, seja porque elas simplesmente decidiram parar de comprar. Existiam sanções na lei, mas isso não estava impedindo que as distribuidoras deixassem de comprar e você começa a ter um acúmulo dessa meta que não está sendo cumprida. Até porque, quando a meta de um ano não é cumprida, ela se acumula para o seguinte. Aquela distribuidora não deixa de ter que comprar aquele Cbio que não comprou, ela só vai ter que comprar mais no próximo ciclo.
Com isso, o programa RenovaBio começou a ser muito questionado. As distribuidoras que estavam cumprindo começaram a pedir para o governo uma ação mais severa e houve um movimento político de aprovação da chamada Nova Lei dos Cbios, que alterava a dinâmica do mercado e trazia sanções mais severas, multas mais altas e com restrições comerciais.
Existe uma discussão sobre se a ANP poderia aplicar essa lista, essa punição, porque uma vez que as distribuidoras de inadimplentes entram na lista, elas não podem mais comprar combustíveis dos produtores. Os produtores vão ser multados se eles venderem para essas inadimplentes até que elas comprem os Cbios que elas devem.
Existe uma discussão de se a ANP pode só aplicar isso ou se seria necessário que a ANP saísse com uma regulação em torno disso. Hoje, a ANP tem um entendimento de que a lei é auto-aplicável, de que ela pode só soltar a lista e pronto, já não pode mais vender para essas distribuidores.
Anteriormente, a Procuradoria Geral da República teve um entendimento para a ANP de que, pelo princípio da retroatividade, isso não poderia acontecer, que você precisaria esperar o ciclo de 2025 acabar para aplicar a nova regra. Então, você tem algumas idas e vindas do que se pensou sobre esse assunto. Com isso, claro, você vai criando uma certa controvérsia no mercado.
CF: Então você descreveu uma situação que é um impasse entre a Procuradoria Geral da República (PGR) e a ANP. Isso tem algum impacto sobre a credibilidade ou a previsibilidade do RenovaBio?
RG: Inicialmente, como eu disse, a PGR entendeu que, pelo princípio de retroatividade, não poderia ser aplicado a punição nesse ano, em 2025, mas depois a PGR dá um novo parecer, depois do decreto que o MME solta, permitindo que a agência regule o tema. Não diria necessariamente que tem um impasse, porque querendo ou não agora a ANP está fazendo o que o último parecer da PGR entendeu.
Mas para o mercado é muito ruim que tenham essas idas e vindas. Você vai dando subsídio para questionamentos jurídicos que talvez não precisassem existir. Você vai dando motivos para que o mercado desconfie da efetividade da sanção e da legitimidade da sanção.
Nós também temos uma questão de que a ANP anunciou inicialmente de que a lista seria divulgada no dia 7 de julho e depois ela voltou atrás nessa data e deixou sem uma data expressa de divulgação. A ANP diz que vai ser divulgado “em breve”. Não sabemos se esse “em breve” é esse mês, se é até o final do ano, não sabemos, mas fica um pouco essa dúvida.
Esse vai e volta cria uma sensação no mercado de “E aí? A ANP vai mesmo colocar em prática? Isso vai ser cumprido? Isso vai ser efetivo?”. Existe muita dúvida nesse sentido.
CF: Mas isso já tem um impacto, não é, Rebecca? Temos 61 distribuidoras que são responsáveis por mais de 10 milhões de Cbios não adquiridos no mercado. Isso tem um impacto econômico, isso tem um impacto ambiental. Você podia falar mais sobre isso?
RG: Claro, Camila. Bom, o impacto ambiental é talvez o mais claro de se ver. O RenovaBio existe para que o Brasil alcance os seus objetivos climáticos que foram assumidos em fóruns internacionais. Quando você não cumpre com o RenovaBio, você enfraquece a posição do Brasil na discussão climática global. Agora, economicamente, em relação ao mercado de Cbios, você cria uma distorção. Por quê?
Porque você tem muitos participantes de mercado cumprindo com o programa e por isso, quando eles compram o Cbios, eles têm um gasto a mais, um custo a mais, que tende a ser repassado para o consumidor final, enquanto você tem outros que não estão cumprindo e não estão tendo esse gasto, por isso eles ganham uma vantagem competitiva e tendem a ganhar a market share. Também tem uma questão de que o mercado começa a desconfiar do quanto esse programa vai durar, se ele vai para frente, e isso desvaloriza os Cbios.
CF: Podemos passar agora, você já falou do impacto ambiental, impacto econômico e temos que discutir um pouquinho melhor a questão jurídica. Nós temos liminares para 14 distribuidoras, isso de alguma forma deve afetar a eficácia dessa lista de inadimplentes e também, claro, o equilíbrio do setor em termos de competição?
RG: Sim. Como eu disse, você cria uma assimetria quando você tem algumas que cumprem e outras que não.
Precisamos entender que grande parte da dívida hoje de Cbios está na mão dessas distribuidoras que tem liminares. Mesmo que a lista seja publicada, a expectativa é que ela não inclua quem tem uma decisão judicial que protege ela da compra de Cbios e sim só as que não estão comprando sem nenhuma garantia jurídica.
Com isso, nós ficamos sem saber o quanto que a lista ia ser eficiente, porque estamos falando de mais da metade da dívida na mão dessas distribuidoras que tem liminares. Então, até que ponto você não poder vender combustível só para as distribuidoras que não tem liminares, vai de fato forçar as inadimplentes a entrarem na compra? Isso é uma coisa que só vamos saber saber quando a lista sair e pudermos ver os efeitos na prática.
CF: Nós temos falado de preço dos Cbios, já cobrimos uma série de aspectos, mas nós temos a volatilidade do preço dos Cbios. Isso é uma reação, na sua opinião, saudável do mercado ou é uma especulação que acaba sendo prejudicial?
RG: Eu acho que é um sinal de que o mercado responde aos incentivos regulatórios.
É importante que nós notemos que os principais devedores continuam fora do mercado, não existem relatos que eles estejam comprando, não existe ninguém que saiba disso nesse momento no mercado, o que pode sugerir que esse seja um movimento especulativo.
Dá para se entender que os agentes estão apostando numa valorização futura, que no futuro vamos ter mais agentes entrando no mercado, tentando comprar essa dívida que o preço vai crescer mais ainda e tentando se proteger desse aumento do preço. Com isso é natural que venha uma volatilidade de preços. Para esse ano especificamente, temos também uma questão de que o estoque está muito alto.
Tivemos uma geração de Cbios muito forte no ano passado e nesse ano também está sendo uma geração de Cbios muito forte. Então, você tem uma quantidade de Cbios acumulados que dificilmente vai fazer com que a meta fique apertada, com que seja difícil que os Cbios sejam gerados para chegar no número que precisamos para todos cumprirem a meta. Com isso, a tendência é que o preço esteja mais baixo. Isso controla de uma certa forma a volatilidade.
Hoje não estamos falando do nível de preço no mercado de Cbios como já vimos antes acima de R$ 100. Mesmo nesse momento de entrada dos agentes no mercado para comprar crédito para uma possível volatilidade futura, uma possível valorização futura, você não tem o preço chegando a R$ 70, que historicamente para os Cbios ainda é um preço baixo.
Então, é um momento que tem, sim, volatilidade, ao mesmo tempo que dificilmente você encontra alguém nesse mercado hoje que acredite que o preço vai chegar a R$ 100 ainda esse ano.
CF: Obrigada, Rebecca. Obrigada a você que escutou o nosso podcast. A Argus continuará trazendo para os ouvintes os principais desafios e oportunidades da transição energética, que é o tema de expertise da Rebecca.
Se você quiser conferir outros episódios do nosso podcast, siga Falando de Mercado nas maiores plataformas de streaming ou no site argusmedia.com. Voltamos na semana que vem. Até lá.