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Camila Fontana: Olá pessoal, sejam bem-vindos ao Falando de Mercado, uma série de podcasts semanais da Argus sobre os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo. Eu sou Camila Fontana, chefe adjunta da redação da Argus no Brasil. Estou aqui com Gisele Augusto, uma das responsáveis pelo relatório Argus Brasil Grãos e Fertilizantes e hoje a gente conversa sobre as compras de adubo para aplicação na safra 2025-2026 aqui no Brasil, mas antes não podemos deixar de falar sobre os impactos do conflito entre Irã e Israel no mercado de adubos.
Gisele, tudo é muito recente ainda, mas o que a gente precisa saber para avaliar o impacto desse conflito nos fertilizantes?
Gisele Augusto: Camila, apesar de tudo ser muito recente, a gente já vem acompanhando os impactos desse conflito desde os primeiros momentos ali do dia 12, 13 de junho, então já vem impactando o mercado de commodities de maneira geral, mas quando a gente olha para fertilizantes tem alguns pontos que a gente tem que levar em consideração. O primeiro deles são os ataques que aconteceram aos campos de gás e também as estações de tratamento de gás nesses dois países, tanto no Irã quanto no Israel. Ambos os países são grandes produtores de gás.
Israel exporta muito gás, ele exporta gás para o Egito, exporta gás para a Jordânia, então o ataque nessas regiões acaba influenciando muito a produção de gás, então paralisou a produção nesses países em determinada escala e essa paralisação acaba também paralisando a produção de nitrogenados, já que o gás natural é uma matéria-prima para produção de ureia, por exemplo. Então a gente vê ali no Irã todos os produtores de ureia paralisando as unidades de produção, então a gente não tem produção acontecendo nesse momento no Irã, como uma medida de precaução a uma possível falta de gás. Em Israel, apesar de não serem grandes produtores de ureia, o gás natural deles é exportado para regiões como o Egito, que é um grande produtor de ureia, então no Egito a gente já vê uma paralisação também da produção do nitrogenado, então esse é o grande impacto que a gente está olhando hoje, é como todo esse conflito está afetando a produção de ureia global.
O Oriente Médio hoje é um dos grandes exportadores de ureia para o mundo. Irã representa quase 20pc do total que eles exportam, então é um volume muito representativo e isso ainda é mais representativo quando a gente olha no Brasil. Em 2024, entre janeiro e dezembro, o Brasil importou 8 milhões de toneladas de ureia em torno de, e a gente tem 20pc desse volume sendo representado ali por Irã ou Oman, depende de como venha a nomenclatura na entrada do país. E neste ano, entre janeiro e maio, já foi cerca de 13pc das importações brasileiras vindas do Irã, lembrando que em um certo período do ano a gente teve uma paralisação da produção no Irã que acabou prejudicando os volumes que estavam vindo para o Brasil, então 13pc ainda é um volume considerável vindo para o mercado brasileiro. E aí o grande impacto que isso tem, claro, é nos preços, então a gente começa a ver os preços subindo nos grandes mercados globais já no dia 13 de junho.
No Brasil, esse impacto demorou um pouco mais, o mercado acabou recuando, as ofertas de venda saíram e a gente viu muito mercado de papel rodando nos primeiros momentos, então a gente vê o mercado de papel no Brasil para agosto sendo negociado em torno dos US$ 455 por tonelada, quando a gente fala de uns dias depois, ele sobe para cerca de US$ 490 por tonelada também para agosto, depois ele recua para US$ 435, volta a subir novamente, então fica nessa oscilação, enquanto no mercado físico a gente não tinha ofertas de venda. Quando a gente chega por volta do dia 17, 18 de junho, aí sim a gente vê as ofertas de venda voltando para o mercado e voltando já a níveis mais altos, mas com uma grande variação de preços entre diferentes fornecedores, então a gente vê preços indo desde US$ 430 por tonelada até US$ 500 por tonelada, em um mercado muito ditado agora por rumores, por especulações, então não se sabe exatamente qual é o preço do mercado no momento, cada um está testando ali um pouco e também com um pouco de receio do que realmente vai acontecer.
Então estou num preço X, esse preço é um preço que vai ser considerado muito baixo daqui a alguns dias, isso pensando no lado vendedor, lado comprador, pensando se ele vai pagar esse preço hoje, o preço vai cair daqui a alguns dias, então tudo isso deixa muita estabilidade no mercado e acaba também deixando a liquidez muito mais reduzida no mercado brasileiro e quando a gente olha, como você comentou, a gente vai falar sobre a rodagem para as safras 25 e 26, pensando já na próxima safra de milho, a segunda safra de milho que vai começar a ser negociada, deixa a liquidez ainda mais baixa nessas negociações.
CF: Gisele, agora que a gente já falou de Oriente Médio, podemos discutir o que vinha já acontecendo no Brasil, como você citou, o que vem acontecendo aqui em se tratando do ritmo de compra de fertilizantes para essa próxima safra de soja.
GA: Camila, as compras de fertilizantes de maneira geral, elas estão em linha com 2024, não teve muita alteração. A alteração maior vai ser quando olhamos para o histórico dos últimos anos, que sim ainda nós temos uma defasagem nas compras atuais. A nível Brasil, hoje falamos em torno de 60pc a 70pc das necessidades de fertilizante para soja já adquiridas e num histórico falamos em cerca de 80pc, cerca de 10 pontos percentuais abaixo do que deveria estar.
O estado que está mais adiantado é o estado de Mato Grosso. É o maior produtor de grãos e oleaginosas do Brasil. Isso já era esperado, ele é um dos primeiros estados a começar o plantio de soja, então ele tende a ter uma compra mais adiantada e está com cerca de 85pc das necessidades dele já atendidas. No Paraná, falamos em torno de 70pc, Paraná também é um grande produtor de soja, é o segundo maior produtor do Brasil, nós também ficamos atentos como está a rodagem por ali.
CF: Segmentando esse mercado, como está o ritmo de compra dos diferentes nutrientes que os agricultores utilizam nas plantações de soja?
GA: O fertilizante com a rodagem mais avançada é o cloreto de potássio ou o MOP, que está com cerca de 85pc das necessidades a nível Brasil já atendidas e isso está muito ligado aos preços do cloreto de potássio mais atrativos em relação aos demais fertilizantes, isso desde o ano passado.
Então, quando voltamos para 2024, no início de novembro, nós falamos de um preço de MOP de cerca de U$285 por tonelada. Isso fica em torno de 55pc abaixo do preço do MAP naquele momento, que era de U$635 por tonelada. Uma diferença, se colocarmos isso em dinheiro, em dólares, fica cerca de U$355 por tonelada de diferença entre o MAP e o MOP.
Os agricultores foram em direção ao cloreto de potássio para garantir esses volumes, enquanto esperavam uma relação de troca mais atrativa para o MAP e os demais fosfatados para poder avançar nas compras. Falando do fósforo, do MAP, do triplo, temos uma baixa disponibilidade no mercado brasileiro, tanto na importação, quanto no mercado doméstico e uns preços mais altos do que o esperado pelo agricultor que acaba desmotivando as vendas no mercado doméstico.
CF: Nós temos visto um quadro de baixa disponibilidade e alta de preço dos fosfatados. Como isso está afetando o mercado, Gisele?
GA: O mercado brasileiro há pouco mais de 1 ano vem acompanhando uma redução no número de fornecedores de MAP, do fósforo de alta concentração.
Acabamos nos concentrando hoje em cerca de dois países que estão enviando para o Brasil mais de 90pc da nossa necessidade e esses dois países também tem uma disponibilidade restrita de exportação desse fósforo, o que acaba tornando o mercado brasileiro um pouco mais apertado quando falamos de aquisição de alta concentração.
Outros fornecedores, por exemplo, se falarmos do triplo, do TSP, temos outros fornecedores que não são tão grandes para suprir 80pc do mercado, mas esses fornecedores acabam preferindo outros países por conta de um net back mais atrativo. Então, eles conseguem preços melhores em outras regiões e não mandam essas cargas para o Brasil.
Quando olhamos para o preço de MAP, por exemplo, estamos falando de um preço que ficou estável desde 19 de setembro de 2024 até 20 de fevereiro de 2025, na faixa dos U$635 por tonelada. Foi um período de estabilidade e a expectativa do agricultor é que esse preço fosse reduzir eventualmente, o que não aconteceu. O que na realidade vimos foi uma alta muito forte nos preços que atingiram até $725 por tonelada no fim de maio.
O agricultor tentou buscar outras fontes de alta concentração, então ele foi atrás do TSP, mas a tendência acabou sendo a mesma, passando dos $503 por tonelada no fim de fevereiro para $585 por tonelada no fim de maio.
CF: Gisele, temos visto várias alterações no mercado de fosfatados da China. Qual que é a sua observação a esse respeito?
GA: Camila, a China não exportava MAP-DAP para nenhuma região desde o ano passado, isso limitou a disponibilidade global desses dois fosfatados. Agora, quando ela retorna no fim de maio com essas exportações sujeitas a cotas desses dois produtos, ela acaba não atendendo os principais estados produtores brasileiros, considerando a janela de embarque mais o tempo de viagem, chegada no porto, fila para descarregar nos principais portos brasileiros brasileiros, levar esse produto, seja para misturador ou seja diretamente na fazenda.
Acaba que nos principais produtores, Mato Grosso e algumas regiões do Paraná, esse produto não chegaria a tempo para safra de soja 2025-26 que começa a ser plantada no início de setembro.
Ela não atende. Hoje estimamos cerca de 30pc da necessidade de fósforo a nível Brasil ainda em aberto para ser adquirida, esse produto chinês acaba não atendendo. O que o agricultor vinha fazendo era buscar na China a NP-0840 ou a NP-0840 mais cinco pontos de enxofre, que estava substituindo justamente o produto de alta concentração.
No entanto, também no fim de maio, a China anunciou a suspensão da emissão dos CIQs — que são as inspeções para poder liberar esse produto para a exportação — e acabou restringindo mais uma vez o mercado com outro tipo de fertilizante. Vale lembrar que alguns traders que já tinham esse produto com as liberações ainda estão conseguindo ofertar no mercado brasileiro, trazer esse produto, mas novas emissões não estão sendo garantidas.
Veio mais uma novidade da China, que na verdade estavamos conseguindo trazer para o Brasil o Super Simples (SSP) e o Triplo (TSP) sem nenhum tipo de restrição, tava sendo sujeito ao CIQ —essas inspeções por 10 dias úteis — e hoje nós passamos a ter pelo menos 60 dias corridos de inspeção.
Então, esse produto só ficaria disponível para embarque, no melhor dos cenários, em agosto, o que completamente foge da janela brasileira de aquisição para soja.
CF: Passando para a safra de milho, como está o ritmo de compras de fertilizantes?
GA: As compras de fertilizantes para o milho, estão em torno de 25pc das necessidades.
Lembrando que as principais safras de milho são a primeira e a segunda, a primeira que começa a ser plantada quase junto com a soja em torno de setembro e a segunda que começa a ser plantada em 2026. E esse volume de 25pc está bem em linha com 2024.
Mais uma vez, o estado que está mais adiantado nessas compras é o Mato Grosso, com até 45pc das necessidades adquiridas, enquanto a maioria dos demais estados estão em 10pc. Esse avanço muito forte em linha com o ano passado, 25pc pro milho, está ligado às compras de sulfato de amônio compactado. Desde o fim do ano passado, vemos compras mais substanciais de sulfato de amônio, muito ligado mais uma vez ao preço desse fertilizante.
Se voltarmos para o início de dezembro, temos esse fertilizante a U$155 por tonelada, que era o menor nível desde abril. E se nós pegamos o histórico da Argus, que começou em setembro de 2014, também foi o menor nível já registrado para o sulfato de amônio na primeira semana de dezembro. Então, isso acabou incentivando os agricultores.
CF: Para encerrar, Gisele, você poderia falar das tendências de preços de soja, de milho e também das relações de troca entre os nutrientes e essas commodities?
GA: Claro. É bom lembrarmos, colocando num resumo, a ureia desde o início de janeiro, tivemos uma alta de U$25 por tonelada, o cloreto uma alta de U$58 por tonelada e o MAP uma alta de U$90 por tonelada. No mesmo período, temos uma soja que caiu cerca de R$20 por saca de 60 kg e o milho que caiu cerca de R$11 por saca de 60 kg.
Então acabou sendo uma relação duplamente desfavorável para o agricultor, um nutriente mais caro no custo de produção e a venda da sua produção também recuando nos preços. Já olhando para a relação de troca, a soja e o milho tiveram uma pequena diferença quando fazemos uma comparação anual.
Se olharmos diretamente para a soja, temos uma alta da relação de troca para 23,8 sacas por tonelada no fim de maio, pensando em Mato Grosso, o que fica cerca de seis sacas acima da comparação anual e da média dos últimos cinco anos.
Falando desse mesmo período, fim de maio, a relação de troca do milho caiu cerca de uma saca para 60,5 sacas por tonelada em Mato Grosso, isso pensando na comparação anual, mas quando pegamos a média dos últimos cinco anos, o milho ainda está nove sacas acima do que estava nos últimos cinco anos.
Nós temos uma relação situação de troca que para o agricultor não é considerada favorável, o que acaba fazendo com que ele continue aguardando o melhor momento, mas ele tem uma janela curta que precisa ser atendida, principalmente pensando na soja que começa a ser plantada em setembro e tem que fazer as compras de fertilizantes nas próximas semanas.
CF: Muito obrigada, Gisele. A Argus vai continuar acompanhando a evolução da demanda por nutrientes e a evolução das safras agrícolas no decorrer do ano.
Claro, vamos trazer novamente a Gisele aqui para compartilhar as atualizações com os nossos ouvintes. Obrigada a você que prestigiou o nosso podcast. Os demais episódios do Falando de Mercado estão disponíveis no site argusmedia.com e nas principais plataformas de streaming. Voltamos em breve com mais uma edição. Até mais.