Camila Fontana: Olá a todos. Bem-vindos ao Falando de Mercado, podcast semanal da Argus sobre os setores de commodities e energia. Eu sou Camila Fontana, chefe adjunta da redação da Argus no Brasil, e eu tenho o prazer de receber novamente o João Scheller, que cobre os mercados de petróleo na Colômbia, Equador, Argentina e Guiana, que é o foco da nossa conversa de hoje. A Guiana passou muito rapidamente de uma produção nula de petróleo para se tornar um dos produtores que mais crescem no mundo. João, como isso aconteceu?
João Scheller: Primeiramente, obrigado, Camila, por me receber mais uma vez. Isso aconteceu com a descoberta de petróleo feita em 2015, no bloco Stabroek, como é chamado, e fica mais ou menos a 200km de distância da costa da Guiana, então um projeto offshore.
Esse bloco foi descoberto por um consórcio liderado por três empresas, mas encabeçado especialmente pela americana Exxon Mobil. Também tem coparticipação da Hess - que é outra empresa americana, que inclusive está no processo de aquisição pela Chevron - e também da chinesa CNOOC.
Essas três companhias juntas trabalham nesse consórcio para explorar o petróleo na Guiana. Teve o início da produção de petróleo, da exportação de petróleo na Guiana por volta de 2019. É um projeto que avançou de forma incomum. Foi muito, muito, muito veloz. Teve a descoberta em 2015, quatro anos depois, já se começava a produzir petróleo na Guiana. Em 2025, a gente pode utilizar os números de 2024, que seriam os números consolidados do ano, tem uma produção de mais ou menos 650.000 barris por dia (b/d). Se usar como comparação o Equador, que é um antigo membro da Opep, que teve uma produção em 2024 de cerca de 435.000 b/d, de fato é uma produção relativamente relevante e importante na Guiana, em comparação ao cenário latino-americano.
Além disso, só para mencionar também que é importante, além dessas três companhias que trabalham juntos na exploração do petróleo na Guiana, também tem uma parte desses barris que são vendidos em nome do governo da Guiana com uma participação de equity que o governo tem. Em geral, ele é vendido por outras companhias terceiras que fazem essa venda em nome do governo guianês.
CF: E quais são as características principais desse petróleo bruto produzido na Guiana, e claro, como essas qualidades afetam o valor de mercado desse produto?
JS: Bom, o petróleo da Guiana é o que a gente pode chamar de “medium sweet" – seria um petróleo “médio-doce” traduzindo diretamente pro português, que é um termo utilizado pelo mercado de petróleo que significa que ele tem um teor de enxofre relativamente baixo e uma gravidade de API, ou seja, a densidade desse petróleo fica mais ou menos entre 30-35. O API especificamente dos petróleo da Guiana varia entre 29 e 34, o que torna ele, em resumo, um petróleo mais fácil de refinar.
Tem três tipos de petróleo diferentes na Guiana: tem o Lisa, o Unity Gold e o Payara Gold. Basicamente, eles começaram a ser produzidos desde 2019 e, desde então, tivemos descobertas. Atualmente, tem esses três tipos com um percentual muito similar no destino de exportação. Tem a Europa, por exemplo, como principal mercado de exportação do petróleo da Guiana, com cerca de 50% das exportações indo pra lá. E também cerca de 30% das exportações indo para o mercado americano, em geral para a Costa Oeste, mas mais recentemente a gente tem visto também navios de petróleo guianês indo para o Golfo do México, Golfo dos Estados Unidos, no sul dos Estados Unidos.
Isso acontece muito por conta da proximidade regional, no que diz respeito aos Estados Unidos, e na Europa também é uma distância relativamente próxima e direta, mas também com respeito ao sistema de refino europeu, que é bem próximo e bem desenvolvido para refinar esses três tipos de petróleo. Tem outros óleos, obviamente, outros tipos de petróleo que competem com os petróleos da Guiana, em geral os petróleo que a gente chama de West African, do Oeste da África, petróleo da Líbia também muitas vezes competem em termos de qualidade com a Guiana, e também os petróleos do Brasil, como Mero e Búzios, que também vão bastante pra Europa e competem com a Guiana.
Podemos mencionar também que a Argus tem assessments, faz análise de preço de todos os três óleos da Guiana – o Lisa, Unity Gold e Payara Gold – desde o início de 2024, numa base FOB. E também temos assessments tanto dos petróleos que a gente mencionou do Oeste da África, como também da Líbia, assim como também do petróleo brasileiro que compete com a Guiana, por exemplo Búzios, que a gente tem uma análise de preços feito pra Búzios entregue na Europa, então é possível ter uma visão geral desse mercado com base nos nossos assessments.
CF: E olhando para frente, João, quais são as projeções para a produção de petróleo na Guiana? A gente ainda está vendo uma perspectiva de crescimento tão rápida?
JS: Com certeza. A produção atual da Guiana é impressionante, se pensar quando foi feita a primeira descoberta de petróleo por lá, mas a perspectiva é que a produção chegue até 1,3 milhão de b/d até 2030, com uma série de novos projetos que vão entrar em operação. Claro, a gente está falando de um cenário daqui a cinco anos, obviamente tem muito chão pela frente, vários projetos ainda vão ser desenvolvidos por lá e tudo pode variar.
Em comparação, a produção de petróleo na Guiana em 2024 - que tem um dado consolidado do ano todo - tem uma média de 650.000 b/d produzidos na Guiana. Seria um crescimento importante, mais que o dobro de produção, então com certeza temos espaço para crescimento por lá. Acho que é importante também mencionar que especialmente este ano vai ter um novo desenvolvimento de um novo projeto na Guiana, o que vai levar a um novo tipo de petróleo guianês sendo produzido. É o que está sendo chamado Golden Arrowhead, o nome desse novo óleo. Ele vai começar a ser produzido em agosto deste ano - dentro de um mês, considerando que a gente está gravando esse podcast no início de julho. O que é interessante sobre o Golden Arrowhead é que ele vai ser o primeiro petróleo doce e leve da Guiana, “light sweet”, como se chama na terminologia do setor.
Como será esse Golden Arrowhead? Vai ter um API de cerca de 36 e um conteúdo de enxofre em cerca de 0,25pc. Vai ser interessante observar como vai ser a produção do Golden Arrowhead, e também os mercados que ele vai poder chegar, já que se difere um pouquinho, em termos de qualidade, desses outros petróleo produzidos por lá. Só para mencionar, acho que é interessante ter como referência que, de acordo com o consórcio da Exxon Mobil, o FPSO que vai produzir o Golden Arrowhead, o projeto Yellowtail vai ter uma produção de 250.000 b/d já no início de 2026. A gente está falando de um volume relativamente relevante já começando a ser produzido em breve.
CF: Muito obrigada, João, por estar aqui mais uma vez no Falando de Mercado. A gente agradece também aos nossos ouvintes. A Argus vai continuar trazendo para vocês novidades sobre o mercado de petróleo na América Latina com o João Scheller.
Lembrando que este e demais episódios do nosso podcast estão disponíveis nas principais plataformas de streaming e no site argusmedia.com. A gente se vê na próxima, até mais.