

A safra de milho 2024-25 e o novo perfil da demanda
- 22 de outubro de 2025
- Market: Agriculture
A safra de milho no Brasil teve produção recorde e virada no perfil da demanda. Impulsionado por usinas de etanol e pelo setor de ração animal, o consumo interno tomou espaço das exportações. Confira ouça o episódio com Camila Fontana, chefe adjunta da redação da Argus no Brasil, e Nathalia Giannetti, especialista que contribui para os relatórios Argus AgriMarkets e Argus Brasil Grãos e Fertilizantes.
Camila Fontana: Olá pessoal sejam bem-vindos ao Falando de Mercado uma série de podcasts semanais da Argus Media sobre os principais acontecimentos com impacto para os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo. Sou Camila Fontana, chefe adjunta da redação da Argus no Brasil. Quem está comigo hoje é a Nathalia Giannetti especialista em agricultura e uma das responsáveis pelos relatórios Argus AgriMarkets e Argus Brasil Grãos e Fertilizantes.
Hoje a gente conversa sobre os resultados da safra de milho da temporada 2024-2025 e a expectativa para o mercado nesta reta final do ano. Natália começando pela produção da safra 2024-2025 quais são os destaques?
Nathalia Giannetti: Então, Camila, a safra de milho da temporada 2024-2025 registrou uma produção recorde de mais de 139 milhões de toneladas. Isso inclui primeira, segunda e terceira safras. Isso aconteceu por causa de uma produção também recorde de 112 milhões de toneladas registrada pela segunda safra de milho.
Mas esses são os dados oficiais do governo da Companhia Nacional de Abastecimento, a Conab. Participantes de mercado estimam que a produção da segunda safra de milho pode ter ultrapassado 115 milhões de toneladas. Esse volume está acima do recorde anterior de aproximadamente 102 milhões de toneladas. Isso foi na safra 2022-2023 há uns dois anos.
O Brasil conta com três safras de milho como eu já mencionei antes e a segunda é a mais importante e de maior expressividade. Ela também é conhecida como safra de milho inverno ou safrinha. Esse apelido tem origem ao início do cultivo dessa segunda safra quando o plantio acontecia em uma pequena parcela de áreas. A safra de milho inverno está entre as opções de cultura de cobertura da soja que é a principal safra do país.
CF: E quais foram os principais fatores que levaram a esse desempenho?
NG: Bom, nesse ano o recorde de milho que o Brasil produziu tem a ver não só com as condições climáticas excelentes que foram observadas ao longo do ano e impulsionaram os rendimentos das lavouras nos principais estados produtores mas também as expansões diárias por causa de expectativas de uma demanda recorde.
E essas expansões aconteceram principalmente por causa do mercado doméstico como as usinas de etanol e de proteína animal. Vale ressaltar que as primeiras projeções para a temporada 2024 e 2025 estavam bem longe de um recorde. Uma boa parte das expansões diárias foi acontecendo ao mesmo tempo em que as condições climáticas estavam favorecendo os rendimentos.
Então os produtores aproveitaram esse excelente momento para investir ainda mais no milho inverno. Você citou as condições climáticas.
CF: Natália, o que mais chamou a atenção nesse período?
NG: Bom, Camila, começando por Mato Grosso, que é o maior produtor de milho do Brasil e responde por quase 40pc da produção nacional, segundo a Conab, nesse estado as chuvas se mantiveram regulares e bem distribuídas até junho.
E é comum que o outono brasileiro apresente uma redução das chuvas até que chegue numa condição de estiagem durante o inverno. Mas isso não aconteceu esse ano, então uma grande parcela das lavouras conseguiu se desenvolver sob condições ideais de umidade mesmo sendo semeadas após a janela ideal.
A janela ideal de semeadura se encerra em 28 de fevereiro em Mato Grosso. Então, a partir dessa data, as áreas cultivadas correm um risco de terem seus rendimentos prejudicados pela estiagem porque elas alcançam os seus estágios de desenvolvimento mais críticos durante os meses mais secos do ano. É importante ressaltar que essas fases são as fases reprodutivas das lavouras e por isso são mais sensíveis ao estresse hídrico.
As áreas semeadas após o fim da janela ideal também não podem ser atendidas por seguros agrícolas em caso de perdas. Então é costumeiro que os produtores até desistam de semear áreas depois da janela porque caso aconteça algum dano é um dinheiro que vai pelo ralo.
CF: Neste ano houve uma parcela significativa sendo cultivada fora dessa janela ideal que você descreveu?
NG: Sim. Cerca de 15pc das áreas foram cultivadas após o fim da janela ideal. Então essa é uma parcela considerável. Mas mesmo aquelas áreas que chegaram às suas fases mais sensíveis em julho, por exemplo, quando o tempo já estava mais seco, elas puderam desfrutar de níveis de umidade bastante elevados no solo por causa das chuvas que aconteceram anteriormente.
O Instituto Mato Grossense de Economia Agropecuária estima que o estado produziu mais de 55 milhões de toneladas nessa temporada, o que supera o recorde anterior de dois anos atrás em aproximadamente 3 milhões de toneladas. Paraná é o segundo maior produtor de milho do país.
CF: O que aconteceu lá em termos de condições climáticas, Natália?
NG: No Paraná, as chuvas também permaneceram bem distribuídas e frequentes até junho desse ano, só que o clima não foi 100pc perfeito como foi em Mato Grosso.
A regularidade das chuvas acabou mais do que compensando danos que foram provocados no começo do ano por causa de uma estiagem e agora mais no meio do ano por causa de uma geada que atingiu o estado.
Então, o Paraná enfrentou alguns desafios climáticos, mas mesmo assim encerrou a temporada com uma produção recorde estimada para ultrapassar 17 milhões de toneladas, segundo o Departamento de Economia Rural do estado, o DERAL. E esse volume também está 3 milhões de toneladas acima do recorde de dois anos atrás.
CF: E o que a gente pode falar em relação a área plantada, também da demanda, claro?
NG: A CONAB estima que a área de milho inverno passou por uma expansão de 6pc nessa temporada. A safra 24-25 foi semeada em um recorde de mais de 17 milhões de hectares, isso mais do que compensou as perdas observadas no ano passado. Em 2024, os preços mais baixos de milho estimularam os produtores a investir na sua semeadura.
O cenário se inverteu nesse último ciclo por causa de expectativas de uma demanda global por milho superar a oferta. No Brasil, especificamente, existiam já projeções de demandas recordes por parte dos setores de ração animal e de etanol de milho. Isso já havia acontecido no ano passado, a demanda desses dois setores foi recorde e isso impulsionou os preços de milho por volta do quarto trimestre de 2024.
E os patamares dos preços de milho se mantiveram elevados até abril de 2025. Nesse mesmo período, o mercado de exportação acabou perdendo competitividade e foi jogado para escanteio, podemos dizer.
CF: Ou seja, a parcela do mercado doméstico na demanda que já vinha aumentando continua essa tendência.
NG: Exatamente. E a tendência é que o mercado doméstico continue expandindo sua participação dentro do mercado nacional de milho. A Conab prevê que a demanda doméstica da safra 24-25 tenha alcançado um recorde de 90,5 milhões de toneladas, superando o total consumido pela safra anterior em mais de 6 milhões de toneladas.
Só a produção de etanol de milho responde por 4 milhões de toneladas desse aumento anual. A União Nacional de Etanol de Milho, a Unem, prevê que mais de 18 milhões de toneladas serão destinados à moagem para a produção do etanol. Dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a ANP, mostram que o Brasil já conta com 24 unidades de etanol de milho em operação.
E a Unem mapeia que mais 19 já têm autorização para serem construídas e outras 19 estão em fase de planejamento e construção. Então, uma quantidade muito grande de unidades de etanol de milho devem entrar em operação ainda nessa década. Esse é um setor que já vem numa crescente ao longo dos últimos anos e começa a ter um espaço cada vez maior dentro do mercado brasileiro de milho.
Também é importante ressaltar que a maioria das usinas de etanol de milho estão localizadas na região centro-oeste, que é justamente o maior polo produtor de milho do país.
CF: E além da produção de etanol, você tem um consumo muito grande para a ração animal, né?
NG: Exatamente, Camila. Na verdade, a maior parte desse milho no mercado doméstico é destinado à ração animal e o Sindicato da Indústria de Alimentação Animal estima que um total de 60 milhões de toneladas de milho serão destinados ao setor de ração.
Essa conta inclui os volumes de DDG, que são os grãos secos de destilaria, que é um subproduto da produção de etanol de milho.
CF: E o ritmo de compras, como anda, Natália?
NG: Bom, as compras desses dois setores aceleraram por volta do quarto trimestre de 2024 e mantiveram um ritmo bastante acelerado no começo de 2025, um período em que a demanda costuma ser mais baixa, então superou as expectativas. Em abril de 2025, então, os preços domésticos de milho alcançaram seu nível mais alto desde março de 2022 por causa dessas demandas acima das expectativas.
Mas foi justamente nessa época que os setores nacionais pararam de comprar. Então, desde abril, as compras do setor doméstico têm sido mais contidas. Nesse segundo semestre, o ritmo de compras voltou a acelerar, mas segue bastante distante do que foi observado há um ano e no começo de 2025. O ritmo também está bem abaixo do que os produtores esperavam.
CF: Qual é o quadro para as exportações?
NG: Nesse ano, as exportações de milho repetem o que já aconteceu ano passado, ou seja, os embarques ocupam um papel de coadjuvante nas negociações. Os importadores esperavam que uma produção recorde e a expectativa também de uma safra recorde nos Estados Unidos pressionassem os preços, mas os vendedores mantiveram as ofertas de venda elevadas por causa da expectativa de uma demanda doméstica recorde.
Esse impasse entre vendedores e compradores tem inviabilizado as negociações no mercado de exportação, que totaliza volumes um pouco abaixo do esperado para um ano de safra recorde. Dados da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais, a ANEC, apontam que as exportações de janeiro a setembro de 2025 não alcançaram 25 milhões de toneladas.
Os embarques, então, ficam ligeiramente acima do total embarcado nesse mesmo período no ano passado, quando houve uma quebra de produção. Em 2023, quando o Brasil produziu um recorde de 102 milhões, as exportações haviam alcançado 34 milhões de toneladas entre janeiro e setembro.
Nesse ano, o Brasil conta com um excedente de oferta de 10 milhões de toneladas em comparação com 2022-23. Mas os embarques também estão 10 milhões de toneladas abaixo do recorde exportado em 2023. O mercado de exportação também encontra um problema na escassez de oferta. Os produtores já têm vendido muito pouco dos seus estoques de milho, porque eles esperam preços maiores. E o pouco que eles estão vendendo vai para o setor doméstico, que paga preços acima dos valores praticados na exportação.
Então, essa falta de competitividade do mercado de exportação, tanto do lado da oferta quanto da demanda, tem feito participantes de mercado começarem a duvidar se as exportações realmente conseguiriam alcançar os cerca de 40 milhões de toneladas esperados para este ano.
CF: Dá pra falar em algum tipo de tendência, Natália, olhando pra frente?
NG: Dá sim, Camila. É difícil prever com exatidão o que pode acontecer a longo prazo com o mercado.
Como vimos durante os últimos meses, decisões como o tarifáço dos Estados Unidos ou a suspensão das retenciones argentinas podem mudar toda a dinâmica rapidamente. Mas a tendência é que o mercado doméstico continue crescendo em importância no cenário nacional e passe a ditar cada vez mais as movimentações de preço, como já tem ditado nos últimos dois anos.
A produção brasileira também começa a ser reajustada com base na expectativa de demanda doméstica em vez de exportação, principalmente no centro-oeste. A expectativa de uma demanda crescente por parte da indústria de etanol de milho já tem incentivado os produtores a investir mais no plantio da segunda safra de milho em estados como o Mato Grosso.
CF: Muito obrigada, Natália, muito obrigada a você que nos acompanhou até agora.
Os demais episódios da série Falando de Mercado estão no site Argusmedia.com e também nas principais plataformas de streaming. Até a próxima.

