• 11 de agosto de 2025
  • : Oil Products, Biofuels & Feedstocks

Os biocombustíveis são o pilar da transição energética a curto e a longo prazo, mas o mundo enfrenta gargalos na oferta de insumos para produzi-los. Estabilidade regulatória, diversificação de matérias-primas e aprimoramento das tecnologias de produção são fundamentais para atender ao salto da demanda por biocombustíveis no futuro próximo. Saiba mais nessa entrevista de Victor Uchoa, líder da área de consultoria da Argus para América Latina, a Camila Fontana, chefe adjunta da redação da Argus no Brasil.

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Transcript

Camila Fontana: Olá, pessoal. Estamos de volta com o Falando de Mercado, a série de podcasts semanais da Argus sobre os setores de commodities e energia. O episódio de hoje é dedicado às tendências globais em biocombustíveis, mais especificamente de feedstocks, que são os insumos para a produção desses biocombustíveis.

Eu sou Camila Fontana, chefe adjunta da redação da Argus no Brasil, e quem conversa comigo é o Victor Uchôa, líder da área de consultoria da Argus para América Latina.

Victor, os biocombustíveis são o pilar da transição energética tanto no curto quanto no longo prazo, mas, para produzi-los em escala suficiente, o mundo ainda enfrenta gargalos de oferta de insumos (ou feedstocks). Claro, cada combustível, cada biocombustível, cada região do mundo tem as suas particularidades - nós vamos entrar nesses detalhes adiante -, mas quais são as principais considerações nesse sentido?

Victor Uchoa: Vamos lá. Camila, sim. De fato, os biocombustíveis são um pilar fundamental da transição energética e arrisco dizer que seja uma das poucas soluções que atendem a nossa necessidade imediata de transição, de descarbonização, mas também com grande potencial de contribuição no longo prazo para o mundo usar o carbono. Mas, como você mencionou, para que isso aconteça na escala que precisamos, ainda enfrentamos diversos gargalos, como, por exemplo, a oferta de feedstocks e as regulações que acabam variando muito entre países e setores. Isso cria barreiras para um mercado global que seja unificado, transparente e com altos volumes sendo transacionados de feedstocks e biocombustíveis.

CF: Dividindo por regiões, por biocombustíveis, o que mais chama a sua atenção?

VU: O primeiro que a gente tem que colocar, de forma simples e clara, é que as projeções da Argus indicam que sim, os biocombustíveis vão ter um crescimento significativo na demanda. Nós vamos sair de atuais 150 bilhões de litros por ano para, em 2035, aproximadamente 300 bilhões de litros - ou seja, nós duplicaremos a demanda por esses biocombustíveis. Mas quando recortamos isso por região, nós vemos diversas realidades distintas. A Europa, por exemplo, deve triplicar sua demanda, mas isso vai ser puxado basicamente por biocombustíveis avançados - os principais são o diesel renovável (HVO, na sigla em inglês) e o combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês). E a Europa também coloca diversas restrições em feedstocks, os que podem ser utilizados para essa produção de biocombustíveis. Os Estados Unidos já olham de forma diferente, colocam incentivos, e não necessariamente mandatos, como, por exemplo, o crédito 45Z. Isso, de uma forma geral, tem favorecido os insumos domésticos e penalizado importações de feedstocks nos Estados Unidos. Isso acaba impactando diretamente países exportadores, como o Brasil.

Enfim, olhando daqui pra nossa região da América Latina, não tem como não falar de Brasil, que acaba liderando a demanda de biocombustível e também a oferta que tem de disponibilidade desses biocombustíveis, mas ainda muito em etanol e biodiesel porque a regulação local impulsiona a nossa indústria e agricultura.

CF: A lista de categorias de insumos é longa. Tem os agrícolas, resíduos avançados, alternativos, intermediários. Quais são as principais tendências?

VU: Em termos de tendência, a diversificação de feedstock vai ser essencial. Ainda usamos muito óleo de soja e palma, mas certamente tem um movimento em direção aos resíduos alternativos, avançados, como sebo bovino ou o óleo de cozinha usado (UCO, na sigla em inglês) ou o óleo de milho residual da produção de etanol, que hoje no Brasil é uma grande realidade; além das que chamamos de matérias primas alternativas ou intermediárias, como carinata e carmelina. O que são essas matérias primas? São, basicamente, matérias primas, ou feedstocks, produzidos na entressafra - como se fosse uma cultura de descanso ali entre as culturas principais daquela região produtora.

Mas ainda existe bastante restrição de oferta para toda a demanda de biocombustível que estamos projetando num futuro próximo. Isso pode causar algumas distorções no mercado, em função da concorrência por esse feedstock. É importante essa diversificação, olhar para feedstocks avançados, alternativos, mas, ao mesmo tempo, eu entendo que não podemos deixar de olhar para os feedstocks convencionais. Ou seja, esses feedstocks alternativos devem vir para complementar, e não substituir os feedstocks tradicionais - como soja, milho e cana de açúcar - porque eles também possuem atributos climáticos, sociais, que são essenciais para essa transição energética que a gente precisa passar.

CF: Passando dos insumos para o produto final, como você enxerga especificamente o panorama para SAF e HVO?

VU: Camila, o cenário global para SAF e HVO está bastante dinâmico. A nossa expectativa aqui na Argus é que a demanda cresça de forma significativa, principalmente na América do Norte e na Europa, em função dos incentivos, no caso dos Estados Unidos, e dos mandatos na Europa. Um exemplo é a Alemanha. A Alemanha está discutindo uma proposta agora de eliminar a contagem dupla na RED III.

RED III é a regulação europeia, mas cada país membro da União Europeia pode regular ou legislar essa regulação da maneira que entende que faz mais sentido para as dinâmicas locais. E essa discussão em andamento na Alemanha pode, por exemplo, triplicar a demanda por HVO na Alemanha, exigindo um volume muito maior desses feedstocks avançados. Ou seja, vai ter demanda, mas, ao mesmo tempo, existem incertezas se esses volumes vão de fato acontecer, em função da restrição de oferta, mas também uma expectativa de que pode haver um alívio, por parte dos governos e das agências governamentais, nessas metas e na regulação que está sendo imposta.

Em resumo, Camila, é importante que se tenha estabilidade regulatória, diversificação das matérias-primas e também da tecnologia de produção para que esses volumes realmente aconteçam no futuro próximo.

CF: Você citou uma série de regulações internacionais, mas quais já são, ou serão, mais impactantes em termos de oferta e demanda de feedstocks?

VU: Camila, a gente brinca até que é uma sopa de letrinha todas essas regulações de diferentes regiões e países que elas acontecem, mas quando a gente está falando de regulação de biocombustível internacional, eu diria que são quatro nomes que se destacam.

Primeiro, eu começaria com a RED III da União Europeia. A RED III estabelece metas de redução de gases de efeito estufa (GHG, na sigla em inglês) e impõe limites claros sobre qual tipo de matéria-prima pode ser utilizado para a produção desses biocombustíveis. Isso acaba criando uma pressão grande pelos feedstocks avançados - como óleos residuais, gorduras animais - porque restringe o uso de culturas alimentares, como soja e palma. Uma outra regulação, um segundo elemento, é o ReFuelEU Aviation, que é um mandato específico da União Europeia para o uso de SAF com metas crescentes até 2050. Nos Estados Unidos, o destaque é para o crédito fiscal 45Z. Como falei anteriormente, os Estados Unidos olham mais sob uma perspectiva de criar incentivos e não de colocar mandatos obrigatórios de mistura e de utilização de biocombustível. Mas, por outro lado, esses incentivos têm favorecido muito os insumos domésticos e penalizado importações. Isso já tem mudado os fluxos globais de feedstocks. Por exemplo, na primeira metade de 2025, as exportações de UCO caíram drasticamente da China para os EUA. E, para fechar essas regulações, temos a CORSIA, que é da Agência Internacional de Aviação Civil (ICAO, na sigla em inglês), que define critérios globais para o uso de SAF na aviação internacional. Essa ainda está em fase de implementação, mas já tem influenciado decisões de investimentos e certificação, especialmente para países exportadores, como o Brasil. Em resumo, eu diria que essas regulações estão redesenhando os fluxos globais de estoque, oferta e demanda, e quem quiser competir, quem quiser participar desse mercado de forma competitiva vai ter que entender as regras do jogo. Não tem como.

CF: E aqui no Brasil, quais são as regulações mais relevantes?

VU: O Brasil, historicamente, tem regulações que favorecem a utilização e a produção de biocombustíveis. Tivemos regulações ou incentivos que foram criados ao longo das últimas décadas e que fez com que a gente tivesse, eu diria, a indústria de biocombustível mais importante da região da América Latina e uma das principais indústrias de biocombustível do mundo. Recentemente, tivemos a aprovação do E30 e do B15, e o programa Combustível do Futuro já mira o E35 e B25, o que deve impulsionar investimentos em toda a cadeia produtiva desses biocombustíveis. Temos também o RenovaBio, que é um programa bastante importante no Brasil. Ele impõe aos distribuidores de combustíveis o cumprimento de metas que podem ser feitos através da compra dos certificados verdes, os Cbios. Hoje tem uma discussão grande sobre algumas incertezas regulatórias, jurídicas do Cbios, mas que precisam ser endereçados. Cbio é um mecanismo importante para fomento da indústria, da oferta de biocombustíveis, e nós precisamos que as agências regulatórias estejam de olho no cumprimento dessas metas e na importância desse mecanismo de fomento.

CF: Victor, como você falou, o Brasil é sinônimo de tradição em biocombustível renovável. Só que, sem contar o etanol, quais são as grandes oportunidades do país em termos de insumos para biocombustíveis?

VU: Falando de biocombustíveis, a gente falou aqui de etanol, diesel, de todo o suporte à produção, à oferta desses produtos finais, o Brasil tem um papel relevante também em toda a cadeia produtiva do tema principal da nossa conversa que são os feedstocks. Nós temos abundância dos feedstocks. Os tradicionais, obviamente, como soja, milho, cana de açúcar, mas também temos ganhado bastante relevância nos residuais, como o sebo, o óleo de cozinha usado, o óleo de milho residual da produção de etanol de milho e também, como falamos anteriormente, um grande potencial para a produção dos feedstocks intermediários ou dos alternativos, como a carinata e a macaúba, que é a nossa palma brasileira, que é a palma sustentável. Mais do que isso, o Brasil já tem uma indústria existente de etanol, biodiesel, tem um papel relevante na oferta de feedstocks para o mundo e uma capacidade muito grande também de transformar esses feedstocks em biocombustíveis avançados, como SAF e HVO.

Um exemplo é a Petrobras que já está processando SAF em uma de suas refinarias, e empresas como a Acelen, BBF que estão investindo pesadamente na instalação de capacidade produtiva pra para esses biocombustíveis avançados.

CF: Victor, desde a eleição do presidente [Donald] Trump, da eleição mais recente, o governo dos Estados Unidos adotou uma visão que dá menos importância, ou até crítica os esforços ligados à sustentabilidade e à mitigação dos efeitos da mudança climática. Como isso impacta a trajetória da transição energética no que diz respeito aos insumos para a produção de biocombustíveis?

VU: Um ótimo ponto, Camila. E, de fato, desde a administração Trump II nos Estados Unidos, temos visto uma guinada protecionista nos EUA, mas que acaba gerando um efeito rebote global. Mas falando especificamente dos Estados Unidos, como mencionei a política de incentivos, o crédito 45Z, ele exclui ou limita a utilização de insumos estrangeiros, como óleo de cozinha usado ou sebo bovino, e isso acaba favorecendo a soja e o sebo doméstico dos Estados Unidos. Isso deve impactar de forma bastante relevante as exportações brasileiras. O sebo bovino, por exemplo, vinha tendo um crescimento bastante significativo ao longo de 2024 como um todo, em função de ter uma pegada de carbono favorável, mas pode ter uma mudança ou uma parada abrupta nessa exportação, em função dessas novas regras protecionistas. Além dessas regras que já vêm sendo discutidas e que vêm protegendo o mercado americano limitando as exportações de outros países, temos neste momento as tarifas que estão sendo discutidas entre Brasil e Estados Unidos, que podem ainda criar mais um elemento de complexidade nesses fluxos globais de feedstocks.

CF: Pra gente encerrar, você lidera a área de consultoria da Argus na América Latina atuando junto com mais de 100 pessoas em vários escritórios ao redor do mundo. Como a área de consultoria da Argus pode ajudar o player de commodities no Brasil?

VU: Legal, Camila. Nossa consultoria possui dados, modelos proprietários que nos permitem fazer projeções de fundamentos, preços de commodities. Isso a gente faz tanto em relatórios que a gente chama de multiclientes, ou seja, a gente disponibiliza essa informação, essa propriedade intelectual, essa inteligência em relatórios padronizados para o mercado com essas projeções e análises de fundamentos das principais commodities; ou a gente pode fazer isso no que chamamos de projetos customizados, quando a gente atua com um cliente mais sob medida. A gente entende as necessidades que aquele cliente tem, o mercado que ele está querendo olhar, qual o mercado que ele precisa entender para navegar, e nós entregamos ali um apoio estratégico, obviamente baseado na nossa principal capacidade, que são os nossos dados, os nossos modelos, e que isso vai ajudar esse cliente a navegar no ambiente regulatório, tomar a decisão de investimento ou até se posicionar em um novo mercado.

CF: Tá certo. Muito obrigada, Victor. Obrigada, você que acompanhou o nosso podcast hoje. Todos os episódios estão disponíveis no site argusmedia.com e nas principais plataformas de streaming. A gente volta na semana que vem com mais uma edição. Até lá.