

Falando de Mercado: Fluxos globais de GLP e oportunidades na América Latina
- 15 de setembro de 2025
- Market: LPG / NGLs
O mercado global de gás liquefeito de petróleo vem se reorganizando diante das tensões comerciais que impactaram os fluxos do GLP exportado dos Estados Unidos para os grandes centros consumidores da Ásia. Na América Latina, vários países desenvolvem projetos de infraestrutura e a Argentina pode se tornar uma fornecedora importante de gás a partir do campo de Vaca Muerta. Saiba mais ouvindo a entrevista de Vanessa Viola, vice-presidente executiva da Argus para a América Latina e head global de GLP, a Camila Fontana, chefe adjunta de redação da Argus no Brasil.
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Transcript
Camila Fontana: O mercado global de gás liquefeito de petróleo vem se reorganizando em resposta às tensões comerciais que impactaram os fluxos do GLP exportado dos Estados Unidos para os grandes centros consumidores da Ásia, como China e Índia. Na América Latina, vários países desenvolvem projetos de infraestrutura e a Argentina pode se tornar uma fornecedora importante de gás a partir do campo de Vaca Muerta.
Eu sou Camila Fontana, chefe adjunta da redação da Argus no Brasil e para falar sobre as movimentações desse mercado, minha convidada é a Vanessa Viola, vice-presidente executiva da Argus para a América Latina e head global de GLP.
Vanessa, eu quero começar nossa conversa pelo contexto atual do mercado global de GLP após a imposição de tarifas pelos Estados Unidos e as retaliações por parte de outros players. Como isso impactou os fluxos de GLP até agora?
Vanessa Viola: Oi, Camila. Bom, vamos lá. Os Estados Unidos se tornaram o maior exportador de GLP do mundo por conta da chamada “revolução do petróleo e gás de xisto” — ou shale, em inglês — e grande parte desse volume começou a migrar para a Ásia. O fluxo de comercialização de produto americano para a China especificamente ganhou força a partir de 2020 com a construção de várias plantas PDH por empresas chinesas. Essas plantas utilizam propano para a produção de propileno.
O presidente Trump anunciou tarifas de importação contra produtos chineses no início do ano. O governo chinês retaliou e a decisão, claro, impactou esse fluxo. A China começou a importar mais produto do Oriente Médio enquanto a Índia, outro grande importador de GLP, mas que tipicamente compra ou comprava do Oriente Médio, começou então a comprar GLP dos Estados Unidos.
Depois de novas rodadas de negociações, a tarifa de importação da China para GLP americano acabou caindo para 10pc e existe nesse momento um acordo para que esse nível seja mantido pelo menos até 10 de novembro.
CF: Levando em conta a sazonalidade, como essa situação influenciou a oferta de GLP e os preços? Lembrando os nossos ouvintes que o Hemisfério Norte está agora preparando os estoques de inverno para atender a demanda por aquecimento.
VV: Claro, essa reorganização de fluxos de comercialização obviamente impactou o valor de GLP. Os preços no hub de Mont Belvieu, nos Estados Unidos, caíram significativamente em abril quando a China anunciou a tarifa retaliatória de 125pc sobre produto americano porque a arbitragem entre os dois países fechou. Mas com a Índia começando a comprar mais dos Estados Unidos, os preços começaram a se superar.
Um ponto importante é que cargas do Oriente Médio são geralmente mesclas de propano e butano enquanto os Estados Unidos exportavam majoritariamente propano. Mas nesse rearranjo de fluxos com a Índia comprando mais cargas americanas, os Estados Unidos se adaptaram muito rapidamente e nós temos visto cargas mistas serem exportadas dos Estados Unidos também, o que ajudou a impulsionar os preços em Mont Belvieu.
Em termos de sazonalidade, tradicionalmente, os preços de butano caem durante o verão no Hemisfério Norte quando as refinarias começam a produzir gasolina com um tipo de especificação que requer menos butano. Só que com essa mudança de fluxos por conta da guerra comercial entre Estados Unidos e China, os preços de butano em Mont Belvieu, na verdade, subiram nesse período.
E o mais interessante é que o que chamamos de “terminal fee”, que é a tarifa para mover produto da terra, do duto, do armazém para o barco, para cargas mistas chegou a estar mais alta do que para cargas carregando exclusivamente propano, que é muito pouco comum. Ou seja, esse cenário no final acabou voltando ao normal, mas nesse período nós vimos países aproveitando essa diferença de valores para já começar a estocar mais produto para o inverno.
CF: Um fator muito importante é que os Estados Unidos vêm aumentando a capacidade de exportação de GLP. Como isso tem impactado o equilíbrio entre oferta e demanda em nível global?
VV: Pois é, esse aumento súbito de demanda durante o verão no Hemisfério Norte por conta desse rearranjo dos fluxos de comercialização e por conta da expansão da capacidade de exportação dos Estados Unidos fizeram com que o país exportasse 6 milhões de toneladas de GLP em julho, que foi o segundo maior volume mensal da história.
Existem vários investimentos em expansão de capacidade de exportação aqui, porque os Estados Unidos têm uma demanda limitada por GLP e, portanto, precisam escoar esse excedente de produção. Aumento de produção e aumento de capacidade de exportação devem fazer com que a chamada terminal fee em Mont Belvieu para cargas spot caia no longo prazo, o que deve atrair mais compradores internacionais para este mercado.
Isso significa que importadores da América Latina vão ter que competir com mais importadores de outras regiões por GLP americano, ou seja, esse mercado vai ficar mais competitivo.
CF: Qual é a tendência para a demanda de GLP aqui na América Latina?
VV: Bom, Camila, o GLP na América Latina é usado majoritariamente para cocção e a expectativa é que a demanda cresça por conta de crescimento populacional e iniciativas governamentais de alguns países específicos para combater a pobreza e ajudar a transição de famílias de baixa renda de combustíveis perigosos e poluentes como a lenha, por exemplo, para a GLP. Segundo estimativas da Agência Internacional de Energia, existem ainda mais de 70 milhões de consumidores na região sem acesso a combustíveis limpos para cocção como o GLP.
CF: Para atender a essa demanda, muitos países da América Latina, inclusive Brasil, estão focando em infraestrutura para que o GLP chegue ao consumidor. Quais são os principais projetos em andamento na região?
VV: É isso mesmo, são vários. Vou dar alguns exemplos.
Na Guatemala, a subsidiária do Grupo Tomsa, Tropigas, inaugurou uma nova instalação de armazenamento e distribuição de GLP com capacidade para 31 mil barris em novembro passado com o objetivo de atender a crescente demanda na região. Na Colômbia, a distribuidora de GLP, Colgas, iniciou a construção de um terminal em Cartagena com capacidade de 16 mil toneladas por mês que deve entrar em operação ainda este ano. Também na Colômbia, nós temos a canadense Fronteira e a chilena Gasco que planejam construir um terminal de GLP em Porto Bahia que vai incluir capacidade de armazenamento de 20.400 toneladas e poderá descarregar dois navios VLGC, que são aqueles navios grandes que carregam o GLP por mês.
E olhando para o Brasil, a distribuidora Copa Energia está investindo em uma nova instalação de armazenamento de GLP com capacidade de 71 mil toneladas em Suape. E também no Brasil, as empresas Ultragaz e Supergasbras receberam recentemente aprovação para construir um novo terminal de GLP no complexo industrial de Pecém com capacidade para armazenar até 62 mil toneladas de GLP. As empresas planejam concluir esse projeto até 2028, ou seja, há vários projetos em andamento na região.
CF: Do lado da oferta, existe uma grande expectativa em relação à Argentina por conta de Vaca Muerta. O que já se vê em termos de produção? Quais são as projeções?
VV: Sim, a Argentina é realmente um tema muito interessante por conta do crescimento da produção de petróleo e gás natural de Vaca Muerta, que é uma grande reserva de shale, de xisto. A Argentina definitivamente tem potencial para se tornar um fornecedor-chave para países vizinhos.
No início de agosto, a Mega, que é uma empresa argentina, concluiu um projeto com parte de um esforço para aumentar em 50pc a capacidade de sua planta em Bahia Blanca. A YPF estima que a recuperação de gás em Vaca Muerta pode superar os volumes do sudeste dos Estados Unidos e do oeste do Canadá. Ou seja, estamos aí falando em volumes potencialmente expressivos.
A YPF estima que a produção total de petróleo e gás na Argentina deve crescer de 495 mil barris por dia de óleo equivalente atualmente para 1 milhão barris por dia em 2030. O volume do que a gente chama de líquidos de gás natural, “NGLs” na sigla em inglês, é obviamente muito menor do que o volume previsto para petróleo e gás natural. Mas deve sair de 45 mil barris por dia atualmente para 75 mil barris por dia até o final da década, ainda segundo estimativas da YPF. Regionalmente é um momento importante.
CF: Qual deve ser o impacto disso em termos de exportações?
VV: Esse crescimento de produção em Vaca Muerta já está se traduzindo em maiores exportações. Nós temos observado um aumento nas exportações da Argentina mesmo durante os meses de inverno, quando normalmente elas tendem a ser menores e às vezes nem mesmo acontecer.
Em julho, por exemplo, a Argentina exportou mais de 60 mil toneladas de GLP por via marítima, segundo dados da Kepler, o que é pouco comum nos meses de inverno no país. No entanto, de forma geral, as exportações da Argentina costumam atingir o pico no primeiro trimestre do ano, que coincide com os meses de verão por lá. Nós já vimos volumes de exportação mensal chegarem até 112 mil toneladas em fevereiro de 2023 e esses volumes são, obviamente, muito pequenos quando comparados aos volumes produzidos e exportados pelos Estados Unidos, que exportam em torno de 1,6 a 1,8 milhão de barris por dia de propano.
Mas, como países latino-americanos como Equador, México e Chile, por exemplo, ainda precisam de GLP durante o inverno, outros países da América do Sul, que são “ignorados” pelos grandes terminais dos Estados Unidos, poderão encontrar aí uma fonte alternativa de abastecimento muito mais próxima como a Argentina. Assim, regiões como África Ocidental e países como Chile e Brasil, por exemplo, são áreas onde nós já vimos importações esporádicas de GLP argentino.
A Argentina já é um exportador regional, mas, com o aumento de produção e infraestrutura de exportação, nós devemos ver mais volume de GLP argentino por terra e mar a países sul-americanos e, potencialmente, para outras regiões.
CF: Nesse potencial todo de expansão que você descreveu, como fica a precificação do gás na Argentina?
VV: Então, como os Estados Unidos são o concorrente mais próximo da Argentina em termos de exportações, é natural que o hub de Mont Belvieu seja um ponto de partida para negociações de cargas originadas na Argentina. Mas, como o mercado global de GLP tem, e deve continuar tendo, um excedente de produto, são realmente os países importadores que determinam o valor da molécula. Ou seja, os preços em Mont Belvieu são um reflexo do que acontece em regiões como Ásia e Europa. E frete marítimo também passou a ser, obviamente, um fator muito importante.
O principal índice que o mercado acompanha para determinar o valor do GLP atualmente é o Argus Far East Index, AFEI, que representa a carga dos entregues da Ásia. E é muito provável que o mercado argentino acabe seguindo referências de netbacks da Ásia, dos Estados Unidos e da Europa para determinar fórmulas competitivas para a colocação de produto no mercado internacional.
CF: Aqui no Brasil, o que mais chama a sua atenção no mercado de GLP?
VV: Então, a demanda brasileira por GLP é robusta. Majoritariamente uma demanda para a cocção, o GLP no Brasil é conhecido como gás de cozinha, e deve continuar crescendo.
Nós já falamos um pouco sobre projetos de infraestrutura e existe uma expectativa de que a produção no Brasil cresça por conta do aumento da produção de gás associado ao petróleo do pré-sal, que deve continuar crescendo. Mas o que tem me chamado mais atenção é o número de empresas internacionais se posicionando no Brasil. Por várias razões, mudança de fluxo de comercialização e não só necessariamente em relação a GLP, mas várias delas com planos de atuarem no mercado de GLP também.
A Argus está obviamente acompanhando essa movimentação muito de perto e isso é muito boa notícia, porque a maior diversidade de participantes é sempre interessante, porque tipicamente gera mais liquidez, mais transparência e a possibilidade para agências de preços como a Argus desenvolver ferramentas de precificação locais.
CF: Vanessa, você é uma das palestrantes da Liquid Gas Week no Rio de Janeiro entre 22 e 26 de setembro. Essa é uma conferência organizada pela WLGA, World Liquid Gas Association, da qual a Argus é associada.
Você poderia falar do trabalho da associação e da importância dessa conferência ser realizada no Brasil este ano?
VV: Sim, esse é sem dúvida nenhuma o maior evento da indústria de GLP e é um grande privilégio para mim poder participar como palestrante num painel com a Petredec, a Nacional Gas e a YPF, no meu país de origem e onde a Argus tem uma presença tão forte.
Esse evento reúne em torno de 2.500 representantes de empresas privadas, estatais e entidades governamentais de mais de 110 países e é uma excelente oportunidade para networking e atualização dos principais acontecimentos impactando o mercado de GLP num momento de tanta volatilidade e incerteza por conta de todas as mudanças estruturais e geopolíticas que nós discutimos hoje aqui.
CF: Obrigada, Vanessa. Obrigada aos nossos ouvintes. Argus acompanha de pertinho as movimentações das commodities no Brasil e no mundo. Confira mais episódios do nosso podcast nas principais plataformas ou no site argusmedia.com. Até a próxima!
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