Falando de mercado: Perspectivas para o GAS-REC no Brasil

Author Argus

O mercado de certificados voluntários de rastreabilidade vem atraindo mais atenção no setor de biometano, com destaque para o GAS-REC, emitido localmente pelo Instituto Totum.

Junte-se a Rebecca Gompertz, repórter da publicação Argus Brazil Gas Markets, e Fernando Giachini Lopes, diretor do Instituto Totum, e saiba mais sobre as perspectivas para os certificados de garantia de origem de biometano no Brasil.

Transcript:

Rebecca Gompertz: Olá e bem-vindos ao ‘Falando de Mercado’, uma série de podcasts trazidos semanalmente pela Argus sobre os principais acontecimentos com impacto para os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo. Meu nome é Rebecca Gompertz, eu sou repórter do relatório Argus Brazil Gas Markets. No episódio de hoje eu converso com Fernando Giachini Lopes, diretor do Instituto Totum. O Instituto é o órgão emissor local e representante da International Tracking Foundation no Brasil. O Instituto é responsável pela emissão dos créditos de garantia de origem de gás renovável, o GAS-REC, assunto do nosso episódio de hoje. Bom dia. Seja muito bem-vindo, Fernando. Fernando Giachini Lopes: Bom dia, Rebecca. Obrigado pelo convite. Estou aqui à disposição para falar tudo sobre certificados de origem de biometano. Vamos lá.

RG: Vamos lá, Fernando. Bom, para começar, eu queria entender o que exatamente é o GAS-REC? Qual é o diferencial dele em relação às alternativas disponíveis no mercado, como os créditos de descarbonização (Cbios) e os créditos de carbono?

FGL: Basicamente, Rebeca, o GAS-REC é um certificado de garantia de origem de biogás ou biometano. Na prática, imagina que uma indústria consome gás, por exemplo, a partir de um gasoduto, e ela sabe que nesse gasoduto tem tanto gás natural fóssil quanto biometano. É uma situação real aqui do Brasil, em alguns locais. Na falta de informação, por conservadorismo, essa indústria vai reportar o consumo e a queima de gás natural. Se a gente consegue marcar cada metro cúbico, cada milhão de BTU de biometano que é injetado nesse gasoduto e transforma isso em um certificado, a empresa lá na ponta do gasoduto pode adquirir os certificados. Isso vai torná-la proprietária dos atributos ambientais do biometano, chegando ao ponto de poder reportar o consumo de 100% de biometano, dando assim a garantia de origem para o combustível que ela está usando. Isso vale para o gás, para o biometano como combustível, mas vale também para o gás como insumo, como, por exemplo, na fabricação de, eventualmente, hidrogênio e o que já existe, que são fertilizantes. A diferença em relação aos outros instrumentos é que ele é simplesmente um instrumento de rastreabilidade e garantia de origem. O Cbio é um certificado de descarbonização de natureza regulatória. Ninguém usa Cbio para fazer relato de emissões de gás de efeito estufa. O Cbio faz parte de um programa regulado no Brasil, chamado Renovabio, e quem tem obrigação de comprar Cbio são as distribuidoras de combustível, mas elas não queimam combustível. Então, é um ativo ambiental de natureza diferente que não conflita com o certificado de garantia de origem. E os créditos de carbono são, geralmente, projetos que reduzem emissões de gás de efeito estufa ou removem carbono da atmosfera. Geralmente são projetos de redução, que comparam um cenário real com um cenário teórico e apresentam uma teórica redução de emissão. Então, tem uma série de componentes subjetivos de opinião nesse tipo de projeto, diferente da garantia de origem do biogás e do biometano, que é alguma coisa baseada em fatos, e a gente só emite. E a gente só emite esses certificados após o fato, ou seja, os certificados de biometano são 100% baseados no fato. Outra aplicação desses certificados de GAS-REC é, por exemplo, se o empresário troca a sua frota, ou parte de sua frota rodoviária de gasolina ou diesel, no caso diesel, para GNV, gás natural veicular. É muito difícil garantir que, viajando pelo Brasil, você vai consumir biometano dentro do posto de combustível. No posto de combustível, você tem uma bomba de GNV, que lá pode ter mais biometano do que gás natural, só gás natural, só biometano, eventualmente, se está perto de um produtor de biometano. Mas, de novo, existe uma bomba específica de etanol e não existe uma bomba específica de biometano. Então, o frotista, o dono da frota, ele vai fazer o consumo de gás dentro da estrutura pública e vai comprar certificado de garantia de origem para dar rastreabilidade para o seu consumo, e aí usufruir da enorme redução de emissão que o biometano fornece no caso de transporte rodoviário.

RG: Entendi. E o GAS-REC tem, então, um papel importante a cumprir no mercado. Mas qual é exatamente o atrativo dele para as indústrias locais, Fernando?

FGL: Basicamente, a redução de pegada de carbono. Uma indústria hoje, ao consumir gás natural, ela está colocando na sua pegada de carbono cerca de 2kg de dióxido de carbono, etc. É o equivalente por metro cúbico consumido. Então, são 2kg de CO2 por metro cúbico. Se a empresa, se o consumidor industrial consegue garantia de origem de biometano, ele vai conseguir uma redução da ordem de 99% de emissões. Ou seja, a emissão é praticamente zero. Então, isso envolve muitos setores industriais que são heavy users, grandes consumidores de gás natural e que a própria natureza do processo tecnológico não permite uma eventual eletrificação. Com eletrificação a gente tem os instrumentos de garantia de origem de energia elétrica que são mais abundantes aqui no Brasil. Mas as indústrias consumidoras de gás, que são aqueles setores mais difíceis de abater, elas usam o certificado de energia, o certificado de gás natural renovável, o GAS-REC, para poder reduzir as suas emissões chamadas de escopo 1, que é a queima de combustível. Então, basicamente, o atrativo do GAS-REC para a indústria local é você conseguir diminuir a sua produção de gás. Então, o GAS-REC é uma pegada de carbono às suas emissões diretas de CO2.

RG: Agora, falando um pouco mais do cenário político em volta desse tema: considerando que o PL Combustível do Futuro está em tramitação no Senado e atualmente inclui a criação de um certificado de origem renovável de compra obrigatória para o biometano, qual espaço o GAS-REC pode ocupar enquanto crédito voluntário?

FGL: Na verdade, o Certificado de Garantia de Origem de Biometano (CGOB) acabou emulando o que já existe aqui no Brasil, que é o GAS-REC, há cerca de quatro anos. Ou seja, o projeto acabou utilizando o conceito do book and claim, o conceito de desvinculação da molécula física do atributo ambiental da molécula. Então, nisso a gente fica muito feliz, porque vê que a nossa ideia, criada há quatro anos, deu frutos. O projeto do Combustível do Futuro, na verdade, traça, no final das contas, uma decisão da sociedade que deseja que seu gás natural tenha um componente de renovabilidade. Assim como a sociedade decidiu, por exemplo, que a nossa gasolina deveria ter etanol, em porcentagens elevadas, porque nós queremos ter um combustível mais verde. Assim como a sociedade decidiu que o nosso diesel deveria ter biodiesel, assim como a sociedade decidiu que as nossas propriedades agrícolas deveriam ter um percentual de área reservada para a natureza, que são as reservas legais, o projeto do Combustível do Futuro, por meio de uma decisão do parlamento, colocou uma cota crescente de biometano dentro do gás natural. Independentemente dos motivos que levaram a isso, é uma decisão da sociedade, mas o projeto inova ao dizer que essa cota de consumo regulada pode também ser alocada para consumidores voluntários. Ou seja, uma cota obrigatória pode ser revendida para um consumidor voluntário. Isso é uma questão de preocupação, porque dependendo de como a contabilização for feita, isso pode gerar um duplo beneficiário. Então, precisa tomar um pouco de cuidado. Agora, o que basicamente ocorre é que o mesmo conceito do GAS-REC, que vai ser usado no CGOB, e a gente está trabalhando para unificar as iniciativas. Dentro do PL do Combustível do Futuro, especificamente na parte do biometano, você tem de um lado a criação de uma cota obrigatória de consumo, e de outro lado, o conceito da segregação da molécula física e do atributo ambiental que pode ser aproveitado para o mercado voluntário. Então, tem algumas perspectivas. Uma perspectiva é que as cotas de consumo obrigatório possam ficar em um sistema e todo o sistema voluntário continuar no GAS-REC, ou então a unificação desses dois instrumentos, dado que existe uma intercambialidade entre o certificado de garantia de origem regulado e o certificado usado para fins voluntários, que seria quase que um mercado secundário desse certificado que já foi usado para compliance. Então, a gente está trabalhando, tem discutido esse assunto quase que semanalmente e estamos adaptando a nossa plataforma do GAS-REC para atender a eventual futura demanda do CGOB.

RG: Fernando, falando um pouco sobre essas diferentes iniciativas que surgem ao mesmo tempo, eu queria entender um pouco melhor como se navega em um mercado como o do biometano, que ainda não possui um padrão de certificação. Onde o GAS-REC ainda pode crescer?

FGL: Na verdade, o que a gente viveu nos últimos quatro anos foi a criação de um mercado. Nós criamos um ativo ambiental que não existia, que é o certificado de garantia de origem, e passamos quatro anos convencendo algumas organizações a usar esse instrumento ambiental, dando como garantia um sistema de governança robusto, que é, inclusive, acreditado pela Fundação Itrack. A gente viveu isso no certificado de energia renovável e de energia elétrica. Nós criamos esse ativo também em 2012, 2013. E agora o pessoal abre o olho dizendo “Puxa vida, mas o mercado cresceu etc.” Mas a gente ficou seis, sete anos só divulgando, disseminando a ideia para que hoje virasse realidade. Hoje, cerca de 15-20% da energia elétrica de negócios no Brasil tem garantias de origem. E isso foi um trabalho de muitos anos do Instituto Totum, junto com as associações representantes do setor elétrico. E esse é o mesmo trabalho que a gente vem fazendo no gás, que agora foi emulado com a criação desse certificado de garantia de origem. O que pode fazer esse mercado crescer? Um dos inibidores do crescimento desse mercado é a dubiedade da principal plataforma de relatos de emissões, que é o Protocolo GHG. O Protocolo GHG, em 2015, criou a possibilidade de que certificados de gás fossem usados. E com essa diretriz, e o conceito dos certificados de energia renovável, vários países criaram mercados, inclusive regulados, com que transacionam os certificados de gás. Isso é muito comum, isso existe nos Estados Unidos, no Reino Unido, na própria União Europeia. Surpreendentemente, em 2020, o Protocolo GHG simplesmente retirou essa possibilidade do documento que tinha sido editado em 2015, sob o pretexto de que esse assunto deveria ser mais estudado e seria relativo ao escopo 1 das organizações. Na prática, o que isso gerou? Aquelas jurisdições que criaram seus mecanismos de regulação continuam valendo a regra. Enquanto jurisdições, como por exemplo o Brasil, onde só existia o mercado voluntário, acabou ficando num limbo em função do Protocolo GHG. Então, eu não tenho dúvidas de dizer hoje que a indústria brasileira tem uma desvantagem em relação à indústria de outras jurisdições, onde existem programas regulados, de certificação de biometano, porque nessas outras jurisdições a forma de redução de emissões é mais simples, mais barata do que aqui no Brasil. Então, a gente tem trabalhado junto ao Protocolo GHG aqui no Brasil para que os certificados sejam aceitos, principalmente na realidade brasileira, onde a nossa infraestrutura de distribuição de gás não é tão desenvolvida quanto na Europa, quanto nos Estados Unidos. Até porque lá, se eles perderem o gás, eles morrem de frio, diferentemente da realidade aqui do Brasil. Então, aqui a gente tem uma realidade do grid de distribuição de gás e temos também outra realidade que grande parte das fontes de biometano estão distantes dos consumidores de biometano, a não ser os aterros sanitários, o biometano gerado a partir do agronegócio normalmente está longe das grandes cidades onde existem as indústrias. Então, mecanismos de certificados conseguem cobrir essa lacuna, a lacuna logística de permitir que indústrias longe do biometano físico possam usufruir dos benefícios do biometano. Então, isso é algo que a gente está trabalhando junto na esfera estadual, também junto ao Protocolo GHG. Eventualmente, sendo aprovado o PL do Combustível do Futuro nos termos em que ele se encontra, a gente vai criar, aqui na nossa jurisdição, a regulação e vamos poder usufruir dos certificados. Vamos tentar fazer isso antes, conseguir essa competitividade antes que o Projeto de Lei seja aprovado para que as empresas possam usufruir mais cedo desse instrumento.

RG: Muito obrigada pelos insights, Fernando. O mercado de GAS-RECs pode se tornar cada dia mais relevante no Brasil e a Argus vai continuar a trazer todas as novidades desse setor.

FGL: Muito bom, Rebecca. Eu destaco dois eventos próximos onde nós vamos trabalhar nesse mercado, vamos discutir a questão dos certificados de biometano. Um evento agora em Amsterdã, o REC Market Meeting 2024. É um encontro muito grande, mais de 700 pessoas que vão falar de instrumentos de mercado para ativos ambientais. Eu vou fazer uma palestra, vou participar de um painel sobre certificação de biometano, que é a nossa certificação chamada Itrack-G. Independentemente do que está acontecendo aqui no Brasil, o Instituto Totum é um emissor, um code manager, responsável pelo código de biometano a nível mundial. Nós fomos escolhidos pela Fundação Itrack para gerenciarmos o código de biometano em todo o mundo. Então, a gente está desenvolvendo e aplicando o mesmo GAS-REC que existe aqui no Brasil em países como Austrália, Colômbia, Chile, México. Esse é o evento da semana que vem. E nós vamos ter, aqui no Brasil, a Conferência Internacional da Fundação Itrack, que vai ser em 1, 2 e 3 de julho, aqui na cidade de São Paulo. É uma conferência internacional, toda em inglês. Vai ter gente do mundo inteiro e lá nós vamos discutir os instrumentos de mercado, os ativos ambientais, para a rastreabilidade de energia elétrica, biometano, hidrogênio, captura de carbono, vários itens ligados a esse processo de descarbonização. Então, eu convido todos a entrarem no site da Itrack Standard e se inscreverem para essa conferência internacional.

RG: Este e os demais episódios do nosso podcast em português estão disponíveis no site da Argus em www.argusmedia.com/falando traço de traço mercado. Visite a página para acompanhar os acontecimentos que pautam os mercados globais de commodities e entender seus desdobramentos no Brasil e na América Latina. Voltaremos em breve com mais uma edição do Falando de Mercado. Até logo!”